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30 anos da Anistia
Lei da Anistia racha governo e chega ao STF
Ação da OAB que permitiria punição de torturadores é apoiada pela Casa Civil e pela Justiça e criticada pelo Itamaraty e pela Defesa
A necessidade de punir torturadores já surgiu no dia da votação da lei, em 22 de agosto de 79, nos discursos de parlamentares do MDB
RUBENS VALENTE
PEDRO DIAS LEITE
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Trinta anos depois de sancionada pelo general João Baptista Figueiredo (1979-1985), o último presidente da ditadura, a
Lei da Anistia, que possibilitou
a volta dos exilados, é hoje o pivô de um racha no governo.
O debate jurídico gerado por
investigações abertas pelo Ministério Público Federal para
punir torturadores levou setores do governo a defender uma
nova interpretação da lei, pela
qual seria possível levar a julgamento militares e agentes do
Estado que praticaram torturas
e assassinatos na ditadura.
A discussão está agora no colo do STF (Supremo Tribunal
Federal). Em outubro passado,
o Conselho Federal da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil) ingressou no tribunal com
uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pedindo que o STF declare
claramente que a anistia concedida pela lei 6.683 "não se estende a crimes comuns praticados por agentes da repressão
contra opositores políticos durante o regime militar".
O ministro relator do caso,
Eros Grau, mandou ouvir os órgãos envolvidos. Em pareceres,
apoiaram a OAB o Ministério
da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos e a Casa Civil.
Contrários estão a AGU (Advocacia Geral da União), o Ministério da Defesa e o Ministério
das Relações Exteriores.
"É uma falsidade dizer que
punir torturadores é um ataque
contra as Forças Armadas. Pelo
contrário, arguir isso é que é
usar o prestígio das Forças Armadas para defender torturadores", disse à Folha o ministro da Justiça, Tarso Genro.
O ministro da Defesa, Nelson
Jobim, que comanda os militares, afirma que a anistia, para
todos, não pode ser revogada.
"Se você inventasse de revogar
a Lei da Anistia, a revogação
não teria efeito retroativo. O
anistiado está anistiado."
Torturadores
A história da lei está resumida no processo de nove volumes que acompanha o projeto
de lei 14/79, hoje no Arquivo do
Senado. A lei foi aprovada pelo
Congresso, numa sessão conjunta tumultuada, no dia 22 de
agosto de 1979, e assinada por
Figueiredo seis dias depois.
O processo revela que a necessidade de prever punição
aos torturadores já surgiu no
dia da votação, ainda que lateralmente, em discursos de parlamentares do MDB, como Airton Soares (MDB-SP) e Walter
Silva (MDB-RJ). As maiores
críticas do MDB, porém, giravam em torno de a lei não libertar imediatamente os presos
políticos (alguns ficaram na cadeia até dezembro) e da falta de
garantias para o retorno dos
servidores públicos atingidos
pelos atos institucionais e medidas persecutórias baixadas
pela ditadura entre 1964 e 1969.
Em minoria no Congresso, o
MDB cedeu à Arena, que apoiava o regime militar. O próprio
substitutivo da oposição, também rejeitado, não previa punição aos torturadores. O MDB
queria aprovar o que achava
possível no momento.
O senador pelo MDB de Alagoas Teotônio Vilela (1917-1983), que percorrera presídios
e recebera 43 manifestações de
entidades representativas de
advogados, jornalistas e artistas, criticou o projeto do governo, mas encerrou seu discurso
em tom conciliatório: "Se houve morte de parte a parte, houve sangue de parte a parte. A
substância profunda da anistia
está em reconciliar a nação".
O maior protesto pelas punições dos torturadores vinha de
fora do Congresso, dos que tinham sofrido as violências do
regime. Quando a lei foi aprovada, havia 53 presos políticos
em presídios de sete Estados, a
maior parte em greve de fome.
O protesto durou 33 dias. Eles
enviaram uma carta a Teotônio, que listou nomes ou apelidos de 251 militares e carcereiros envolvidos em torturas
contra presos políticos (dos
quais 80 "nos torturaram diretamente") e 27 "centros de torturas" espalhados pelo país.
Um dos autores da carta foi
Gilney Viana, preso em 1970 e
libertado em dezembro de
1979. Ex-militante da ALN
(Ação Libertadora Nacional),
Viana assaltou bancos e uma
drogaria no interior de Minas
Gerais. Disse ter sido torturado, com pancadas, choques elétricos por todo o corpo e pau-de-arara, durante 36 dias seguidos no 1º Batalhão de Polícia do
Exército do Rio de Janeiro. Viana sabe o nome do oficial que
comandou as torturas e quer
que o STF decida que ele pode
ser punido. Ele diz que os ex-presos políticos "estão se articulando" para cobrar o STF.
"O chefe da tortura foi um capitão do Exército. Está vivo e aí,
todo flozô [boa vida]. Foi visto
em Brasília, almoçando. Este
era um torturador que já tinha
torturado em Minas e o deslocaram para o DOI-CODI do
Rio. Ele vai a juízo, vai ser denunciado por crime de tortura.
Eu o estou acusando de tortura.
Ele tem que responder a esse
processo na Justiça como eu
respondi ao meu processo",
disse Viana, que nos anos 90 foi
deputado federal pelo PT-MT.
O ex-senador da Arena Murilo Badaró (MG), 77, líder do governo Figueiredo no dia da votação, atacou a rediscussão da
lei: "É ação de gente desocupada. Como não tem ação política
nem voto nem prestígio, fica
criando matéria de jornal para
poder ficar no foco do noticiário. É impossível reabrir esse
assunto depois de tantos anos
de uma espécie de anistia recíproca. Acho que é um assunto
impertinente, desnecessário e
sobretudo aumenta as dificuldades do Brasil numa hora tão
difícil, de degradação política".
A Lei da Anistia poderá ser
discutida em outra frente judicial, esta internacional: o Estado brasileiro é réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos em um processo sobre a
guerrilha do Araguaia.
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