São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
João Alberto acha que investigação "anda bem" e ministro da Fazenda não teria o que acrescentar já
Relator acha inútil chamar Malan agora

do enviado especial ao Rio


Ex-comunista, ex-arenista, sarneysista, o senador João Alberto Souza (PMDB-MA), 63, relator da CPI dos Bancos, acha que a investigação tem andado bem, mas ainda não há nenhuma prova "conclusiva" contra ninguém.
"É importante não prejulgar ninguém", diz. João Alberto é contra, por exemplo, convocar já, para depor, o ministro da Fazenda, Pedro Malan. "Não descarto convocar ninguém. A CPI vai apurar tudo. Mas na hora certa".
Maranhense de Bacabal, ele acha que a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Bancos deve se portar como uma galinha que caça uma barata: "A galinha vai bem devagarinho, a passos lentos. Quando está perto da barata, joga o pescoço para trás e... tuf! Bica de uma vez".
Polêmico, João Alberto era vice-governador do Maranhão em 1988 quando resolveu se candidatar a prefeito de Bacabal. Ganhou a eleição e ficou alguns meses na prefeitura. Depois, reassumiu o cargo de vice-governador -pois o então governador deixaria o cargo para concorrer ao Senado.
Em 1990, quando assumiu o governo do Maranhão, teve sua posse contestada pelo presidente da Assembléia Legislativa local.
Entrincheirou-se no Palácio dos Leões com um revólver calibre 38. Se o presidente da Assembléia aparecesse, "enchia o peito dele de bala", conta.
A Folha acompanhou João Alberto nos últimos dias no Rio, onde o senador morou 11 anos (de 1955 a 1966) e agora está à caça de provas para a CPI dos Bancos.
Indo do hotel para prédios da Justiça Federal, ou almoçando no restaurante Lamas, um dos mais tradicionais do Rio, João Alberto contou o que pensa sobre a CPI, sobre seu passado comunista e a vida de político no Maranhão.
Disse não gostar de nomear ídolos, mas cita o ex-presidente da República e conterrâneo maranhense José Sarney como um político que admira. "Quando eu era governador, em 90, o presidente era o Collor, mas no meu gabinete só tinha o retrato do Sarney".
A seguir, os principais trechos da entrevista com o homem que deve redigir o relatório final da CPI dos Bancos daqui a 120 dias. (FERNANDO RODRIGUES)


Folha - Qual a sua avaliação dos trabalhos da CPI depois de uma semana da instalação?
João Alberto Souza -
Até agora, encontramos muitas evidências, mas nenhuma prova conclusiva. E, por isso, é importante não prejulgar ninguém. Eu acho que Chico Lopes terá de explicar muitas coisas, mas não posso dizer que ele seja culpado apenas com o que está disponível.
Folha - Está havendo competição entre as diversas frentes de investigação?
João Alberto -
Podem até ter essa impressão, mas eu digo que o clima é de colaboração total. E quero falar que o Ministério Público tem sido excelente. Esses procuradores dão a vida para encontrar alguma coisa. O que não pode é apressar as coisas. A oposição fica querendo convocar o Pedro Malan, e eu acho que isso é inútil. Pelo menos neste momento.
Folha - Por quê?
João Alberto -
Porque ele não teria nada a acrescentar perante o que já apuramos. Não descarto convocar ninguém. A CPI vai apurar tudo. Mas na hora certa. Se não, estragamos tudo. Tenho até uma história muito engraçada que pode servir de exemplo para a oposição, que está muito apressada.
Há muito tempo, lá em Caxias, uma cidade do Maranhão, o padre ficou escandalizado com o passeio noturno de oito pederastas. O padre botou a boca no trombone, disse que era uma indecência que tinha de acabar. Em vez de ir de devagar, foi logo propondo uma passeata contra os pederastas.
Aí veio a reação. Os pederastas foram lá no padre com uma lista de mais de cem bichas enrustidas da cidade. Tinha até secretário de governo. Tudo foi abafado, não teve passeata e a situação ficou na mesma. Quer dizer, não adianta ser muito apressado que não dá certo.
Folha - O sr. era um político pouco conhecido antes de assumir ao atual cargo. Não se sente incomodado com isso?
João Alberto -
Nem um pouco. Quando fui governador, tive de cercar com policiais o Palácio dos Leões (sede do governo maranhense) para manter-me no cargo. Estou acostumado a trabalhar sob pressão.
Folha - O sr. se refere ao episódio em que era vice-governador e assumiu o governo do Maranhão?
João Alberto -
Exatamente. Era o ano de 1990. Como eu tinha sido prefeito de Bacabal e vice-governador licenciado ao mesmo tempo, o então presidente da Assembléia Legislativa do Maranhão, Ivar Saldanha, achava que ele é quem tinha de ser o governador.
Eu cerquei o palácio e dei uma ordem clara: "Se alguém quiser entrar sem ordem, fogo". Falei isso pessoalmente para os soldados. Voltei para o meu gabinete, coloquei um revólver 38 na cintura, pus a faixa de governador no peito e fiquei esperando.
Folha - O que o sr. pretendia fazer com o revólver?
João Alberto -
Se o Ivar Saldanha conseguisse entrar e viesse me dar a mão dizendo que era o governador eu enchia o peito dele de bala. Mas ele não veio e acabou tudo se resolvendo.
Folha - O sr. se comportaria assim ainda hoje?
João Alberto -
Não, claro que não. Uma pressão daquelas não se repete. Mas sei o que fazer.
Folha - O sr. foi do Partido Comunista Brasileiro até quando?
João Alberto -
Fui ligado aos comunistas de 1961 a 1992. A ligação começou porque eu estudava economia no Rio e participei ativamente de uma greve dos bancários. Eu trabalhei em vários bancos naquela época. Fui cooptado pelo partidão.
Folha - Que tipo de livros o sr. lia naquela época?
João Alberto -
Eu era do tipo mais prático do que teórico. Li o "Manifesto Comunista" e vários escritos de Che Guevara. Até hoje tenho grande admiração por Guevara.
Folha - Alguma obra em particular?
João Alberto -
O Che dizia nos seus diários: "Nunca pise no pé do inimigo quando ele quer que você pise". Acho isso muito importante.
Folha - É a estratégia que o sr. vai usar na CPI dos Bancos?
João Alberto -
Mais ou menos. Prefiro uma imagem mais própria com a minha formação de homem de Bacabal, interior do Maranhão.
Nós temos que fazer como uma galinha que caça barata. A galinha vai bem devagarinho, a passos lentos. Quando está perto da barata, joga o pescoço para trás e... tuf! Bica de uma vez. É assim que a CPI dos Bancos deve agir.


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