São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Elio Gaspari

Greenspan e o triunfo de Ayn Rand


Russos querem saber mais a respeito da mulher que pisou fundo na defesa do egoísmo como fator de progresso

TRÊS DIAS depois do seu lançamento nos Estados Unidos, o livro de memórias de Alan Greenspan chegou ao primeiro lugar em diversas listas de mais vendidos. Chama-se "A Era da Turbulência - Aventuras num Novo Mundo". Ele presidiu o Federal Reserve Board (o banco central americano) de 1987 a 2006. Quem leu não achou grande coisa. O doutor confirmou sua condição de ser um chato interessante.
Tocou saxofone em banda de jazz e houve uma época em que teve a dúvida filosófica de que não existia. Contudo, um pequeno trecho dessas memórias lavará a alma de ultraconservadores politicamente incorretos.
Greenspan contou que, num encontro com sábios da ekipekonômica russa, um assessor de Vladimir Putin pediu-lhe para falar um pouco sobre as idéias de Ayn Rand. Foi o triunfo de uma mulher que escapuliu de São Petersburgo em 1926, aos 21 anos, e passou o resto da vida (até 1982) exaltando as formas mais radicais de individualismo.
Ela teve uma forte influência intelectual no jovem Greenspan. Quando ele entrou para o círculo de seus adoradores tinha 26 anos, e ela 47. ("Parece um agente funerário", disse a escritora.) Nos anos 70, quando ele ganhou um escritório na Casa Branca de Gerald Ford, levou-a para uma visita. Rand escreveu dois romances de enorme sucesso ("A Nascente" e "Quem é John Galt?", editados no Brasil há mais de 50 anos). Como literata, seu negócio era filosofia. No projeto de "A Nascente", anotou: "O principal objetivo deste livro é a defesa do egoísmo e do seu verdadeiro significado". O indivíduo é a divindade, e o capitalismo, sua profecia.
Daí em diante, pisou no acelerador. O patrão pode discriminar empregados, os índios não têm direitos sobre suas terras, a caridade não é uma grande virtude e os programas sociais dos governos são uma construção hipócrita a serviço da indolência: "Não podemos lutar contra o coletivismo, a menos que lutemos contra sua base moral: o altruísmo". Ou: "Todo homem é um fim em si próprio, e não um meio para satisfazer as necessidades dos outros".
Não se fazem mais conservadores sinceros como antigamente.
Há mais informações sobre Ayn Rand na página aynrand.com.br, do professor Eduardo Chaves, da Unicamp.

FFHH VÊ O PERIGO DE UMA GUERRA POR NADA

FFHH ficou famoso pela Teoria da Dependência, mas deveria ser estudado por conta da Teoria da Causa Inexistente. Sua idéia é de que certas crises acontecem sem motivo algum. Nem econômico nem social, nada. O melhor exemplo de crise sem causa seria a da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961.
Jânio resolveu deixar o governo, os ministros militares decidiram não empossar o vice-presidente, e o país chegou à beira da guerra civil.
Tudo isso por nada.
Agora FFHH transpôs a Teoria da Causa Inexistente para o cenário mundial. Ele teme que, por nada, o mundo possa assistir a uma guerra de proporções imprevisíveis. Coisa parecida com o que aconteceu em 1914, quando 9 milhões de pessoas morreram sem que se saiba por quê.
O Irã caminha para fabricar sua bomba atômica e seu governo de Teerã não se cansa de repetir que está disposto a bombardear Israel. (Por enquanto, com armas convencionais.) Israel tem um estoque de pelo menos 50 bombas atômicas. Pergunta: Os israelenses vão deixar o Irã montar o artefato?
Então Israel ataca o Irã para destruir sua bomba, ou para impedir que ele a monte. Pode ser o contrário: o Irã, tendo conseguido montar uma bomba, ataca Israel porque acha que será bombardeado. Quando chegar a hora de contar por que a guerra começou vai-se cair na explicação do sujeito que entrou no tiroteio porque saiu de casa armado.

VIDENTE
O relatório de 172 páginas do delegado Luís Flávio Zampronha de Oliveira descrevendo as maracutaias do tucanato durante a campanha de Eduardo Azeredo em 1998 deverá ser julgado pelas autoridades competentes, mas um detalhe do texto revela perigosa desatenção. O documento está datado de "4 de julho de 1998". Nessa ocasião a maioria dos fatos denunciados nem sequer tinha ocorrido.

RECORDAR É VIVER
O tucanato fica devendo uma à patuléia. Quando surgiram as primeiras denúncias de que as arcas de Marcos Valério começaram a funcionar na campanha de Eduardo Azeredo, a argumentação dos doutores girava em torno de um ponto: pode ter havido caixa dois, mas não houve desvio de dinheiro público.
O relatório do delegado Zampronha mostra a saída de dinheiro de quatro caixas da Viúva para custear patrocínios publicitários superfaturados. A saber: Cemig, Copasa, Bemge e Comig. Coisa de pelo menos R$ 5 milhões. Parte desse dinheiro foi rastreado até os bolsos de uns 30 tucanos. Meteram o bico até em recursos da companhia de saneamento.
Quando esse processo chegar ao STF, fará a alegria do ministro Cezar Peluso, que divertiu o país mostrando o absurdo da história dos emissários que iam buscar grandes quantidades de dinheiro vivo em agências bancárias da avenida Paulista. Há um ex-policial, motorista de táxi, que disse ter recebido R$ 1.000 de um passageiro para sacar um cheque de R$ 375 mil no Banco Rural. O cidadão pediu a gentileza porque "havia esquecido o documento de identidade".

MADAME NATASHA
Madame Natasha adora Mônaco, onde tem boas amigas. Ela gostaria de ser convidada para rever o texto da versão francesa do memorial do governo brasileiro pedindo a extradição de Salvatore Cacciola. Prosseguindo na sua defesa do idioma, renovou a bolsa de estudos do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, pelo seguinte comentário a respeito de sua decisão de mandar libertar o finório, em 2000:
"Da mesma forma como tenho implementado outras, quando entendo que não assiste ao ato que implicou a prisão o que temos de considerar é que a liminar foi deferida quando ele era um simples acusado, não havendo ainda a sentença condenatória".
Natasha acredita que ele quis dizer o seguinte: "Achei que o rapaz deveria ser solto. Ele não estava condenado".

NÓS, QUEM?
D. Pedro 2º chegou à maioridade com 14 anos. Nosso Guia demorou um pouco mais e atingiu-a aos 57, quando entrou no Palácio do Planalto. Só então descobriu as virtudes da estabilidade da moeda, da responsabilidade fiscal, da CPMF e dos biocombustíveis. Seguindo uma escrita dos inquilinos da Viúva, adquiriu a capacidade de falar mal de um ente abstrato chamado "os brasileiros", ou um vago "nós" que, por definição, não o inclui.
Um exemplo, de quinta-feira passada: "Fiquei meditando porque no Brasil trabalhamos com pessimismo e não conseguimos ter visão tal como as coisas acontecem. (...) O Brasil não pode aceitar os discursos que nós fazemos diminuindo o Brasil".
Basta que faça menos discursos.


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