São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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30 anos da Anistia

"Feridas da ditadura ainda estão aí", diz Tarso

Para ministro, revisão da lei é "olhar" o passado para "ver com clareza o futuro"

"Quando falamos em punir torturadores, não estamos dizendo que eles irão para a cadeia", afirma Tarso, mas que sejam "sentenciados"

PEDRO DIAS LEITE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Um dos principais defensores de uma revisão da Lei da Anistia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirma que "as feridas abertas pela ditadura e pela violência ainda estão aí".
Ele argumenta que a visão de que os crimes da esquerda também seriam punidos é "completamente distorcida", porque os militantes "não só foram todos punidos como muitos barbaramente torturados".

 

FOLHA - A Lei da Anistia completa 30 anos. Ela atingiu seus objetivos?
TARSO GENRO
- O processo de conciliação teve uma consequência extraordinariamente positiva, que foi sairmos de uma ditadura sem um choque sangrento entre irmãos brasileiros. De outra parte, não é uma Lei da Anistia que resolve todo o problema. Mas o processo legal não conseguiu até agora gerar reconciliação plena. As feridas abertas pela ditadura e pela violência ainda estão aí.
Aqui no Ministério da Justiça tratamos numa ótica de reconciliação através da verdade e da assunção de responsabilidade. Não é revanchista, mas exige um olhar profundo sobre o passado para que a gente possa ver com clareza o futuro.

FOLHA - Existe um argumento de que, ao rever a tortura, também seriam revistos os chamados crimes de terrorismo. Qual sua resposta?
TARSO
- Essa é uma visão completamente distorcida do processo de anistia, porque parte de uma premissa falsa. Pessoas que cometeram delitos durante o regime militar, todas elas foram julgadas e punidas. Não só foram punidas como muitas foram barbaramente torturadas.
Quando estamos falando em punir torturadores, não estamos dizendo que essas pessoas irão para a cadeia, porque são pessoas que normalmente têm mais de 80 anos. Os fatos têm de ser apurados e as pessoas têm de ser sentenciadas.

FOLHA - O sr. defende que torturadores respondam pelos crimes, mas não que sejam presos? Há torturadores que continuam a trabalhar na máquina do Estado, como a Folha mostrou recentemente.
TARSO
- A consequência dessa visão [de que torturadores não devem ser punidos] é que pessoas como esse delegado tenham a coragem de dar entrevista reconhecendo que foi torturador e dizendo sobre uma senhora que não a tinha torturado porque não torturava mulher feia. A tortura foi feita por estruturas paralelas ao Estado, que cometiam atos ilegais em relação à própria vigência do sistema jurídico da ditadura.

FOLHA - Qual a implicação da não punição dos torturadores? A tortura persiste até hoje nas forças policiais.
TARSO
- Se não imprimirmos no "ethos" democrático do país uma consciência da barbárie que significa a tortura, vamos perder a oportunidade de fazer com que as pessoas compreendam que não podem derrubar a Constituição. Elas poderão pensar que poderão fazer tudo isso e mais tarde serão perdoadas. E isso é imperdoável.


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