São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA GILSON DIPP

Gilson Dipp afirma que Judiciário já trabalha para separar suas "maçãs podres"

Para ministro do STJ, caiu o mito do "juiz intocável"

Alan Marques/Folha Imagem
Gilson Dipp, que defende meios como interceptação telefônica para investigar crimes sofisticados


FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Para Gilson Dipp, 62, ministro do Superior Tribunal de Justiça, "a corrupção está entranhada nos três Poderes", pois "não existe crime organizado sem participação de um agente público e político". Em entrevista à Folha, Dipp comentou as operações da Polícia Federal, as queixas de abusos, segundo advogados, e as suspeitas que recaem sobre o Judiciário e o Ministério Público.  

FOLHA - A procuradora da República Janice Ascari diz que a corrupção está entranhada no Judiciário e no Ministério Público. O sr. concorda?
GILSON DIPP
- Infelizmente, a corrupção hoje, no Brasil, como no resto do mundo, não é mais exclusividade de membros do Executivo e do Legislativo. Existe também, pontualmente, no próprio Judiciário e no Ministério Público. A constatação decorre dessas operações da Polícia Federal. Os próprios órgãos estão cortando na carne.

FOLHA - Em que medida o crime organizado está conseguindo se infiltrar no Judiciário?
DIPP
- Não existe crime organizado, não só no Brasil, sem a participação de um agente público e político. Àquela declaração de um membro da máfia de Nova York, dizendo que não precisaria mais de pistoleiros, mas de senadores e deputados, poderia se acrescentar, no Brasil, que necessitaria também de juízes e promotores. A corrupção está entranhada nos três Poderes. É uma decorrência.

FOLHA - Por que é tão difícil o Judiciário separar as "maçãs podres"?
DIPP
- Nós sempre nos julgávamos, até pouco tempo atrás, intocáveis. Nós temos uma Lei Orgânica da Magistratura Nacional de certa forma superada. Se detectada uma infração administrativa grave contra um magistrado, ele é afastado com aposentadoria compulsória. Havia a sensação de que os juízes eram intocáveis, acima do bem e do mal. Hoje há muitos processos administrativos nos tribunais. O STJ tem vários processos envolvendo desembargadores federais, procuradores da República. Está caindo o mito de que não podemos separar as "maçãs podres".

FOLHA - O sr. gostaria de comentar os fatos mais recentes e as acusações anteriores a ministros do STJ?
DIPP
- Os fatos são muito novos, muito recentes. O inquérito está correndo no Supremo Tribunal Federal. É lamentável para um magistrado verificar que, na deflagração de uma operação dessa envergadura, estejam, num primeiro momento, pelo menos, nominados juízes, desembargadores e até um ministro do STJ.

FOLHA - As operações Anaconda, Hurricane e Têmis só atingiram magistrados porque houve uso da escuta telefônica autorizada. Entre juízes, há muita restrição à escuta?
DIPP
- Hoje, entre os juízes penais, todos temos a convicção de que o combate ao crime organizado, ao crime praticado por organizações complexas, exige instrumentos comprobatórios que não mais aqueles comuns, como os testemunhos. Hoje, os meios de prova, de certa forma, podem garantir os direitos individuais. Mas nenhuma operação dessas prescinde da escuta telefônica, ou de uma interceptação ambiental, do instituto da delação premiada, tão mal compreendido, e até da infiltração de um agente policial. São meios drásticos, mas necessários para a apuração de crimes complexos. Nossa geração foi voltada para a investigação do crime comum, individual, com meios de prova tradicionais, do Código Penal. Hoje são necessários meios mais sofisticados.

FOLHA - Como o sr. avalia as críticas de advogados quando são feitas as grandes operações da Polícia Federal? Os direitos dos acusados estão sendo desrespeitados?
DIPP
- Evidentemente, uma operação complexa para desestruturar uma organização com ramificação em vários Poderes precisa de um grau de sigilo, no início, sob pena de não se chegar a lugar nenhum. Num determinado momento, após a prisão preventiva ou a prisão temporária, deve ser dada oportunidade aos advogados para que tomem conhecimento das acusações e para que possam exercer a ampla defesa.

FOLHA - Um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, diz que o primeiro fiscal do juiz, desembargador ou ministro é o advogado. Lembra que não existe corrupto sem corruptor. Como a categoria poderia contribuir para reduzir as intermediações condenáveis?
DIPP
- O advogado presta grande serviço à Justiça, mas também tem que obedecer certos padrões éticos, cuidados também exigidos do Ministério Público e da polícia. Ele também tem alguns deveres.

FOLHA - Por exemplo?
DIPP
- O advogado não pode facilitar a prática de crimes. Nós sabemos que, no sistema financeiro, há advogados que, a título de prestar consultoria, ensinam ou até praticam delitos. Você vê muito nos inquéritos de lavagem de dinheiro. Há que se ter muito cuidado.

FOLHA - Os bingos sempre foram alternativa para lavagem de dinheiro. Em que medida as varas especializadas atuaram nessas operações?
DIPP
- As varas especializadas foram o grande avanço em termos de modernidade no combate à lavagem e ao crime internacional. É a primeira experiência a ser copiada por outros países. O Brasil foi muito bem avaliado pelo Gafi [Grupo de Ação Financeira Internacional]. Boa parte disso decorreu da criação dessas varas.

FOLHA - As varas especializadas contam com o apoio técnico do Banco Central. Como o sr. vê a proposta de transferir o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Ministério da Justiça?
DIPP
- Não só os juízes, os servidores do Ministério Público também contam com suporte do Banco Central e da Receita Federal. Eu acho que o Coaf deve permanecer no Ministério da Fazenda, para ter uma operacionalidade mais adequada, porque é um órgão de informação financeira [recebe dados cadastrais bancários para identificar transações suspeitas].

FOLHA - É possível compatibilizar o avanço obtido com as varas especializadas, de primeira instância, e o foro privilegiado, que tira desses juízes a competência para julgar os suspeitos com direito a foro especial?
DIPP
- O foro privilegiado, para mim, é sinônimo de impunidade. Não temos nos tribunais, estaduais, regionais federais ou superiores, a estrutura para proceder os inquéritos mais complexos. Eu confio muito mais na qualidade, na celeridade dos inquéritos penais com juízes de primeiro grau do que com colegiados.


Texto Anterior: Banco diz não ter vínculo com irmão de ministro
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.