São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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ENTREVISTA DA 2ª/LUIZ MARINHO

"Previdência tem de conter explosão de pensões por morte"

Ministro afirma que reforma em debate não atingirá atual geração de trabalhadores, mas defende ajustes no curto prazo

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O GOVERNO quer mudar as regras de concessão das pensões por morte pagas pelo INSS. Há menos de um mês na Previdência, o ministro Luiz Marinho disse à Folha que existe uma "explosão" nesses benefícios e propõe a revisão das regras paralelamente à reforma previdenciária que ele defende apenas para o longo prazo. Hoje a Previdência paga cerca de 6 milhões de pensões. Só no ano passado, 144 mil novos benefícios foram somados ao estoque. Não há uma estimativa total do gasto. Segundo o ministro, as mudanças devem combater, por exemplo, o problema com as "viúvas jovens". "Acho que na situação de uma jovem que ficar viúva, sem filhos, ela faz jus a uma indenização. Não a um benefício para o resto da vida", afirma.

De seu novo gabinete -no oitavo andar do mesmo prédio em que comandava o Ministério do Trabalho-, Marinho disse que a reforma da Previdência para o longo prazo não atingirá a atual geração de trabalhadores e não será mais um "remendo". Será acompanhada, porém, de uma fase de ajustes na legislação com efeitos imediatos. Além das pensões, o ministro quer novamente alterar as normas do auxílio-doença.
Marinho descarta a idéia do Ministério da Fazenda de leiloar a folha de pagamento do INSS, mas admite que conversará com os bancos para mudar o atual sistema. Hoje, a Previdência paga à rede bancária para prestar os serviços aos aposentados. A intenção é deixar de gastar e, se possível, passar a receber dos bancos.
Marinho se declara "chateado" com os aposentados que o acusaram de ter machucado manifestantes em um protesto na frente do ministério durante a saída do carro oficial. "O pessoal veio agredir o carro", afirma, atribuindo o incidente a uma "falha de assessoria".
Na entrevista, ele, que é ex-presidente da CUT, também nega que haverá um processo de "cutização" do Ministério da Previdência. "Isso não existiu quando assumi o Trabalho e não existirá aqui."  

FOLHA - O que mudará na equipe do Ministério da Previdência com sua vinda para cá?
LUIZ MARINHO
- Vão sair só os que desejarem. A equipe é equipe de governo. Não tem por que mudar. No Ministério do Trabalho não mudei absolutamente ninguém, a não ser os que saíram para acompanhar o [Ricardo] Berzoini [seu antecessor]. Aqui é a mesma coisa. Alguns profissionais vão acompanhar o Nelson Machado [ex-ministro que será secretário-executivo do Ministério da Fazenda] e serão substituídos. No mais, a equipe está mantida.
Evidente que está mantida se o titular achar que está dando o resultado esperado.

FOLHA - Há boatos de que estaria havendo uma pressão pela "cutização" [ocupação de cargos pela CUT] da Previdência?
MARINHO
- Desconheço. Isso não existiu quando assumi o Trabalho e não existirá aqui. Se existe pressão, desconheço.

FOLHA - O sr. comandará a segunda reforma da Previdência do governo Lula. Qual é a reforma que busca?
MARINHO
- O modelo vai ficar claro no decorrer do debate do fórum [Nacional da Previdência Social]. O que eu procuro é acalmar os trabalhadores que muitas vezes se preocupam, e com razão, quando se fala em reforma. Todo mundo se coloca apavorado: "Será que a reforma vai tirar direitos?". É assim que o cidadão reage sentado lá na poltrona quando vê televisão.
Precisamos fazer uma reforma que não seja mais um remendo. Reforma da previdência em país nenhum do mundo se resolve no curto prazo. Ela se resolve no longo prazo. É com esse olhar que estamos conduzindo o debate e precisamos passar uma mensagem que tranqüilize os trabalhadores que estão no mercado há 10, 20, 30 anos. Será que agora que estou próximo de me aposentar vou ter esse direito adiado?
Isso não vai acontecer. Não há no governo a idéia de fazer uma reforma que venha a atingir os atuais trabalhadores. Temos que dar sustentabilidade à Previdência, olhar para o perfil demográfico do país e ir adequando as regras.
Se não fizermos adequações para o futuro, lá na frente a Previdência vai estar estrangulada e não vai ter condições de garantir cobertura previdenciária para futuras gerações. A partir desse conceito vamos fazer um debate no fórum sobre qual proposta adotar.
Queremos chegar à conclusão do fórum em agosto, para em setembro ter uma proposta elaborada para submeter à apreciação do presidente Lula. Se a proposta estiver redonda, no conceito do governo e do presidente, será enviada ao Congresso. O Congresso é a autoridade para fazer mudanças.

FOLHA - Mas o sistema se sustenta ao longo desses 30 anos?
MARINHO
- Sim, se sustenta. Essa é a reforma do longo prazo. Agora nós precisamos falar do curto prazo, e no curto prazo estamos trabalhando. O Nelson começou e nós vamos dar continuidade, se for preciso adaptar algo, vamos adaptar, aperfeiçoar, sempre há espaço.
Esperamos que a unificação das receitas dê maior efetividade na arrecadação e no combate à sonegação. Espero que a Receita cumpra rigorosamente esse papel. Cabe a nós dar continuidade ao trabalho de combate às fraudes, à melhoria do cadastro. Estamos aperfeiçoando o cadastro. Também vamos trabalhar o bom atendimento lá na ponta. Vamos ainda adequar alguma coisa na legislação, que também precisa ser olhada no curto prazo.

