São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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Apoio de petistas a Sarney é insustentável, diz Marina

Senadora compara disputa contra candidatura do PT a luta entre Davi e Golias

Ela diz que nunca defendeu o criacionismo e, ao falar da descriminalização do aborto, afirma que questões de fé devem ser respeitadas

Alan Marques/Folha Imagem
A senadora Marina Silva (AC), que na última semana anunciou sua saída do PT, em seu gabinete

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um dos argumentos que a senadora Marina Silva (AC) ouviu para não sair do PT foi que o lançamento de sua candidatura à Presidência poderia inviabilizar o "projeto histórico" do partido no qual militou por quase 30 anos. Lançou mão de personagens da Bíblia para comparar a candidatura Dilma Rousseff e uma candidatura pelo PV à luta entre o gigante Golias e Davi.
Na Bíblia, Davi vence. Marina, 51, insiste em que a decisão sobre sua eventual candidatura só será anunciada em 2010.

 

FOLHA - Antes de mudar de partido, a sra. mudou de religião, de católica para evangélica. No ano passado, equiparou a teoria da evolução de Charles Darwin ao criacionismo, que atribui a origem da vida a Deus. Entre fé e ciência, a sra. fica com a fé?
MARINA SILVA
- Houve um completo mal-entendido. Fui dar palestra em uma universidade adventista, que é uma faculdade confessional. A legislação brasileira permite as escolas e as faculdades confessionais, que têm o direito de fazer a abordagem do ensino a partir da perspectiva religiosa.
Um jovem me perguntou o que eu achava de as escolas adventistas ensinarem o criacionismo. Respondi que, desde que ensine também a teoria da evolução, não vejo problema.
A partir daí, as pessoas começaram a dizer que eu estava defendendo o criacionismo. Sou professora, nunca defendi essa tese e nem me considero criacionista. Porque o criacionismo é uma tentativa de explicação como se fosse científica para responder a questão da criação em oposição ao evolucionismo.
Apenas acredito em Deus, é uma questão de fé. Nunca tive dificuldade em respeitar e me relacionar com os ateus, com pessoas que professam outras crenças ou outra forma de pensar diferente da minha.

FOLHA - E essa fé a impede de discutir questões como a descriminalização do aborto?
MARINA
- Questões de fé e as convicções de cada um devem ser respeitadas. Não me envergonho de dizer que sou cristã e jamais tergiversaria sobre minha fé para ganhar simpatia de quem quer que seja. Seria capaz de perder todos os votos, de nunca mais ser eleita, mas nunca faria um discurso fácil.

FOLHA - O PV já prepara festa para a sua filiação no dia 30. A sra. já disse que todos os partidos têm problemas. Qual é o maior do PV?
MARINA
- O primeiro deles é que o partido teve de se abrir para evitar perder o registro. Algumas pessoas se filiaram e até se elegeram sem identidade programática.

FOLHA - O presidente do PV disse ter feito o convite à sra. para ser candidata ponderando que haveria muitas limitações de dinheiro e de espaço na televisão. Com quanto dinheiro se faz uma campanha?
MARINA
- Não sou candidata ainda, isso é em 2010. E tenho consciência dessas limitações.
Inclusive, quando alguns companheiros me perguntavam como eu me sentiria se, porventura, a minha saída inviabilizasse o projeto histórico do PT, sobretudo na questão da inclusão social, eu dizia: acho que vocês estão superestimando.
Se comparar o tempo de TV da candidatura do PT -o que significa o Bolsa Família, o PAC, o Luz para Todos, o que significa (o programa) Minha Casa, Minha Vida, ter um presidente com 80% de credibilidade, ter palanques de A a Z em 5.000 municípios, com uma militância de 1,6 milhão de filiados- com a de um partido pequeno, com menos de dois minutos na TV, sem palanques, é como se fosse uma luta de Golias contra Davi.
Como não imagino que a candidatura do PT é Golias e nem tenho a pretensão de ser o Davi, só posso imaginar que a minha funda vai se lançar contra o Golias da desesperança, do pragmatismo. Tenho experiência nisso. Se fosse fazer cálculo em termos pragmáticos, nunca teria feito nada. O esforço é por aquilo que significa em termos de semeadura.

FOLHA - O que não é sustentável hoje no Brasil?
MARINA
- O próprio modelo de desenvolvimento, que tem origem numa visão equivocada de que os recursos naturais eram infinitos. Temos de aprender a lidar com essa limitação no sentido de criar novas práticas, novas oportunidades, nova relação de produção e consumo.

FOLHA - É sustentável o apoio do PT a José Sarney?
MARINA
- Isso já se mostrou insustentável por tudo o que está acontecendo com o Congresso, com o governo, com o PT, e com o próprio presidente Sarney. No meu entendimento, o melhor para a crise era o seu afastamento temporário, inclusive como forma de preservar a figura histórica de Sarney.

FOLHA - Como entram na agenda da sustentabilidade os juros altos e a independência do Banco Central?
MARINA
- Os juros altos não são sustentáveis, obviamente, sobretudo em um país que precisa continuar crescendo. O Banco Central, na realidade do Brasil, já tem essa independência.

FOLHA - A hidrelétrica de Belo Monte e BR-319 são sustentáveis?
MARINA
- Belo Monte está passando por um processo de licenciamento, que verificará se ela é sustentável. A BR-319, eu considero economicamente, ambientalmente e socialmente insustentável.

FOLHA - O programa nuclear brasileiro é sustentável?
MARINA
- Nós temos outras fontes de energia. Alega-se que são caras. E, na verdade, são.
Mas a nuclear também é cara.
Com uma diferença: a energia eólica e da biomassa são caras mas são seguras, a nuclear é cara e não é segura.

FOLHA - Quão sustentável é o Bolsa Família?
MARINA
- É um programa importante na promoção da inclusão social. O problema apontado, com razão, é a questão da porta de saída, para que as pessoas tenham uma integração produtiva e não dependam da bolsa. Mas só é possível falar em porta de saída porque teve porta de entrada.
Uma vez, uma pessoa reclamava que não quiseram fazer uma faxina pelo valor que ela se dispunha a pagar. "A culpa é dessa Bolsa Família", dizia. Fiquei feliz, porque, se não tivesse o Bolsa Família, a pessoa se aviltava a receber qualquer valor por seu trabalho.

FOLHA - O pré-sal é sustentável?
MARINA
- Os combustíveis fósseis são insustentáveis. O pré-sal tem de ser visto com os cuidados para que não façamos a apologia do recurso em si. É preciso que parte dos recursos obtidos sejam drenados para compensar os danos ambientais das emissões de CO2.


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