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SEGUNDO TURNO
Para ex-ministro, houve incompetência da equipe econômica e presidente errou ao manter Malan na Fazenda
Economia causará derrota tucana, diz Bresser
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, 68, afirma que a política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso será a
maior responsável pela provável
derrota do candidato tucano à
Presidência, José Serra.
"Se ele [Serra] perder, como é o
mais provável, sua derrota não se
deve aos seus erros nem à sua personalidade, mas ao desempenho
econômico do governo, que foi
muito ruim, só isso", afirma.
Apesar de ter ocupado dois ministérios no governo FHC, Bresser diz que nunca deixou de alertar o presidente Fernando Henrique Cardoso dos erros cometidos
pela equipe econômica. Ele foi
ministro da Administração no
primeiro mandato e da Ciência e
Tecnologia no segundo. Foi ainda
chefe da Fazenda em 87, no governo Sarney.
Bresser não concorda com a tese de que a reeleição tenha sido o
grande erro deste governo. Para
ele, os erros foram técnicos mesmo. "Foi incompetência", afirma.
Sem citar o nome de Pedro Malan, diz que um dos erros do presidente foi ter mantido no governo o ministro da Fazenda quando
demitiu o presidente do Banco
Central, Gustavo Franco, em 99.
Há poucos dias, Bresser Pereira
apresentou, em seminário no
BNDES, um trabalho de 35 páginas no qual afirma que o Brasil
pode ser levado a ter que suspender o pagamento da dívida (moratória). O trabalho está disponível no site www.bresserperei
ra.org.br. Leia a seguir trechos da
entrevista que cocedeu.
Folha - Como o sr. define o governo FHC?
Luiz Carlos Bresser Pereira - Os
resultados da economia brasileira
nos anos 90 foram decepcionantes. O Brasil continuou semi-estagnado, a dívida externa e a dívida interna hoje são muito maiores
do que em 1995, o desemprego é
mais alto do que nunca e, agora,
em 2002, vivemos uma nova crise
do balanço de pagamentos. Já tivemos uma crise em 98 e agora temos outra. Tudo isso apesar da
enorme esperança que nasceu
com o Plano Real.
O Plano Real foi anunciado em
dezembro de 1993, a reforma monetária aconteceu em 1º de julho
de 1994, e o plano de estabilização
dos preços terminou no dia 31 de
dezembro do mesmo ano, quando começou o novo governo. Se o
governo FHC foi admirável no
plano social, político e ético, no
plano econômico foi muito ruim.
Folha - Quais foram os erros?
Bresser Pereira - O erro fundamental foi de agenda. A partir de
95, a equipe econômica elegeu como o grande problema do país o
combate à alta da inflação, quando não era. O fundamental naquele momento era estabilizar as
contas externas.
Esse erro decorreu de havermos
aceitado a estratégia de crescimento com poupança externa
que constitui o cerne do que chamo o Segundo Consenso de Washington [a expressão Consenso
de Washington surgiu em 89 para
designar o receituário neoliberal
que os países ricos consideravam
necessário para o desenvolvimento das nações mais pobres". Aceitamos sem crítica essa estratégia
porque nossas elites vêm se revelando particularmente alienadas
nos últimos 20 anos.
Foram erros que se encadearam. O Brasil preferiu utilizar
uma âncora cambial para controlar a inflação e assim apenas agravou a instabilidade macroeconômica existente. Não foi, porém, só
o Brasil que adotou essa política.
Quase todos os países da América
Latina fizeram o mesmo. A base
desse modelo de subdesenvolvimento é o uso da poupança externa para fazer o país crescer. Essa
estratégia nos foi proposta por
Washington, constituindo o Segundo Consenso de Washington.
Não foram bastantes o ajuste
fiscal, a abertura comercial e as
privatizações, que caracterizaram
o primeiro consenso. Também
era preciso a abertura financeira,
que não fazia parte do primeiro
consenso, conforme seu próprio
definidor, o economista John Williamson, deixou claro na época.
Folha - O que caracteriza essa
abertura financeira?
Bresser Pereira - A abertura financeira significa deixar os fluxos
de capitais livres. Não ter nenhum
controle sobre a entrada de capitais e supor que o desenvolvimento do país se faça com poupança
externa. O erro, porém, foi nosso.
Nem os EUA, nem o Banco Mundial, nem o FMI nos forçaram a
adotar essa política. Apenas a sugeriram e apoiaram. Foram nossas elites e o governo que aceitaram esse modelo de financiamento para o subdesenvolvimento.
Folha - E por que o governo aceitou?
Bresser Pereira - Por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o
populismo é atrativo e havia um
componente populista importante nele. Em segundo, porque nossas elites perderam a capacidade
crítica de definir e defender o interesse nacional.
Folha - O que o sr. define como
alienação das nossas elites?
