São Paulo, quinta-feira, 23 de abril de 2009

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Ministro diz que Mendes "destrói Justiça"

Durante sessão no plenário do STF, Joaquim Barbosa e o presidente da corte discutem após divergirem sobre aposentados de cartórios

Barbosa já se envolveu também em bate-bocas com Eros Grau e Marco Aurélio Mello; ministros se reuniram para avaliar caso


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, e Joaquim Barbosa protagonizaram ontem, em plenário, uma das mais duras discussões entre dois ministros durante um julgamento na história da corte. Barbosa disse ao colega que ele está "destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro" e que deveria saber que "não está falando com seus capangas de Mato Grosso".
O confronto, que teve início às 17h40 e durou pouco mais de dez minutos, ocorreu quando os ministros discutiam recursos referentes a duas ações diretas de inconstitucionalidade. Tratava-se de um julgamento que declarou inconstitucional uma lei do Paraná que permitia a funcionários de cartório privado receber aposentadoria pela previdência pública daquele Estado e outro, sobre a possibilidade de políticos continuarem com foro privilegiado mesmo após saírem do cargo.
Devido ao clima de constrangimento, o ministro Carlos Ayres Britto chegou a pedir vista para encerrar a discussão, e Marco Aurélio Mello, por sua vez, requisitou o fim da sessão.
O clima tenso continuou a portas fechadas no gabinete de Mendes. Barbosa foi embora, mas oito ministros se reuniram para discutir o assunto. Eles divulgaram uma nota após o encontro (leia texto na pág. A11)

Classe
Tudo começou quando Mendes acusou Barbosa de fazer julgamentos distintos conforme a classe dos envolvidos. Barbosa afirmou que os ministros deveriam discutir quem seriam os beneficiados das decisões e Mendes respondeu: "Não se trata de fazer defesa de A ou B, esse discurso de classe não cola". Barbosa então disse que o colega deveria expor sua tese "em pratos limpos".
Mendes rebateu: "Ela foi exposta em pratos limpos. Eu não sonego informação. Vossa Excelência me respeite... O tribunal pode aceitar ou rejeitar [teses], mas não com o argumento de classe. Isso faz parte de populismo judicial".
Mendes afirmou, então, que o colega não tinha participado dos primeiros julgamentos sobre o tema, quando o mérito havia sido discutido. Barbosa lembrou que estava de licença.
Quando o debate esquentava, Ayres Britto pediu vista, suspendendo momentaneamente a discussão. Poucos minutos depois, o clima novamente esquentou, após Mendes dizer que Barbosa não tinha "condições" para "dar lição de moral".
Barbosa voltou a se exaltar: "Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país e vem agora dar lição de moral a mim? Saia à rua, ministro Gilmar, saia à rua, faz o que eu faço", disse Barbosa.
O presidente da corte retrucou: "Eu estou na rua, ministro Joaquim". Mas Barbosa continuou: "Vossa Excelência não está na rua, não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso. (...) Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas de Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite", disse, citando o Estado de origem de Mendes.

Polêmicas
Ao afirmar que Mendes estava na "mídia", Barbosa se referiu às polêmicas recentes protagonizadas por Mendes. Chamado por detratores de "líder da oposição", o ministro entrou em choque com o Executivo ao sustentar que supostos abusos da Polícia Federal demonstravam haver mecanismos de um Estado policial em ação.
A ofensiva ocorreu após a revelação, ainda sob investigação, de que Mendes fora grampeado ilegalmente em meio à Operação Satiagraha. A concessão de dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas levaram Mendes a ser criticado por entidades de juízes e promotores.
Também por conta da Satiagraha, o presidente do STF criticou a aproximação entre juízes de primeira instância e Ministério Público, que teriam, segundo ele, passado a atuar de forma conjunta. Barbosa é um ministro cuja visão processual costuma seguir a de promotores e procuradores.
Sob o mandato de Mendes, que completa um ano hoje, mais do que em qualquer outro momento da história da corte, o STF passou a apreciar questões sobre as quais ainda não havia legislação, o que gerou desconforto entre políticos, com queixas de que ministros estariam usurpando prerrogativas do Legislativo.
Mendes, ao se pronunciar sobre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), reafirmou ser ilegal o repasse de verbas a entidades envolvidas com invasões.
O clima tenso entre os ministros não vem de hoje. Barbosa já protagonizou outras discussões com os ministros Eros Grau e Marco Aurélio Mello. Em outro debate, com Mendes, Barbosa o acusou de pretender adotar o "jeitinho" para mudar resultado de julgamento.
Barbosa foi embora ontem sem comentar a discussão.


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