São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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JANIO DE FREITAS

Um momento anormal


Falta de oposicionismo só pode traduzir-se para o eleitor como aprovação a Lula; falta de reparo, aprovação é

O DESARRANJO no território da política é tão grande, tão tipicamente subdesenvolvido, que uma frase simples de uma possível candidata à Presidência, só por retomar o normal na democracia, soa como anormalidade. A meio de outra explicação de sua saída do PT para a pretendida candidatura oposicionista, Marina Silva disse que o governo deixa de "ouvir os apelos da sociedade ao dar mais destaque às preocupações com a manutenção da governabilidade em suas relações com o Senado".
Mas nenhum dos que estão aí como candidatos a alguma coisa tem audácia, ou lá o que seja, para emitir um conceito contrário ao governo, a Lula e ao lulismo. Muito menos, ainda que de partido dito oposicionista, se possível candidato a presidente. Quando governadores, estão silenciados por verbas e copatrocínios de obras e programas. Também. Porque, tanto governadores como os outros, aspirantes à Presidência ou a governos estaduais, estão todos emudecidos e dobrados pelo medo de espicaçar os índices de popularidade de Lula.
Ainda que obtenham proveitos dessa invalidação da política, vulgar no subdesenvolvimento gerador dos governos fortes, os praticantes desse oportunismo contribuem para a popularidade lulista que os atemoriza. A falta de crítica e de oposicionismo, por parte dos supostos contrários políticos e programáticos ao governo, só pode traduzir-se para o eleitorado como aprovação a Lula e seu governo. Falta de reparo, aprovação é.
Então, ainda que para provocar, vem uma perguntinha: se José Serra, Aécio Neves, Ciro Gomes, e todos os candidatos não petistas a qualquer cargo, não têm reparos a fazer a Lula e seu governo, por que pretendem substitui-lo e substituir o PT? Nada justifica que queiram impedir o prosseguimento daquilo a que não têm reparo algum.

Presenças
Vai longe o rescaldo da recusa de averiguação das acusações ao senador José Sarney e da absolvição do senador Arthur Virgílio. Se, por exemplo, o senador Aloizio Mercadante de fato recuou da renúncia à liderança da bancada petista, no Senado, para preservar a vaga a candidato à reeleição, o que perdeu no eleitorado é incalculável, e o perdido na opinião pública, não.
A "carta de Lula" sobre a permanência de Mercadante só não é nada porque é ridícula. É um documento do não dizer, com a cara estampada do arranjo, para Lula evitar mais um constrangimento em seguida aos desligamentos de Marina Silva e Flávio Arns do PT.
Irrevogável, para a opinião pública, é irrevogável. A opinião pública é literal. E a Mercadante não cabia senão sê-lo também, não só porque anunciasse sua "renúncia irrevogável" até com hora e discurso marcados, mas porque as circunstâncias impostas por Lula só lhe deixaram um modo de ser ético e coerente. O que Aloizio Mercadante mantém é a liderança que já lhe foi cassada.
Curiosas são as manifestações indignadas com a absolvição de Arthur Virgílio. Achar injusta a absolvição de Virgílio por um Conselho de Ética que se reunia com a presença de Renan Calheiros, além de vários outros pendurados em processos muito graves, seria a própria injustiça. Virgílio não mentiu ao Senado, não lançou mão de notas fiscais falsas para encobrir do Senado os seus ganhos e posses inconfessáveis e não tem consequências de transas extracurriculares pagas por lobistas de empreiteira. Nem seus erros visaram a proveito próprio.
E quando o senador Flávio Arns disse que a presença de Arthur Virgílio "é essencial no Senado", não disse barbaridade alguma. Virgílio é um dos dois ou três que dão combate de fato a Renan Calheiros, Romero Jucá e congêneres, preservando a pequena presença do oposicionismo que dá vida a um Senado.


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