Bresser Pereira - As nossas elites
têm se revelado extremamente incompetentes diante da crise que
se abateu sobre o país desde o início dos anos 80. Há 22 anos estamos cometendo erros de política
econômica insistentemente. Erros que geralmente derivam de
nossa prática do "confidence
building". Ou seja, fazer acriticamente tudo o que Washington e
Nova York nos sugerem para
construirmos confiança no exterior e obtermos crédito, mesmo
que as sugestões se revelem contrárias ao interesse nacional e aos
fundamentos macroeconômicos.
Ora, não é assim que se obtém
crédito, mas fazendo o que nós
mesmos entendemos ser necessário fazer para estabilizar a economia, e obtendo resultados. Por
outro lado, uma economia como
a brasileira, com uma distribuição
de renda muito desigual, favorece
a adoção de políticas econômicas
populistas, como a que adotamos
para o câmbio.
Folha - Em que consiste essa política populista?
Bresser Pereira - Essa política consistiu em aumentar salários reais
através de um câmbio valorizado.
Em outras palavras, decorreu da
política equivocada de se contar
com a poupança externa para se
desenvolver. Ora, poupança externa é, tecnicamente, sinônimo
de déficit em conta corrente.
Em conseqüência, valorizou-se
o câmbio, aumentaram os salários reais da classe média e seu
consumo, na medida em que este
tem um componente de importados, e diminuiu a poupança interna. Essa política revelou-se um
grande equívoco para o país.
De acordo com o Segundo Consenso de Washington, os países
emergentes que abrissem financeiramente suas economias receberiam "ajuda" na forma de poupança externa. Essa ajuda foi, na
verdade, um financiamento para
o subdesenvolvimento e a crise.
Folha - O sr. acha que o país não
deveria ter aceito dinheiro de fora?
Bresser Pereira - O problema é
que poupança externa significa
déficit em conta corrente e portanto aumento da dívida externa.
A poupança externa pode vir
também na forma de investimento direto, que é melhor porque
menos líquido, mas constitui
também uma dívida, uma dívida
patrimonial. E a própria dívida financeira externa nem sempre é
negativa para um país.
No caso do Brasil, porém, como, de um lado, se trata de um
país com alto endividamento, e,
de outro, como nos anos 90 não
havia grandes projetos de investimento -o que significa que a taxa de lucro esperada era baixa, enquanto as taxas de juros são altíssimas-, endividar-se externamente constituiu um grave erro.
Em uma condição como essa as
pessoas usam os recursos do financiamento para aumentar o
consumo em vez de investir. Com
uma taxa de câmbio mantida
num nível muito baixo, o dólar fica muito barato e as pessoas aumentam seu consumo, principalmente de produtos importados.
Com isso, a contrapartida da poupança externa que recebemos é a
despoupança interna.
Essa estratégia só interessa aos
países ricos, já que se traduz em
grandes déficits comerciais dos
países emergentes e permite que o
sistema financeiro internacional
financie esses déficits com elevadas taxas de juros. Não há nada de
estranho, portanto, que o FMI tenha aprovado essa política, que
afinal é populista, no México, na
Argentina e no Brasil.
Se, em 95, o governo tivesse entendido que o nosso problema
fundamental era o de recuperar o
equilíbrio externo da economia, e
não houvesse aceito a idéia de financiar seu desenvolvimento
com poupança externa, não teria
ocorrido o desastre de 98.
Folha - Mas o governo mudou a
política em 99.
Bresser Pereira - O presidente
FHC teve a coragem de ir contra o
seu ministro da Fazenda e demitir
o seu presidente do Banco Central, Gustavo Franco, para adotar
o câmbio flutuante. Se não tivesse
feito isso, hoje estaria estaríamos
na mesma situação da Argentina.
Quando FHC demitiu o presidente do BC, pensava-se que a política de sobrevalorização cambial
tivesse acabado. O problema é
que o ministro da Fazenda continuou no cargo e o BC decidiu
adotar a política de metas de inflação, que significaria, sem dúvida,
um grande avanço para o país.
Entretanto, o Brasil não tinha
condições de adotar uma política
tão rígida quando suas contas externas permaneciam desequilibradas e sua taxa de câmbio valorizada artificialmente por uma taxa de juros muito alta.
Assim, em 2001, quando o mercado sinalizou que era hora de um
novo ajuste cambial, o governo de
novo violentou o mercado através
da elevação da taxa de juros
-que vinha num processo de
queda-, vendeu US$ 8 bilhões
em títulos no mercado e ainda indexou em dólar US$ 20 bilhões da
dívida interna. Com toda essa violência, o governo conseguiu baixar o câmbio por um ano, mas
apenas atrasou o ajuste externo
por esse período. O mais grave,
porém, foi ter aberto espaço para
esta nova crise de balanço de pagamentos que estamos vivendo
agora. A equipe econômica agiu
de novo de forma equivocada. Os
resultados estão aí.
Folha - Esses equívocos podem
ser responsáveis pelo desempenho
da candidatura Serra?
Bresser Pereira - Não há dúvida
de que os resultados dessa política
econômica equivocada dificultam
o candidato do governo. Qual foi
o argumento fundamental dos
candidatos de oposição? A crítica
à política econômica do governo.
