São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2001

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ENTREVISTA DA 2ª
Antropóloga deixa vaga no Conselho Nacional de Educação criticando ações de Paulo Renato

Ministério favorece ensino privado, diz amiga de FHC

Juca Varella/Folha Imagem
Eunice Durham, que criticou a centralização dos processos de abertura e fechamento de cursos superiores


ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A antropóloga Eunice Ribeiro Durham, 64, sempre foi uma das maiores defensoras da política educacional do Ministério da Educação, do qual fez parte até 1997, quando foi indicada pelo ministro Paulo Renato Souza para uma vaga no CNE (Conselho Nacional de Educação).
Ultimamente, no entanto, desavenças na condução dos rumos do ensino superior a fizeram pedir demissão, com um discurso que foi visto com frequência nas declarações dos mais ferrenhos críticos do governo federal.
"Tem havido um crescimento desmesurado do sistema privado. Esse crescimento está sendo governado pelo mercado, pelo processo de lucro, e está ameaçando a credibilidade do sistema de ensino superior no Brasil", diz.
Eunice também aponta falhas no sistema de avaliação dos cursos, como exigências arbitrárias de algumas comissões de visita a cursos superiores.
A gota d'água que levou à saída da antropóloga do conselho, anunciada na semana passada, foi o decreto do ministro Paulo Renato que tirou poderes do CNE, centralizando processos de abertura e fechamento de cursos no MEC. Em sua opinião, essas medidas vão contribuir para diminuir a transparência dos processos de instituições privadas.
Durante a sua atuação como conselheira, Eunice esteve envolvida em pelo menos duas das decisões mais polêmicas do CNE: o parecer desfavorável à criação do curso de direito da Uniban (Universidade Bandeirante) em Osasco e a ampliação do prazo para evitar o fechamento do curso de direito da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas do Rio.
No caso da Uniban, Eunice foi a relatora do processo no qual o conselho avaliou como irregular a criação de um curso fora do município-sede da instituição. O caso foi parar na Justiça, que deu ganho de causa à Uniban.
Na discussão sobre o fechamento do curso da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, ela foi uma das principais interlocutoras dos conselheiros na tentativa de convencer o ministro Paulo Renato de que, do ponto vista legal, a instituição não poderia ser fechada imediatamente por causa das avaliações feitas pelo MEC.
A conselheira era uma das mais influentes na Câmara de Educação Superior do CNE, além de amiga pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eunice sai do conselho numa polêmica parecida com a que encontrou em sua entrada, em 1997. Na época, ela foi escolhida por Paulo Renato para substituir o filósofo José Arthur Giannotti, outro amigo pessoal de FHC.
A diferença entre as duas saídas é que Giannotti criticou duramente o conselho por ter transformado a faculdade Anhembi Morumbi, de São Paulo, em universidade. Já a ex-conselheira preferiu dirigir suas críticas ao MEC.
Para o lugar de Eunice, o ministro convidou a secretária da Educação do Estado de São Paulo, Rose Neubauer, que deverá tomar posse no dia seis de agosto.

Folha - Quais foram os motivos de sua saída do conselho?
Eunice Durham -
Primeiro, eu não concordei com a restrição de poderes do conselho, que tem sido um órgão de moralização do sistema. As acusações e suspeitas que têm sido levantadas estão equivocadas e a ação do ministro diminuindo a interferência do CNE neste momento, em nome de estabelecer critérios objetivos e de rever o sistema de autorização de cursos, criam a impressão de que ele considera que os problemas residiam no conselho.
Minha visão é diferente. Tem havido um crescimento desmesurado do sistema privado de ensino superior, que está ameaçando a credibilidade do sistema no seu conjunto, principalmente porque desequilibra a proporção público e privado. O crescimento do ensino particular está sendo, em boa parte, governado pelo mercado, pelo processo de lucro, e isso é perigoso para o sistema. A diminuição de poder do conselho não ajuda a combater esse processo e concentra demasiado poder na mão do ministério. Para o equilíbrio do sistema é fundamental a atuação do conselho, que é um órgão diversificado em que as decisões são tomadas por voto aberto.

