São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 2008

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ELIO GASPARI

O Tribunal de Guantánamo desonra os EUA


Os aliados vitoriosos trataram os criminosos alemães e japoneses com mais transparência e respeito que Bush

COMEÇOU A funcionar o Tribunal de Guantánamo. É o último espetáculo do fim de governo do pior presidente da história dos Estados Unidos.
Houve o Tribunal de Nuremberg, que julgou a alta hierarquia civil e militar do 3º Reich e enviou dez delinqüentes para a forca. Houve também o Tribunal de Tóquio, que mandou ao patíbulo seis generais e um barão japoneses. Essas duas cortes podem ser vistas como grandes momentos do infeliz século 20, ou como arranjos revanchistas destinados a punir os derrotados. Em qualquer caso, não havia motoristas ou guarda-costas no banco dos réus.
O Tribunal de Guantánamo abriu seus trabalhos julgando Salim Ahmed Hamdan, um iemenita de 38 anos, com quatro de escolaridade. Ele está preso desde 2001, quando foi capturado no Paquistão. É acusado de pertencer à Al Qaeda e servir como guarda-costas e motorista de Osama bin Laden. Ao ser preso, carregava mísseis de terra-ar no carro.
A Promotoria sustenta, com lógica, que as armas seriam usadas contra soldados americanos. Mais: ele pertenceria à tropa de elite da organização.
Hamdan já levou as preliminares de seu caso à Corte Suprema e lá prevaleceu sobre George Bush por 5 a 3. (Não ocorreu a ninguém dizer que o tribunal simpatiza com o terrorismo islâmico.) O júri de Hamdan é composto por seis oficiais das Forças Armadas. No ano passado, o coronel que chefiava a Promotoria deixou o caso por recusar confissões obtidas sob tortura. É conhecida a observação do primeiro-ministro francês Georges Clemenceau, para quem a Justiça Militar estava para a Justiça assim como a música militar está para a música.
O motorista dos mísseis de Osama bin Laden é 1 dos 265 presos que o governo americano mantém no limbo jurídico de Guantánamo. Aceitando-se a acusação genérica da Promotoria, Hamdan é um terrorista, mas, ainda assim, pode faltar a prova de que tenha praticado algum crime específico. Em tese, seria possível que ele fosse absolvido pelo comissariado militar de Guantánamo. Ainda assim, poderia ser mantido indefinidamente no presídio. Em 1949, quando o Tribunal de Tóquio absolveu Nobusuke Kishi, ministro do Comércio e Indústria durante toda a guerra, ele saiu livre da corte. (Kishi tornou-se primeiro-ministro do Japão em 1957, seu irmão Eisaku Sato, em 1964, e seu neto Shinzo Abe, em 2006.)
Guantánamo desonra a República americana. Primeiro como uma base naval intrometida em terras cubanas. Depois pela sua transformação num presídio sem bandeira nem leis. (Felizmente a Corte Suprema cortou esse barato.) Finalmente, a própria instalação do tribunal no terreno do cárcere dá um toque medieval ao procedimento. Os criminosos alemães e japoneses foram tratados com muito mais transparência e respeito pela opinião pública.
Discutir se Bush foi o pior presidente da história americana é um agradável jogo de salão. Seus rivais podem ser James Madison (1809-1817), Ulysses Grant (1869-1877) e Warren Harding (1921-1923). Os dois primeiros têm um lado virtuoso que falta a Bush. Madison assinou a Declaração da Independência e o general Grant venceu, na marra, a Guerra Civil. Harding morreu no cargo.


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