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ENTREVISTA DA 2ª
Antropóloga deixa vaga no Conselho Nacional de Educação criticando ações de Paulo Renato
Ministério favorece ensino privado, diz amiga de FHC
Juca Varella/Folha Imagem
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Eunice Durham, que criticou a centralização dos processos de abertura e fechamento de cursos superiores |
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A antropóloga Eunice Ribeiro
Durham, 64, sempre foi uma das
maiores defensoras da política
educacional do Ministério da
Educação, do qual fez parte até
1997, quando foi indicada pelo
ministro Paulo Renato Souza para uma vaga no CNE (Conselho
Nacional de Educação).
Ultimamente, no entanto, desavenças na condução dos rumos
do ensino superior a fizeram pedir demissão, com um discurso
que foi visto com frequência nas
declarações dos mais ferrenhos
críticos do governo federal.
"Tem havido um crescimento
desmesurado do sistema privado.
Esse crescimento está sendo governado pelo mercado, pelo processo de lucro, e está ameaçando a
credibilidade do sistema de ensino superior no Brasil", diz.
Eunice também aponta falhas
no sistema de avaliação dos cursos, como exigências arbitrárias
de algumas comissões de visita a
cursos superiores.
A gota d'água que levou à saída
da antropóloga do conselho,
anunciada na semana passada, foi
o decreto do ministro Paulo Renato que tirou poderes do CNE,
centralizando processos de abertura e fechamento de cursos no
MEC. Em sua opinião, essas medidas vão contribuir para diminuir a transparência dos processos de instituições privadas.
Durante a sua atuação como
conselheira, Eunice esteve envolvida em pelo menos duas das decisões mais polêmicas do CNE: o
parecer desfavorável à criação do
curso de direito da Uniban (Universidade Bandeirante) em Osasco e a ampliação do prazo para
evitar o fechamento do curso de
direito da Faculdade Brasileira de
Ciências Jurídicas do Rio.
No caso da Uniban, Eunice foi a
relatora do processo no qual o
conselho avaliou como irregular a
criação de um curso fora do município-sede da instituição. O caso
foi parar na Justiça, que deu ganho de causa à Uniban.
Na discussão sobre o fechamento do curso da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, ela foi
uma das principais interlocutoras
dos conselheiros na tentativa de
convencer o ministro Paulo Renato de que, do ponto vista legal, a
instituição não poderia ser fechada imediatamente por causa das
avaliações feitas pelo MEC.
A conselheira era uma das mais
influentes na Câmara de Educação Superior do CNE, além de
amiga pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eunice sai do conselho numa
polêmica parecida com a que encontrou em sua entrada, em 1997.
Na época, ela foi escolhida por
Paulo Renato para substituir o filósofo José Arthur Giannotti, outro amigo pessoal de FHC.
A diferença entre as duas saídas
é que Giannotti criticou duramente o conselho por ter transformado a faculdade Anhembi
Morumbi, de São Paulo, em universidade. Já a ex-conselheira preferiu dirigir suas críticas ao MEC.
Para o lugar de Eunice, o ministro convidou a secretária da Educação do Estado de São Paulo, Rose Neubauer, que deverá tomar
posse no dia seis de agosto.
Folha - Quais foram os motivos de
sua saída do conselho?
Eunice Durham - Primeiro, eu
não concordei com a restrição de
poderes do conselho, que tem sido um órgão de moralização do
sistema. As acusações e suspeitas
que têm sido levantadas estão
equivocadas e a ação do ministro
diminuindo a interferência do
CNE neste momento, em nome
de estabelecer critérios objetivos e
de rever o sistema de autorização
de cursos, criam a impressão de
que ele considera que os problemas residiam no conselho.
Minha visão é diferente. Tem
havido um crescimento desmesurado do sistema privado de ensino superior, que está ameaçando
a credibilidade do sistema no seu
conjunto, principalmente porque
desequilibra a proporção público
e privado. O crescimento do ensino particular está sendo, em boa
parte, governado pelo mercado,
pelo processo de lucro, e isso é perigoso para o sistema. A diminuição de poder do conselho não ajuda a combater esse processo e
concentra demasiado poder na
mão do ministério. Para o equilíbrio do sistema é fundamental a
atuação do conselho, que é um órgão diversificado em que as decisões são tomadas por voto aberto.
