São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2006

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Marcelo Coelho

Teatro das demissões

LULA SABIA ou não sabia? A dúvida foi intensa no escândalo do mensalão, e se repete, com menos ênfase talvez, neste caso do dossiê contra Serra. É que, de certo ponto de vista, a pergunta deixa de ter relevância.
Com Lula sabendo ou não, o essencial é que, sob o seu governo, criou-se um sistema criminoso de aparelhamento do Estado a serviço do PT. Vê-se agora que nada do que ocorreu durante a crise do mensalão levou os dirigentes do partido a mudar de comportamento. Para cada Delúbio que sai, há sempre um Gedimar, um Freud, ou seja lá que nome tenham, para manter a máquina funcionando.
Lula promove algumas demissões, mas o esquema se recupera prontamente, do mesmo modo que uma árvore ganha força ao ser podada de vez em quando. Se os escândalos não tiveram, até agora, grande impacto sobre a popularidade de Lula, isso em parte se deve à sua pronta disposição para demitir quem quer que seja: Zé Dirceu, Palocci, Gushiken, Genoino, e agora Berzoini, duram o quanto puderem durar.
A cada escândalo, Lula se livra da tutela do PT, sem perder as vantagens que lhe traz uma organização disposta a tudo para mantê-lo no poder. Seu governo pôde mesmo, graças ao escândalo, beneficiar-se com um ganho de eficiência. Coincidência ou não, os resultados administrativos mais palpáveis começaram a aparecer depois da saída de Zé Dirceu, em cujo gabinete, ao que se diz, emperravam-se dezenas de comissões e projetos.
O teatro das demissões não impede que o alto e o baixo clero petistas se comportem como se fossem donos do Estado brasileiro. O delírio aparelhista, as violações freqüentes da lei, as investidas contra o sistema republicano ganham livre curso, acompanhadas de quando em quando por ataques à liberdade de imprensa, enunciados com ares de indignação e inocência.
É curioso que venham das antigas bases sindicais do PT os atos mais infames do governo. Delúbio, Berzoini, Gushiken, Palocci, Freud Godoy, Jorge Lorenzetti, Paulo Okamotto, não são nomes que surgiram depois de instaurado o vale-tudo das alianças com o PL e o PTB.
São petistas autênticos, de longa data. Um passado de lutas funciona como espécie de autorização interna para a delinqüência. A duplicidade moral se torna o modo de funcionamento básico do governo Lula que não sabe de nada, mas não sabe sabendo.
É assim que o gangsterismo partidário convive com a independência da Polícia Federal. De certo modo, Lula desenvolve a tática do "cada macaco no seu galho". Deixa o Banco Central na mão dos ortodoxos, deixa o vice-presidente criticar os juros; põe Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, e faz aliança com deputados adeptos da motosserra; não impede as ações da PF, muito menos as velhacarias dos companheiros de partido.
Punam-se os culpados, com rigor! Temos outros para continuar o serviço.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

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