São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2004

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MEMÓRIA

Presidente ficou apenas 12 minutos no local; segurança pediu que ele se retirasse

Lula é recebido aos gritos de "traidor" em velório de Brizola

DA SUCURSAL DO RIO

Os gritos de "traidor" e vaias dirigidos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcaram o velório do governador e presidente do PDT, Leonel de Moura Brizola, morto aos 82 anos anteontem de infarto agudo do miocárdio.
Acompanhado de sete ministros, Lula chegou às 13h28 ao salão principal do Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, onde o corpo estava sendo velado. Mas só ficou quatro minutos ao lado do caixão, em razão do protesto.
"Traidor, traidor", gritaram cerca de 300 militantes do PDT quando Lula e José Dirceu (Casa Civil) entraram no salão, vindos do gabinete da governadora Rosinha Matheus (PMDB). Familiares de Brizola e políticos do PDT pediam silêncio, sem sucesso, com as mãos. "Brizola presente, é o nosso presidente", insistiam.
Pouco mais de três metros separavam Lula e os ministros dos manifestantes. Uma corda e dezenas de seguranças impediam a aproximação. Houve empurra-empurra. Ciro Gomes foi o único dos ministros que ficou ao lado do caixão de Brizola por alguns minutos. A segurança pediu que o presidente e os ministros se retirassem, temendo pelo rompimento do cordão de isolamento.
Lula retirou-se sob mais gritos de "traidor". Depois que o presidente cruzou a porta de volta ao gabinete de Rosinha, os pedetistas cantaram um samba de Jorge Aragão e Dida, tornado hino da oposição à gestão Lula. "Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão", no refrão de "Vou Festejar", sucesso na voz de Beth Carvalho, pedetista. Alguns militantes ainda puxaram o coro de "cachaceiro" após a saída de Lula.
Rosinha e o secretário de Segurança, Anthony Garotinho, acompanharam Lula e Dirceu até os jardins de inverno do palácio, onde a presença do público não era permitida. Na despedida, Lula abraçou Garotinho e beijou Rosinha e uma de suas filhas, Clarissa.
Questionado pela Folha sobre os gritos de traidor a ele dirigidos, Lula abriu os braços, franziu o cenho e se limitou a dizer: "É normal, é normal". Às 13h40, 12 minutos após ter chegado, entrou no carro que o levou ao helicóptero com o qual foi para a Base Aérea do Galeão, de onde embarcou para os EUA. Lula atrasara seu embarque por causa do velório.
O pedetista e o atual presidente mantinham uma relação instável, ora aliados, ora adversários. Brizola apelidou Lula de "sapo barbudo". E o petista havia afirmado que o pedetista "pisaria na própria mãe" para ser presidente.
Na saída, Dirceu resumiu o espírito da comitiva presidencial em relação ao protesto: "Faz parte do jogo", disse. Antonio Palocci (Fazenda) também relevou a manifestação. "Era esperado. Comentamos com o presidente que isso poderia acontecer."
Um dos principais alvos das críticas recentes de Brizola, que condenava a política econômica que acreditava subordinada ao mercado financeiro, Palocci elogiou o pedetista. "Sempre refletiu a opinião de um brasileiro preocupado com os destinos do país e com a democracia. As diferenças existiam e sempre as respeitamos."
Ciro Gomes voltou ao salão principal acompanhado da mulher, a atriz Patrícia Pillar, sem ser vaiado. ""Há aqui pessoas apaixonadas e chocadas com a morte de Brizola, mas, voltando para casa, vão perceber a grosseria que fizeram com o presidente Lula e com o próprio Brizola", avaliou Ciro. "Os dois lutaram juntos a vida toda, e, neste momento, é descabido ajuizar quem tem razão."
A prefeita Marta Suplicy (SP) também foi hostilizada por pedetistas. E Garotinho foi chamado de traidor por alguns militantes.
Carlos Luppi, vice-presidente do PDT, condenou a reação dos brizolistas: ""Num velório, o silêncio é o maior instrumento de homenagem. Foi um desrespeito à figura de Brizola".
O pré-candidato do PDT à sucessão paulistana, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, no entanto, justificou a reação dos militantes: "É reflexo da traição do Lula ao Brizola e ao povo brasileiro".
O velório começou às 8h. O corpo chegou ao palácio por volta das 4h30. Às 8h de hoje, será levado ao Ciep (Centro Integrado de Ensino Público) Tancredo Neves, o primeiro a ser construído, que se tornou obra-símbolo dos dois mandatos de Brizola no governo do Rio (1983-1986 e 1991-1994).
Às 11h, o corpo segue para Porto Alegre (RS), onde haverá outro velório, no Palácio Piratini, que Brizola também ocupou como governador entre 1959 e 1962.
O enterro será amanhã em São Borja (a 583 km de Porto Alegre), às 16h, no mesmo cemitério em que estão a mulher de Brizola, Neusa, e os presidentes Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e João Goulart (1918-1976).


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