São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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JULGAMENTO DO MENSALÃO

Mensalão envolveu governo e verba pública, diz procurador

Em 1ª sessão do julgamento, Antonio Fernando associa esquema a "submundo do crime"

Ao resumir a denúncia, ele afirmou que escândalo não teria existido sem ação de representantes do governo; sessão será retomada hoje

SILVANA DE FREITAS
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, classificou a forma de pagamento a parlamentares beneficiados pelo mensalão como prática "típica do submundo do crime" na sessão em que o STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou, ontem, o julgamento que decidirá se será ou não aberta ação penal contra 40 denunciados.
Dois anos, dois meses e 17 dias após o surgimento do maior escândalo político do governo Lula, no qual foi denunciada uma rede de compra de apoio congressual ao Planalto, Antonio Fernando criticou a "promiscuidade com o poder" ao citar que o mensalão era abastecido por recursos públicos e privados e afirmou que "não é possível imaginar que esquema de tamanho porte [...] tenha existido sem o envolvimento de algum membro do governo federal e de integrantes do partido governo."
"Foram recursos privados, oriundos de empresas com interesses patrimoniais escusos perante o governo, e dinheiro público, como no caso Visanet [que fez pagamentos a empresas de Marcos Valério com recursos do Banco do Brasil], as fontes que mantiveram ativo o ilícito sistema de transferência de recursos para parlamentares, dirigentes partidários e credores de partidos políticos".
Para o procurador, "a promiscuidade com o poder é o caldo de cultura perfeito para a viabilidade de interesses escusos". Ele citou sete vezes a palavra "quadrilha" e 59 vezes o empresário Marcos Valério, visto como "principal artífice do procedimento criminoso".
Ele disse que o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT e deputado José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário-geral Sílvio Pereira "ditavam as diretrizes, tinham o comando do procedimento criminoso".

"Núcleo central"
Para o procurador-geral, os quatro petistas agiam no "núcleo central da organização criminosa" que tinha como objetivos buscar apoio político de parlamentares, pagar dívidas partidárias pretéritas e arcar com gastos de campanhas do PT e de partidos da base.
"Os autos revelam uma fartura incrível de dinheiro em espécie que transitou por caminhos tortuosos", disse. "Era tanto dinheiro circulando de modo atípico que Simone Vasconcelos [ex-diretora da SMPB, de Marcos Valério], em determinada oportunidade, teve que pedir um carro-forte para transportar R$ 650 mil para a sede da empresa em Brasília, onde o montante foi repassado."
Ele lembrou detalhes do esquema: "Os autos revelam de forma incontroversa os repasses, especialmente para parlamentares, de elevadas quantias em espécie, muitas vezes entregues em hotéis, a beneficiários que nem conferiam os altos valores recebidos, dinheiro acondicionado em pastas, sacolas e em envelopes de grande porte, valores depositados em conta no exterior não declarada mediante a utilização de doleiros e de empresa offshore."
E concluiu: "Os repasses [eram feitos] sempre à margem dos procedimentos bancários mais expedidos e mais seguros. Tal descrição, que é típica do submundo do crime, revela a rotina vivenciada pelos denunciados por muito tempo".
Segundo Antonio Fernando, "ao invés de valer-se dos mecanismos bancários mais ágeis e seguros, [o esquema do mensalão] sempre efetuava repasses dos valores em espécie, acondicionados em pastas 007, em pacotes ou sacos de lona, em locais inadequados, tais como recepção e quartos de hotéis, bancas de revistas, ou mediante depósitos de contas no exterior, sempre com a máxima preocupação de impedir a identificação dos destinatários".
O tribunal fará pelo menos três sessões seguidas para decidir se abre ou não processo contra os 40 denunciados. Se não concluir amanhã o julgamento, adiará a decisão para segunda-feira. Ontem, o relator, Joaquim Barbosa, leu relatório sintetizando o inquérito, Antonio Fernando formulou as principais acusações e parte dos advogados fez a defesa.
A denúncia aponta a ocorrência de oito tipos de crime, cujas penas variam de um a 12 anos: formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.


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