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LOBBY INTERNACIONAL
Casa Branca teve acesso a informações sigilosas; militar brasileiro colaborou para que Raytheon vencesse
Espionagem deu Sivam a empresa dos EUA
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Espionagem do governo dos
EUA e a ajuda de um militar brasileiro garantiram à companhia
norte-americana Raytheon a conquista do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), projeto de
US$ 1,4 bilhão de proteção da bacia amazônica que será inaugurado na quinta-feira em Manaus.
Documentos oficiais dos Estados Unidos revelam que, em junho e em julho de 1994, nas semanas que antecederam a apresentação final das duas propostas finalistas do processo de seleção do
Sivam, a Casa Branca soube, por
meio de "fontes dos serviços de
inteligência", que as condições de
financiamento oferecidas de forma sigilosa pela francesa Thomson-CSF (que mudou seu nome
para Thales em 2000) eram melhores que as da Raytheon.
Com base nessa descoberta, diplomatas americanos reuniram-se sigilosamente com o tenente-brigadeiro Marcos Antônio de
Oliveira, então coordenador do
processo de seleção da empresa
que forneceria equipamentos ao
Sivam, e, todos juntos, puseram
em prática uma estratégia que
melhorou a proposta da Raytheon e garantiu sua vitória. Hoje,
Oliveira é o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica.
Os documentos, cerca de 400,
são do Departamento de Estado,
do Departamento de Comércio,
da CIA (agência de inteligência) e
da embaixada dos EUA no Brasil.
Foram obtidos pela Folha ao longo dos últimos três anos com base
na lei norte-americana da liberdade da informação -"Freedom of
Information Act". Outros cem papéis sobre o Sivam foram total ou
parcialmente censurados.
Financiamento
Um dos papéis em poder da Folha é um ofício enviado em 5 de
julho de 94 por Daniel Tarullo, vice-assistente-especial para Política Econômica do ex-presidente
Bill Clinton, a Joan E. Spero, então
subsecretária de Estado para Assuntos Econômicos, oito dias antes da segunda e última apresentação da fase final das propostas
das companhias finalistas.
"Fontes dos serviços de inteligência confirmaram que, enquanto o governo brasileiro vê o
pacote da Raytheon como sendo
tecnologicamente superior ao da
Thomson, os franceses ofereceram um financiamento mais
abrangente e atraente", diz ele.
Outro documento -telegrama
enviado a Washington pelo então
embaixador dos Estados Unidos
no Brasil, Melvin Levitsky-
mostra que os EUA já monitoravam a proposta francesa quase
um mês antes, em 13 de junho.
"A empresa americana que concorre na licitação, a Raytheon,
ocupa posição forte em termos de
tecnologia, posição moderadamente fraca em termos de preço e
muito fraca com relação a financiamento... Segundo a Raytheon,
o diferencial de preço relativamente pequeno, entre 10% e 15%,
poderia ser superado com base na
proposta tecnológica superior da
Raytheon, desde que fosse possível reduzir significativamente ou
eliminar a diferença no financiamento. Resta pouco tempo para
melhorar a posição competitiva
da equipe norte-americana."
A oferta do Eximbank -banco
oficial dos EUA que financia exportações de empresas do país-,
diferentemente da francesa, não
cobria a aquisição de cinco aviões
de aviso precoce, porque seus estatutos proíbem o financiamento
de equipamentos com uso militar. Esses aviões usam radares aerotransportados e eram avaliados
na época em US$ 78 milhões.
O Eximbank, que tem administração independente, dizia que só
poderia financiar a aquisição se o
Brasil fornecesse uma carta atestando que tais aeronaves teriam
como propósito essencial o controle de drogas, e não uso militar.
A direção da Raytheon, o Departamento de Comércio, o Departamento de Estado e diplomatas dos EUA no Brasil concluíram,
então, que o governo brasileiro
precisaria declarar, por escrito,
que os aviões seriam usados para
fins de combate ao narcotráfico.
Para obter tal documento, diplomatas americanos conversaram várias vezes, sigilosamente,
com Oliveira, que, embora tenha
relutado no início apontando restrições constitucionais e inibições
pessoais, acabou cedendo.
"Sigilo"
Em 93, Oliveira fora um dos militares que convencera o presidente Itamar Franco a dispensar
licitação pública para o Sivam sob
o argumento de que outros governos poderiam ter acesso a dados
sensíveis brasileiros e comprometer a segurança nacional. Itamar
acabou conduzindo um processo
de seleção sigiloso para o qual, segundo depoimento feito por Oliveira no Congresso Nacional em
1995, foram respeitados o "sigilo"
e todos os concorrentes foram
tratados de forma igual.
No entanto, os documentos dos
EUA mostram uma realidade diferente quanto ao sigilo das informações e o equilíbrio de garantias
entre os concorrentes.
Em junho de 94, num encontro
entre Oliveira e a conselheira comercial dos EUA no Rio, Dar-Jalane Pribyl, o militar brasileiro recebeu da diplomata americana
um "rascunho" de uma carta que
deveria ser assinada pelo então
ministro-chefe da Secretaria de
Assuntos Estratégicos, Almirante
Flores, para convencer o Eximbank a melhorar sua proposta de
financiamento.
Oliveira aceitou o rascunho e
entregou a Pribyl um memorando interno do governo brasileiro,
com teor semelhante ao texto do
rascunho, que enviara a Flores.
O fato foi relatado em telegrama, de 28 junho de 94, ao Departamento de Estado pelo cônsul
dos EUA no Rio, David Zweifel.
"A conselheira comercial Pribyl
apresentou ao brigadeiro Oliveira
a sugestão de um rascunho (...).
[Oliveira" forneceu a Pribyl o teor
de um memorando "confidencial"
que enviara ao ministro dos assuntos estratégicos, Flores."
A Raytheon foi anunciada vencedora em 21 de julho de 94. O governo e os militares brasileiros
atestaram ao Congresso que os fatores determinantes para o resultado foram a forma e o valor do financiamento do Eximbank.
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