Todos eles fizeram críticas ao baixo crescimento e ao aumento do
desemprego. O Serra ainda tentou mostrar os bons resultados do
governo nas áreas sociais, mas
não conseguiu passar ao eleitor.
Folha - Mas o sr. foi do governo.
Bresser Pereira - Durante os
quatro anos e meio que estive lá,
só fiquei quieto nos últimos seis
meses. De janeiro de 95 até o fim
do primeiro mandato, eu disse insistentemente ao presidente que a
política econômica estava equivocada e precisava mudar. Serra e
Paulo Renato [de Souza, ministro
da Educação" diziam a mesma
coisa. Cheguei a escrever notas, e
falava com ele a cada 30 dias, o
que era bem aborrecido para ele.
Mas ele se deixou convencer pela
equipe econômica.
De qualquer forma, FHC fez a
mudança em 99. Não é fácil tomar
uma decisão de desvalorização do
câmbio. O Brasil deve isso a ele.
Folha - A que o sr. atribui tantos
erros da equipe econômica? O sr.
não acha que a reeleição pode ter
favorecido essa política de populismo cambial?
Bresser Pereira - Eu acho que foram decisões técnicas. A reeleição
não teve nada a ver com isso. A
equipe econômica ficou fascinada
com o canto que vinha de Washington, no qual não havia má-fé:
no Norte eles não conhecem nossos problemas, mas sabem quais
são seus interesses. A equipe econômica do governo foi incapaz de
fazer as críticas necessárias.
Os empresários também aceitaram a idéia de que o desenvolvimento da economia poderia ser
financiado principalmente com
poupança externa. Ora, o Brasil
não pode ser dependente da poupança externa. Existem estudos
que mostram que, a partir de um
determinado ponto, o endividamento excessivo de um país começa a prejudicar o crescimento.
Folha - De qualquer forma, agora,
o problema é exatamente o contrário. O grande problema é o descontrole cambial?
Bresser Pereira - É verdade, agora estamos com o real subavaliado. O mercado demonstrou que é
mais forte e, apesar do esforço
contrário do BC, a taxa de câmbio
foi para o equilíbrio. Aliás, para
além do equilíbrio, chegando a
quase R$ 4, e abrindo espaço para
o acerto das contas externas, de
forma que no plano real estamos
começando a sair da crise. Hoje, já
estamos com um superávit comercial de US$ 9 bilhões ao ano.
No ano que vem, o déficit em
conta corrente estará bem próximo de zero. Se os credores externos nos derem um tempo, e se
conseguirmos manter um superávit primário de 3,75% do PIB,
nós sairemos da crise.
Folha - Quando o sr. acha que poderemos sair da crise?
Bresser Pereira - Não sei. Diante
dela o governo, corretamente, pediu socorro ao FMI e, como a função do Fundo é de emprestador
de última instância, apoiou o Brasil. Mas não foi suficiente. Os bancos credores ainda não estão renovando seus créditos.
O presidente chamou os candidatos para conversar, e as respostas foram satisfatórias. Agora, o
BC está tomando medidas corretas para frear a especulação, mas
tudo depende do que o novo presidente anunciar após a eleição.
Se as medidas anunciadas e a escolha da nova equipe forem tranquilizadoras, o crédito externo
pode começar a voltar e o país sai
da crise. Se, porém, mesmo assim
os credores mantiverem a suspensão da rolagem da nossa dívida externa, o Brasil poderá ser
forçado a suspender o pagamento
da dívida. Isto é, ser forçado à moratória, se as reservas baixarem
muito ou o câmbio subir demais,
que é a mesma coisa. Acho pouco
provável que isso ocorra, mas, se
ocorrer, é necessário que o Brasil
tenha um plano B.
Folha - Como seria esse plano B?
Bresser Pereira - Temos que defender nossas empresas e nossos
bancos, temos de defender o trabalho e o capital nacionais. Por isso, ele envolveria a centralização
do câmbio. A partir daí, o BC só
autorizaria os pagamentos externos realmente prioritários. Não
podemos fazer o que fez a Argentina. Não podemos deixar a economia à mercê de um mercado
que parou de funcionar. Espero
que isso não ocorra, mas essa não
é uma decisão nossa, e sim deles.
Folha - O sr. acha que as turbulências eleitorais foram responsáveis
por essa situação?
Bresser Pereira - Houve incompetência da equipe econômica.
Folha - O sr. tem medo de Lula?
Bresser Pereira - Não. O Serra
reúne melhores condições, mas
não creio que o Lula venha a representar um desastre para o país.
Como ele soube que para ser eleito é preciso ser moderado, sabe
que para governar é necessária a
mesma virtude. E deixou isso claro em sua campanha.
Folha - O sr. tem esperanças de
uma virada do Serra?
Bresser Pereira - O meu desejo é
que o Serra seja eleito, mas, se ele
perder, como é o mais provável,
sua derrota não se deve aos seus
erros nem à sua personalidade,
mas ao desempenho econômico
do governo, que foi muito ruim.
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