Folha - Essa é uma crítica pessoal ao ministro?
Eunice -
Não se trata de nenhum problema pessoal com o ministro, mas acho que as medidas que estão sendo tomadas estabelecem uma concentração negativa para o sistema no seu conjunto. Mesmo se tivéssemos para sempre o ministro ideal, ainda assim eu seria contra. Pelas novas regras, qualquer curso que não seja de universidade ou centro universitário terá sua autorização inteiramente decidida no ministério.

Folha - Mas havia fortes suspeitas de favorecimento de instituições privadas no conselho.
Eunice -
As decisões do conselho não são autônomas. O CNE só dá parecer em projetos feitos pela Sesu (Secretaria de Educação Superior do MEC). Todas as decisões do conselho dependem de homologação pelo ministro. Se existem suspeitas, elas deveriam levar a uma investigação do conjunto do sistema. Não acho que o problema esteja numa tentativa de beneficiar uma ou outra instituição. O sistema todo de autorização e de verificação é descontrolado. Não houve esforço de uniformizar critérios para orientar as comissões que visitam os cursos.

Folha - Por que o conselho impediu o fechamento de cursos?
Eunice -
O conselho tem feito um esforço enorme para fechar dezenas de cursos ilegais, que foram criados por causa de uma expansão indevida de universidades para fora de sua sede. Temos alertado o ministro para isso.
O conselho tomou todas as medidas necessárias para impedir essa expansão. Quem não conseguiu fechar foi o ministério, por uma incapacidade de tratar de aspectos legais. O CNE não tem uma assessoria jurídica.
Algumas instituições foram à Justiça e ganharam o direito de se expandir para fora de sua sede. Em um dos despachos da Justiça é mencionada a inépcia da defesa do governo. Em outro caso, eles ganharam na Justiça por causa de uma falha burocrática.

Folha - Mas, no episódio em que o ministro quis o fechamento do curso de direito da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, ficou a impressão de que o conselho não gosta de fechar cursos.
Eunice -
Esse foi um caso muito discutido. Nem sei quem é o dono dessa faculdade, mas o relatório da comissão que concluiu pelo fechamento é inaceitável. O relatório da primeira avaliação era ilegal, porque a lei diz que tem que ter um prazo para o fechamento. O segundo relatório é de um parcialidade enorme. A primeira comissão recomenda a melhoria da biblioteca e do corpo docente, mas faz exigências que nem sequer existem na lei. Não é fácil fechar um curso. No entanto, quando se trata de uma instituição grande, o ministério perde na Justiça. O fechamento desse pequeno curso foi tomado como uma questão de honra pelo ministro.
No caso das faculdades de direito, há exigências das comissões totalmente inaceitáveis e sem base legal. Muitas comissões dão mais valor a um mestre recém-formado do que a um professor com vasta experiência profissional como advogado.

Folha - Qual o principal problema da avaliação que é feita hoje?
Eunice -
O problema é que são milhares de cursos no Brasil e você não vai conseguir o controle de cada um. Deveria haver mais rigor no credenciamento das instituições, que é o que define qual o grau de autonomia para a criação de cursos. Há a necessidade de um empenho mais eficaz do ministério no sentido de evitar o abuso de autonomia que está ocorrendo por parte de algumas universidades privadas, que ganham autonomia e estão criando dezenas de cursos ilegais.

Folha - A senhora fazia parte do ministério até 1997. Quando foi que o MEC perdeu o controle da expansão?
Eunice -
Essa pergunta não é tão simples. A expansão do sistema privado não foi resultado de uma política de governo, ela é espontânea e uma consequência do aumento do número de alunos formados no segundo grau e das nova exigências do mercado de trabalho. O setor público tem se expandido muito pouco e isso cria uma demanda de mercado. É muito difícil segurar o ensino privado porque ele se transformou num grande negócio.
Isso não é uma falha que se manifesta nesse momento, mas demonstra a dificuldade de enfrentar um problema muito sério e complicado. A condução da política educacional não foi capaz de estabelecer com clareza os objetivos e rumos do sistema superior, embora haja sistemas de avaliação e controle. Os problemas são complicados, e o ministro acha que vai resolver sozinho, tirando a responsabilidade do conselho.


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