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ENTREVISTA GILSON DIPP
Gilson Dipp afirma que Judiciário já trabalha para separar suas "maçãs podres"
Para ministro do STJ, caiu o mito do "juiz intocável"
Alan Marques/Folha Imagem
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Gilson Dipp, que defende meios como interceptação telefônica para investigar crimes sofisticados |
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Para Gilson Dipp, 62, ministro do Superior Tribunal de
Justiça, "a corrupção está entranhada nos três Poderes",
pois "não existe crime organizado sem participação de um
agente público e político". Em
entrevista à Folha, Dipp comentou as operações da Polícia
Federal, as queixas de abusos,
segundo advogados, e as suspeitas que recaem sobre o Judiciário e o Ministério Público.
FOLHA - A procuradora da República Janice Ascari diz que a corrupção
está entranhada no Judiciário e no
Ministério Público. O sr. concorda?
GILSON DIPP - Infelizmente, a
corrupção hoje, no Brasil, como
no resto do mundo, não é mais
exclusividade de membros do
Executivo e do Legislativo.
Existe também, pontualmente,
no próprio Judiciário e no Ministério Público. A constatação
decorre dessas operações da
Polícia Federal. Os próprios órgãos estão cortando na carne.
FOLHA - Em que medida o crime organizado está conseguindo se infiltrar no Judiciário?
DIPP - Não existe crime organizado, não só no Brasil, sem a
participação de um agente público e político. Àquela declaração de um membro da máfia de
Nova York, dizendo que não
precisaria mais de pistoleiros,
mas de senadores e deputados,
poderia se acrescentar, no Brasil, que necessitaria também de
juízes e promotores. A corrupção está entranhada nos três
Poderes. É uma decorrência.
FOLHA - Por que é tão difícil o Judiciário separar as "maçãs podres"?
DIPP - Nós sempre nos julgávamos, até pouco tempo atrás, intocáveis. Nós temos uma Lei
Orgânica da Magistratura Nacional de certa forma superada.
Se detectada uma infração administrativa grave contra um
magistrado, ele é afastado com
aposentadoria compulsória.
Havia a sensação de que os
juízes eram intocáveis, acima
do bem e do mal. Hoje há muitos processos administrativos
nos tribunais. O STJ tem vários
processos envolvendo desembargadores federais, procuradores da República. Está caindo o mito de que não podemos separar as "maçãs podres".
FOLHA - O sr. gostaria de comentar
os fatos mais recentes e as acusações anteriores a ministros do STJ?
DIPP - Os fatos são muito novos, muito recentes. O inquérito está correndo no Supremo
Tribunal Federal. É lamentável
para um magistrado verificar
que, na deflagração de uma
operação dessa envergadura,
estejam, num primeiro momento, pelo menos, nominados
juízes, desembargadores e até
um ministro do STJ.
FOLHA - As operações Anaconda,
Hurricane e Têmis só atingiram magistrados porque houve uso da escuta telefônica autorizada. Entre juízes, há muita restrição à escuta?
DIPP - Hoje, entre os juízes penais, todos temos a convicção
de que o combate ao crime organizado, ao crime praticado
por organizações complexas,
exige instrumentos comprobatórios que não mais aqueles comuns, como os testemunhos.
Hoje, os meios de prova, de certa forma, podem garantir os direitos individuais. Mas nenhuma operação dessas prescinde
da escuta telefônica, ou de uma
interceptação ambiental, do
instituto da delação premiada,
tão mal compreendido, e até da
infiltração de um agente policial. São meios drásticos, mas
necessários para a apuração de
crimes complexos.
Nossa geração foi voltada para a investigação do crime comum, individual, com meios de
prova tradicionais, do Código
Penal. Hoje são necessários
meios mais sofisticados.
FOLHA - Como o sr. avalia as críticas de advogados quando são feitas
as grandes operações da Polícia Federal? Os direitos dos acusados estão sendo desrespeitados?
DIPP - Evidentemente, uma
operação complexa para desestruturar uma organização com
ramificação em vários Poderes
precisa de um grau de sigilo, no
início, sob pena de não se chegar a lugar nenhum. Num determinado momento, após a
prisão preventiva ou a prisão
temporária, deve ser dada
oportunidade aos advogados
para que tomem conhecimento
das acusações e para que possam exercer a ampla defesa.
FOLHA - Um desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo, Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, diz que o primeiro fiscal do juiz, desembargador ou ministro é o advogado. Lembra que não existe corrupto sem corruptor. Como a categoria poderia contribuir para reduzir
as intermediações condenáveis?
DIPP - O advogado presta grande serviço à Justiça, mas também tem que obedecer certos
padrões éticos, cuidados também exigidos do Ministério Público e da polícia. Ele também
tem alguns deveres.
FOLHA - Por exemplo?
DIPP - O advogado não pode facilitar a prática de crimes. Nós
sabemos que, no sistema financeiro, há advogados que, a título de prestar consultoria, ensinam ou até praticam delitos.
Você vê muito nos inquéritos
de lavagem de dinheiro. Há que
se ter muito cuidado.
FOLHA - Os bingos sempre foram
alternativa para lavagem de dinheiro. Em que medida as varas especializadas atuaram nessas operações?
DIPP - As varas especializadas
foram o grande avanço em termos de modernidade no combate à lavagem e ao crime internacional. É a primeira experiência a ser copiada por outros
países. O Brasil foi muito bem
avaliado pelo Gafi [Grupo de
Ação Financeira Internacional]. Boa parte disso decorreu
da criação dessas varas.
FOLHA - As varas especializadas
contam com o apoio técnico do Banco Central. Como o sr. vê a proposta
de transferir o Coaf (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras)
para o Ministério da Justiça?
DIPP - Não só os juízes, os servidores do Ministério Público
também contam com suporte
do Banco Central e da Receita
Federal. Eu acho que o Coaf deve permanecer no Ministério
da Fazenda, para ter uma operacionalidade mais adequada,
porque é um órgão de informação financeira [recebe dados
cadastrais bancários para identificar transações suspeitas].
FOLHA - É possível compatibilizar o
avanço obtido com as varas especializadas, de primeira instância, e o foro privilegiado, que tira desses juízes a competência para julgar os suspeitos com direito a foro especial?
DIPP - O foro privilegiado, para
mim, é sinônimo de impunidade. Não temos nos tribunais,
estaduais, regionais federais ou
superiores, a estrutura para
proceder os inquéritos mais
complexos. Eu confio muito
mais na qualidade, na celeridade dos inquéritos penais com
juízes de primeiro grau do que
com colegiados.
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