São Paulo, Segunda-feira, 23 de Agosto de 1999
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INOCENTE ÚTIL

Defesa de policiais militares usou carta de Luigi Muraro com crítica aos sem-terra

Padre lamenta ter "ajudado" defesa

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
O padre Luigi Muraro, que afirma que mais de 19 sem-terra foram mortos por policiais em Eldorado do Carajás


LUÍS INDRIUNAS
da Agência Folha, em Marabá

Há cinco anos trabalhando com os sem-terra no sul do Pará, o padre Luigi Muraro, 60, foi surpreendido com a notícia de que uma carta sua, criticando atitudes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), foi usada pela defesa dos policiais no julgamento do massacre de Eldorado do Carajás. "Estou embaraçado", afirmou.
Muraro fez uma investigação paralela após o massacre, tendo vários depoimentos anônimos e, por isso, critica o andamento do julgamento dos 150 PMs acusados de matar 19 sem-terra no dia 17 de abril de 1996.

Agência Folha - O senhor sabia que sua carta estava sendo usada pela defesa dos PMs? Padre Luigi Muraro - Durante esta última semana, eu estava em retiro. Soube apenas no sábado e me assustei. Estou embaraçado, não sei como vazou esta carta. Ela era sigilosa e destinada a alguns padres e ao MST. Não como sei os sem-terra vão reagir, se vão me aceitar.

Agência Folha - Qual o conteúdo da carta?
Muraro -
Eu falava sobre desvio de dinheiro nos assentamentos, mas citei apenas um valor de R$ 2.500. Escrevi também alertando sobre o uso de armas pelos sem-terra.

Agência Folha - Qual sua principal crítica ao MST?
Muraro -
Falta de democracia dentro dos assentamentos. Temos que distinguir os sem-terra das lideranças do MST. Muitas vezes, as famílias não querem fazer o que o MST exige.

Agência Folha - O sr. se arrepende de ter escrito a carta?
Muraro -
Não é questão de arrependimento. Eu demorei mais de um mês para escrevê-la e hesitei muito em mandá-la. Cheguei a usar termos como "roubalheira", mas para alertar os interessados. Ela não poderia ter vazado.

Agência Folha - Como o senhor avalia o julgamento?
Muraro -
Infelizmente, o julgamento que era para se julgar os policiais virou um julgamento sobre o MST.

Agência Folha - Na época do massacre, o senhor disse que havia mais de 19 mortos.
Muraro -
Havia muito mais. Há relatos de pessoas que viram cerca de 30 corpos. Mulheres e crianças também morreram. Há um outro crime pelo qual os policiais não estão respondendo: ocultação de cadáver.

Agência Folha - A atitude da polícia na região mudou depois do massacre?
Muraro -
A polícia de Marabá está envergonhada, mas a atitude dos policiais não mudou quase nada. Continuam violentos e agindo clandestinamente.


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