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ENTREVISTAS DA 2ª/TRAGÉDIA EM CONGONHAS/MÃES
CARMEM CABALLERO
Professora perdeu a mãe e duas das três filhas no acidente com o Airbus da TAM
"Foi tudo junto, fiquei órfã e sem as minhas filhas"
Carmem, 39, quer ler para as filhas Júlia, 14, e Mimi,
10, o novo livro do Harry Potter. "Assim elas vão poder
ouvir lá do céu." Neusa, 57, defende o fechamento de
Congonhas, onde morreu seu filho, Denilson, 29.
"Não quero nem chegar perto dali." Glória, 55, pede
que autoridades e empresas repensem a aviação após
a tragédia que levou sua filha, Lina, 28. "Houve uma
série de erros, de negligência." Mães de vítimas do
maior acidente aéreo do país expressam dor e revolta.
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A professora Carmem Caballero, 39, assistiu firme às cenas
ao vivo do acidente da TAM, na
terça-feira, Tinha esperança de
que a mãe, Maria Elizabete Silva Caballero, 65, e duas filhas,
Júlia, 14, e Maria Izabel, a Mimi, 10, não estivessem ali.
Quando ouviu a confirmação
do mesmo número do vôo em
que estava parte de sua família,
desabou. "Acho que só estou de
pé agora por causa da única filha que me restou, a Lilian, de
três anos. E das orações de amigos, de parentes e de pessoas
que nem conheço, mas que me
param na rua para dar um abraço." Júlia, Mimi e a avó voltavam de férias no sul para São
José do Rio Preto (interior de
São Paulo), onde moravam.
Nesta entrevista à Folha,
Carmem conta que lerá um livro muito especial para as filhas, que pensou em se mudar
do Brasil por causa dos governantes e que está sofrendo pelo
amor materno em duas situações diferentes. Fala também
do pior momento do dia em sua
nova rotina e lembra da última
vez em que falou com as filhas.
Leia abaixo:
FOLHA - Como a senhora ficou sabendo do acidente?
CARMEM CABALLERO - Vi na TV,
mas não tinha certeza de que
era o vôo delas. Estava tranqüila, não tive nenhum pressentimento. Acho que Deus estava
me preparando para o pior.
Fui procurar as reservas para
ver o número de vôo. Primeiro,
divulgaram um número errado,
e fiquei aliviada. Quando corrigiram, e vi que era o mesmo, eu
caí de joelhos, comecei a gritar,
dizia que eu não acreditava.
Meu marido teve que me segurar, mas eu só repetia: "Era o
vôo delas, era o vôo delas...".
FOLHA - Qual foi a última vez que
falou com as meninas?
CARMEM - Foi no sábado. Viajei
domingo e só conversamos antes. Eu tinha ido assistir ao novo filme do Harry Potter, que
elas adoravam, e ficaram me
perguntando o que acontecia.
Para não estragar a surpresa,
porque elas iam ver assim que
chegassem, não contei muitos
detalhes... Elas não vão poder
mais ver. Nem ler o último livro. Lemos os outros seis juntas e discutimos várias vezes se
Harry Potter ia morrer no final
ou não. Júlia tinha certeza que
sim, Mimi [Maria Izabel] dizia
que não, que não era justo...
Vou comprar o último livro e
ler em voz alta, assim pelo menos minhas filhas vão poder ouvir lá do céu...
FOLHA - Qual é o momento mais
difícil do dia para a senhora?
CARMEM - É de manhãzinha.
Agora não tenho ninguém mais
para acordar cedinho... O quarto da Júlia, a mais velha, fica
bem em frente ao meu... Não sei
o que vou fazer com ele. Nós tínhamos planejado mudar a decoração e, enquanto ela estava
viajando, eu já tinha escolhido
algumas cores, os motivos...
Ela faz dança do ventre e
queria uma decoração indiana.
Íamos começar as mudanças
nesta semana.
Tenho tanta saudade da voz
delas, daquele falatório que ficava aqui em casa. Eu não tinha
tempo para nada. E agora sei
que era feliz daquele jeito. Tudo que eu fazia, elas iam junto,
eram grandes companheiras, a
gente brincava que eram meus
carrapatozinhos. Agora, nada
mais tem graça.
FOLHA - Além das suas filhas, sua
mãe também estava no vôo...
CARMEM - Foi tudo junto. Fiquei órfã e sem minhas filhas.
Perdi o amor materno e estou
sofrendo por causa desse mesmo amor. Minha mãe não era
melosa, de beijar, de abraçar,
mas ela era atenciosa, prática,
resolvia tudo. Era a alma da
nossa família.
FOLHA - A senhora acompanhou os
desdobramentos pela TV?
CARMEM - Não assisti a muita
coisa, mas vi aqueles dois energúmenos fazendo aquele gesto
[o assessor da presidência,
Marco Aurélio Garcia, flagrado
por câmeras ao lado do assessor
Bruno Gaspar fazendo gestos
obscenos após assistir à reportagem sobre defeito no avião da
TAM]. Foi uma pouca vergonha e pior ainda foi o presidente Lula não ter sido homem o
suficiente para demiti-los.
Achei uma infâmia o Lula demorar tanto tempo para falar.
Como homem, ele devia ter entrado no ar cinco minutos depois para dar as condolências,
naquela hora, eu não queria nenhuma explicação, só precisava
de palavra de consolo, de solidariedade... Pensei em me mudar do Brasil, não pelas pessoas,
mas pelos governantes.
FOLHA - Quem a senhora acha que
é o responsável pelo acidente?
CARMEM - A última pessoa que
eu responsabilizaria é o piloto.
Acho que foi falha humana,
mas dos altos escalões. Tem
muito irresponsável dirigindo
este país. Dá até vergonha.
FOLHA - Se pudesse, o que gostaria
de dizer para elas agora?
CARMEM - Eu sempre falava
que as amava muito. Elas sabiam disso, mas queria que você escrevesse, por favor, como
uma última homenagem, que
eu amo minhas filhas demais...
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