FOLHA - Adequar o quê?
MARINHO
- O auxílio-doença para quem se afasta do mercado tem um valor maior do que o que o trabalhador recebe em atividade. Isso é uma distorção construída no tempo, a partir das equações da última reforma. É uma distorção que precisamos corrigir.
É preciso discutir no curto ou no longo prazo a pensão por morte, que tem uma inadequação que precisamos olhar. Há uma explosão da pensão por morte. É uma coisa que a sociedade terá que debater. A sociedade quer manter isso ou precisa mudar? Por exemplo, um casal em que ocorra uma morte e fica uma viúva jovem, de 20 e poucos anos. Ela vai ter uma pensão vitalícia.
A sociedade acha que dá para sustentar isso? Eventualmente é uma viúva sem filhos. Eventualmente ganhava mais que o marido. Mesmo assim faz jus ao benefício e pode arrumar outro casamento, e o benefício não cessa. Acho que, na situação de uma jovem que ficar viúva sem filhos, ela faz jus a uma indenização. Não a um benefício para o resto da vida. São coisas que a sociedade tem que discutir, e não meramente o governo, que levanta o debate.

FOLHA - Especialistas relatam que em outros países o benefício não é integral, nem é permitido acumular com uma outra aposentadoria.
MARINHO
- São essas questões que temos de discutir. Tem que adequar ou não? A reforma se coloca em dois tempos. Essas inadequações estão colocadas na nossa geração. Nós precisamos então discutir no curto e no médio prazo. A sustentabilidade requer, por exemplo, a eventual fixação de uma idade mínima para a atual geração?
Não. Não está colocado esse debate. São duas etapas completamente diferentes. No curto prazo, somente inadequações. Não tem mudanças de regras para o curto prazo.

FOLHA - O governo também quer rever a renúncia previdenciária?
MARINHO
- Temos que organizar a contabilidade da Previdência. Se tem renúncia fiscal, o Tesouro tem que compensar a renúncia e, portanto, deixa de ser déficit. Os trabalhadores não podem ser vítimas desse processo, se o Estado brasileiro tomou a decisão de desonerar um setor industrial.
Não pode ser simplesmente dito: a Previdência que se vire. Isso tem de ser contabilizado como recurso que entra e o Tesouro paga. A Previdência não pode ser sacrificada.
Outra questão são as filantrópicas. Não tenho absolutamente nada contra, o que não dá é para a Previdência pagar a conta. O Ministério da Educação considerou uma instituição filantrópica, então ele tem que reembolsar a Previdência daqueles recursos de renúncia.
O mesmo vale para a saúde e a assistência. Estou propondo que a gente rediscuta a questão da filantropia, não para não ter a filantropia, mas a Previdência não pode ser sangrada.

FOLHA - E os clubes de futebol?
MARINHO
- A Previdência não pode ser sangrada por isso. Se tem renúncia fiscal, o Tesouro tem que reembolsar a Previdência. Não quero entrar no mérito, mas tira do meu colo.

FOLHA - O governo vem negociando com aposentados uma pauta extensa. Será possível antecipar metade do 13º para julho como pedem?
MARINHO
- Estou seguro de que vamos conseguir antecipar neste ano o 13º para o mesmo período do ano passado [setembro]. Para julho acho que neste ano talvez não será possível. Vamos continuar trabalhando. Se não der neste ano, vamos trabalhar para o ano que vem. Desejo fazer com que essa questão do 13º a gente crie condições de assumir um compromisso com os aposentados, não estou assumindo ainda o compromisso de se tornar algo permanente, para não ter que ficar todo ano discutindo a mesma coisa. O aposentado aí saberá que todo ano naquele mês pode contar com metade do 13º.

FOLHA - Na quinta-feira, o sr. viveu um incidente com um grupo de aposentados que afirmam que o carro oficial em que o sr. estava atropelou manifestantes. O que aconteceu?
MARINHO
- Eu sinceramente não entendi. Dizer que eu não tenho espaço para o diálogo? Todos são testemunhas de que eu tenho. Ontem [quinta-feira] não tinha agenda marcada com os companheiros. Estava saindo atrasado para uma audiência no Palácio do Planalto. Eu nem sabia da manifestação. Foi uma falha de assessoria, que merece um puxão de orelha.
Se eu soubesse, não sairia no meio da manifestação. Se estou com tempo, saio, mas sem tempo não vou sair para causar eventual tumulto. Eu saí, cumprimentei e entrei no carro.
Quando estou saindo, o pessoal veio agredir o carro. Uma agressão inexplicável. Estou profundamente chateado com esse troço. Como é que pode um incidente gratuito desses? O carro saiu cantando pneu, disseram eles. É conversa mole.

FOLHA - O Tesouro Nacional tem um projeto de leiloar a folha de pagamento do INSS, a exemplo de alguns Estados que leiloaram a folha do funcionalismo. O que o sr. acha?
MARINHO
- É completamente diferente. O assunto vai avançar, mas não no modelo que o Tesouro deseja. Não justifica, de fato, a Previdência pagar o que paga aos bancos. Mas talvez a saída não seja o modelo de leilão que o Tesouro quer. Vamos discutir e encontrar uma solução. Nós vamos chamar os bancos para negociar isso.
O leilão é discutível. Vamos conversar com o Tesouro para encontrar uma outra equação que atenda ao objetivo que está colocado, que é legítimo. Não pagar e receber, se possível.


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