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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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JANIO DE FREITAS

O anti-social

Voz sempre recebida com especial consideração em todas as instâncias do PT, e portanto da ala petista (sic) do governo, a professora Maria da Conceição Tavares está vista como autora de um marco divisório na contradição suscitada no petismo, ou na esquerda em geral, pelo ministro Antonio Palocci Filho e sua política econômica.
O marco (expressão bastante aplicada nos últimos dois dias) está configurado nas considerações incisivas de Conceição Tavares, recolhidas por Gabriela Athias na Folha de anteontem, a partir do documento "Política Econômica e Reformas Estruturais" lançado, dez dias antes, por Antonio Palocci. Sob os grossos obuses verbais com que alveja assessores do ministro, em aparente cuidado político de poupá-lo, Conceição Tavares identifica no documento o endosso, no Ministério da Fazenda, de políticas anti-sociais ditadas por entidades como o Banco Mundial. São medidas que, "empurradas pelo Banco Mundial, desmontaram o sistema de saúde pública do Chile, o melhor da América Latina, a Previdência e o sistema de saúde", e tudo se arruinou. Na Argentina deu-se o mesmo.
As considerações de Conceição Tavares penetram no PT exatamente quando em sua bancada na Câmara emergem, e se propagam, rebeldias como a do ex-líder Walter Pinheiro e até do atual líder, Nelson Pellegrino, contra propostas reformistas do governo que contrariam a doutrina e a prática petistas em toda a sua existência. E Conceição Tavares acusa no documento, como mais uma arma da resistência que se dissemina, a recusa da tese, de "todos os grandes empresários e economistas", de que o problema do Brasil está "no aumento dos passivos externos". Ao passo que documento emitido por Palocci considera que o problema decorre de insuficiente ajuste fiscal (leia-se arrocho geral nos gastos governamentais), o que explica o endosso do documento de Palocci ao corte de benefícios sociais.
Os resistentes do PT, que já se mostram como maioria na bancada parlamentar, passam a ter no documento da Fazenda e no desnudamento que dele fez Conceição Tavares, ela própria ex-parlamentar petista, a base para um novo estágio no inconformismo com as propostas de reforma, tal como são hoje, e com a política econômica. Mas Conceição Tavares foi mais longe.
"As estatísticas sociais apresentadas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foram falsificadas" - é mais do que uma informação, é uma denúncia cuja gravidade não pode ficar sem explicação do governo, particularmente da Presidência e dos ministros da Fazenda e do Planejamento. Estes, aliás, já protagonistas do show de inverdades que foi a explicação do corte de R$ 14 bilhões no Orçamento, que asseguraram não atingir verbas sociais e, no entanto, logo se descobria que um terço era de tais verbas.
Não é tudo. Uma ONG, revela Conceição Tavares, "recebe em torno de US$ 250 mil do Banco Mundial para fazer o tal estudo especial" que foi objeto de sua devassa. E integrante do trio detentor da ONG é o secretário de Polícia Econômica do Ministério da Fazenda, o qual, então, estaria recebendo, simultaneamente, "dinheiro público e do Banco Mundial" para produzir no governo os documentos com propostas desejadas pelo banco. Explicação, no caso, seria pouco.


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