São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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ELIO GASPARI

Um caso de abafa, ou de chantagem

O PT, o PSDB e o PFL meteram-se numa briga de comadres: "Se você fizer isso, eu faço aquilo". Os trunfos tucanos são a ameaça e o receio (ou vice-versa) de uma convocação de Fábio Luiz Lula da Silva para explicar numa CPI as circunstâncias em que a empresa Gamecorp, da qual é sócio, tornou-se parceira da Telemar. Em janeiro passado, a concessionária de telefonia fixa associou-se à sua produtora de vídeos, investindo e contratando serviços num montante de R$ 5 milhões, valor quase igual ao capital de R$ 5,2 milhões da companhia.
O depoimento do empresário parece necessário e cheira a inevitável. Não só porque a Telemar associou-se a uma empresa da qual o filho do presidente da República é sócio, como também porque é pouco convincente a única explicação dada à patuléia. A consultora Trevisan disse que levou a oferta de sociedade à Telemar sem identificar os donos da Gamecorp. Vá lá. Um comentário atribuído a Lula informa que ele desaconselhou uma associação do filho com o banqueiro Daniel Dantas. O banqueiro, que controlava a Brasil Telecom, contou à CPI que sua empresa negociou com a Gamecorp sabendo que Fábio Lula era um dos sócios. Como é que a Brasil Telecom soube cedo de uma coisa que a Telemar só foi saber na última etapa da negociação?
Lula considera a discussão pública da sociedade Telemar/Gamecorp como uma invasão da vida privada de sua família. Exagero. Se a empresa de seu filho tivesse fechado uma sociedade com a metalúrgica Independência, esse raciocínio seria perfeito. Ninguém discute outros contratos da Gamecorp. Tratando-se de uma concessionária de serviço público, a história é outra.
A idéia de que se façam acordos para conceder imunidade a Fábio Luiz ofende a turma que paga impostos e contas de telefones, coloca o PSDB na posição de fingido e o PT na de sonso. Se a oposição acha que deve convocar o empresário Fábio Luiz, que o faça. Se não, o governo deve denunciar as ameaças como uma chantagem destinada a intimidar o partido do presidente da República.

A velha e boa sangria da Corte

Saiu uma boa revista de estudos da história nacional, a primeira com ênfase nas pesquisas econômicas. Chama-se "História e Economia", é dirigida pelo professor John Schulz e editada pela escola pernosticamente denominada Brazilian Business School, de São Paulo.
Um dos seus oito artigos ilumina uma das grandes perguntas da história do Império: quem tomava dinheiro de quem? São Paulo espoliou o Nordeste ou o Nordeste sugou São Paulo?
O professor Adalton Franciozo Diniz estudou os balanços de receitas e despesas do governo de 1830 a 1889 e a resposta surpreende: ambos foram explorados. Quem lucrou foi a Corte, que torrou 29% mais do que arrecadou. (Aquilo que no século 19 se chamava de Corte é uma área que a geografia deixou no Rio e a política levou para Brasília.) A província que conseguiu mais dinheiro foi o Rio Grande do Sul. Recebeu 28% mais do que arrecadou.
Em termos regionais, não há dúvida, o Sul e o Sudeste chuparam o sangue do Norte e do Nordeste. São Paulo ficou no grupo das províncias espoliadas. Recebeu 36% do que coletou. Pior aconteceu com o Rio, que ficou só com 32%. Pernambuco e Bahia tiveram de volta entre 45% e 50%.
O Império pagou 65 milhões de libras à banca internacional por conta do dinheiro que tomou emprestado. Esse ervanário foi equivalente ao total dos impostos arrecadados pela Coroa em Pernambuco, em São Paulo e no Rio de Janeiro durante 50 anos.
Um artigo do professor Schulz pede aos pesquisadores que estudem o arquivo dos Rothschild, os banqueiros do Império. Os papéis estão disponíveis e, pelo cheiro da brilhantina, ajudarão a entender como se calculavam as comissões dos negociadores da dívida.
Enriquecerão o estudo da imponente figura do barão de Penedo, embaixador em Londres e bom amigo de Leonel Rothschild.
Infelizmente, os textos não estão na internet.

Segurança companheira
Lula levou urucubaca para o referendo. Neste ano, seu governo dispôs de R$ 413 milhões para investir no Sistema Único de Segurança Pública. Só administrou R$ 22 milhões (5%, dez centavos para cada brasileiro). Noutra conta, durante os últimos 17 anos, o carnê Bolsa-Ditadura de Lula custou à Viúva R$ 1,8 milhão, em valores corrigidos. (São R$ 8.862,57 mensais, R$ 106 mil anuais, livres de imposto de renda). Como diria o companheiro: "Damos um exemplo ao mundo cuidando dos nossos superaposentados: Em 20 anos, uma dúzia deles recebe o equivalente a todos os investimentos federais em segurança num ano".

Grande dia
O alcance da sessão do STF de quarta-feira é muito maior que um placar de 7 x 3 contra José Dirceu. Só nesta semana será possível a leitura cuidadosa das notas taquigráficas. Num resumo que transforma laranja em bagaço: o Supremo não comprou a tese da beatitude do comissário mas também não deu a impressão de que acredita que ele tenha sido o único indecoroso na turma do Planalto.

Não é o Zé
Vingativo, voluntarista, violento nas suas reações políticas, ele nunca se incomodou quando a imprensa da capital noticiou que mandava tanto quanto o presidente. É possível que não consiga concluir o mandato. É Richard Cheney, vice-presidente dos EUA. Quem se dispuser a acompanhar com atenção a sua fritura aprenderá como o Ministério Público é capaz de funcionar com a precisão de um relógio e o peso de uma motoniveladora.

Boa notícia
Deu bolo a prisão espetaculosa do professor Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama, em junho passado. Ele foi acusado pelo procurador Mário Lúcio Avelar de se beneficiar de malfeitorias no mundo desmatamento. Hummel foi preso com outras 124 pessoas na Operação Curupira. O professor tinha 23 anos de serviço público, patrimônio desprezível e honra intocada. Foi algemado, passou a noite na cadeia e chorou na cela. A prisão foi relaxada sem que fosse indiciado. A partir de uma reclamação do deputado José Carlos Aleluia, o corregedor-geral do Ministério Público Federal abriu sindicância para apurar o que aconteceu. Avelar explicará sua atitude, num caso para se observar como os procuradores examinam os procuradores.

Macaquito
Em 1995, o embaixador Júlio César dos Santos chefiava o cerimonial de FFHH. Tratava de negócios com um empresário que lhe dava boca-livre no uso de jatinhos. Foi personagem do primeiro escândalo do tucanato. Acabou em pizza. O diplomata foi para o México e acabou cônsul em Nova York. Agora o doutor prestou sua colaboração à liderança continental do "nosso guia". Chamou os imigrantes hispânicos que vivem nos EUA de "cucarachos", tratamento depreciativo semelhante ao que os argentinos dão aos brasileiros quando os chamam de "macaquitos". Felizmente, a repórter Leila Suwwan ouviu e contou. Antes do episódio, Lula designou-o embaixador junto aos "cucarachos" colombianos. Júlio César dos Santos desculpou-se, mas precisa achar o telefone da pizzaria que o salvou em 1995.


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