Folha - Essa é uma crítica pessoal
ao ministro?
Eunice - Não se trata de nenhum
problema pessoal com o ministro,
mas acho que as medidas que estão sendo tomadas estabelecem
uma concentração negativa para
o sistema no seu conjunto. Mesmo se tivéssemos para sempre o
ministro ideal, ainda assim eu seria contra. Pelas novas regras,
qualquer curso que não seja de
universidade ou centro universitário terá sua autorização inteiramente decidida no ministério.
Folha - Mas havia fortes suspeitas
de favorecimento de instituições
privadas no conselho.
Eunice - As decisões do conselho
não são autônomas. O CNE só dá
parecer em projetos feitos pela Sesu (Secretaria de Educação Superior do MEC). Todas as decisões
do conselho dependem de homologação pelo ministro. Se existem
suspeitas, elas deveriam levar a
uma investigação do conjunto do
sistema. Não acho que o problema esteja numa tentativa de beneficiar uma ou outra instituição. O
sistema todo de autorização e de
verificação é descontrolado. Não
houve esforço de uniformizar critérios para orientar as comissões
que visitam os cursos.
Folha - Por que o conselho impediu o fechamento de cursos?
Eunice - O conselho tem feito um
esforço enorme para fechar dezenas de cursos ilegais, que foram
criados por causa de uma expansão indevida de universidades para fora de sua sede. Temos alertado o ministro para isso.
O conselho tomou todas as medidas necessárias para impedir essa expansão. Quem não conseguiu fechar foi o ministério, por
uma incapacidade de tratar de aspectos legais. O CNE não tem
uma assessoria jurídica.
Algumas instituições foram à
Justiça e ganharam o direito de se
expandir para fora de sua sede.
Em um dos despachos da Justiça é
mencionada a inépcia da defesa
do governo. Em outro caso, eles
ganharam na Justiça por causa de
uma falha burocrática.
Folha - Mas, no episódio em que o
ministro quis o fechamento do curso de direito da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, ficou a impressão de que o conselho não gosta de fechar cursos.
Eunice - Esse foi um caso muito
discutido. Nem sei quem é o dono
dessa faculdade, mas o relatório
da comissão que concluiu pelo fechamento é inaceitável. O relatório da primeira avaliação era ilegal, porque a lei diz que tem que
ter um prazo para o fechamento.
O segundo relatório é de um parcialidade enorme. A primeira comissão recomenda a melhoria da
biblioteca e do corpo docente,
mas faz exigências que nem sequer existem na lei. Não é fácil fechar um curso. No entanto, quando se trata de uma instituição
grande, o ministério perde na Justiça. O fechamento desse pequeno
curso foi tomado como uma
questão de honra pelo ministro.
No caso das faculdades de direito, há exigências das comissões
totalmente inaceitáveis e sem base legal. Muitas comissões dão
mais valor a um mestre recém-formado do que a um professor
com vasta experiência profissional como advogado.
Folha - Qual o principal problema
da avaliação que é feita hoje?
Eunice - O problema é que são
milhares de cursos no Brasil e você não vai conseguir o controle de
cada um. Deveria haver mais rigor no credenciamento das instituições, que é o que define qual o
grau de autonomia para a criação
de cursos. Há a necessidade de
um empenho mais eficaz do ministério no sentido de evitar o
abuso de autonomia que está
ocorrendo por parte de algumas
universidades privadas, que ganham autonomia e estão criando
dezenas de cursos ilegais.
Folha - A senhora fazia parte do
ministério até 1997. Quando foi
que o MEC perdeu o controle da expansão?
Eunice - Essa pergunta não é tão
simples. A expansão do sistema
privado não foi resultado de uma
política de governo, ela é espontânea e uma consequência do aumento do número de alunos formados no segundo grau e das nova exigências do mercado de trabalho. O setor público tem se expandido muito pouco e isso cria
uma demanda de mercado. É
muito difícil segurar o ensino privado porque ele se transformou
num grande negócio.
Isso não é uma falha que se manifesta nesse momento, mas demonstra a dificuldade de enfrentar um problema muito sério e
complicado. A condução da política educacional não foi capaz de
estabelecer com clareza os objetivos e rumos do sistema superior,
embora haja sistemas de avaliação e controle. Os problemas são
complicados, e o ministro acha
que vai resolver sozinho, tirando a
responsabilidade do conselho.
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