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SUDAM
Ministro afirma que apurou denúncias imediatamente, mas, na verdade, foi obrigado a abrir duas investigações
Documento desmonta defesa de ministro
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos oficiais do próprio
governo desmontam argumentos
utilizados pelo ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional)
para defender a sua pasta do noticiário sobre desvio de dinheiro
público na Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia).
A defesa do ministro consta de
nota oficial divulgada na última
segunda-feira. A nota respondia a
texto publicado pela Folha na véspera, em que eram apontadas irregularidades em projetos de José
Osmar Borges, em Mato Grosso.
Esse empresário já obteve da Sudam mais de R$ 100 milhões.
O ministro não negou em sua
nota as irregularidades, que envolvem o uso de notas fiscais fraudulentas para comprovação de
gastos feitos com verbas do Finam, o fundo de investimento gerido pela Sudam. Fernando Bezerra afirma, porém, que a Sudam
investigou os desvios assim que
tomou conhecimento deles.
Reconstituição feita pela Folha
demonstra que, na verdade, a autarquia foi forçada a abrir não
uma, mas duas investigações,
consideradas insatisfatórias. As
ordens partiram do Ministério do
Planejamento (ofícios 454/MPO,
de 10 de outubro de 1997, e 026/
SE/MPO, de 23 de janeiro de 98).
Brasília estava incomodada
com o noticiário sobre ilícitos na
Sudam, detectados pelo procurador José Pedro Taques, lotado em
Cuiabá. A despeito dos indícios, a
Sudam concluiu pela inexistência
de irregularidades. E determinou
o arquivamento do processo.
Prejuízo milionário
Realizaram-se duas reuniões
em Brasília para discutir o assunto. Na primeira, o então superintendente da Sudam, José Arthur
Guedes Tourinho, foi informado,
conforme registra a ata do encontro, de que a apuração "não atendeu às expectativas (...) nem respondeu às questões do modo desejado." Na segunda, foi avisado
de que o assunto seria transferido
para a então Secretaria de Controle Interno (ofício 151/SE/MPO, de
5 de maio de 1998). Um ano depois, em 18 de junho de 1999, o órgão de auditoria, rebatizado de
Secretaria Federal de Controle,
apresentou relatório confidencial
de 584 páginas.
O documento registra a comprovação dos desvios detectados
pelo procurador Pedro Taques e
ignorados pela Sudam. Anota
também novas fraudes. Contabilizaram-se prejuízos à União de
mais de R$ 76 milhões.
Na nota que divulgou segunda-feira passada, Fernando Bezerra
também afirma que a Sudam,
além de investigar, "requereu à
Justiça" que aceitasse a autarquia
como "co-autora" da ação movida pelo procurador Pedro Taques. O pedido foi deferido.
O ministro diz mais: "Em despacho encaminhado ao exmo. sr.
presidente da República (...), o advogado-geral da União, Gilmar
Mendes, em 9 de maio de 2000,
informou terem sido adotadas
pela Sudam todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis".
Não é o que revela o relatório da
Secretaria Federal de Controle. A
Sudam é acusada de omissões
graves no campo jurídico. Dois
exemplos:
1) Ao visitar os projetos sob investigação, auditores do governo
pediram para ver os livros contábeis das empresas beneficiárias de
incentivos fiscais. Os administradores das firmas se negaram a exibi-los. Informada, a Sudam ficou
de braços cruzados. "Diante da
gravidade das denúncias (a Sudam) deveria ter adotado medidas coercitivas e até mesmo judiciais (...). Uma das providências
esperadas era a comunicação
imediata aos empreendimentos
de que a negativa em apresentar
documentos fiscais e contábeis
(...) implicaria suspensão de pleitos de liberação de recursos e
aprovação de projetos novos..."
Os auditores lembram que a Sudam já figurava como co-autora
da ação do Ministério Público
quando esses fatos ocorreram.
2) Além de negar suporte jurídico aos funcionários da Secretaria
Federal de Controle, a Sudam liberou dinheiro novo (R$ 6,7 milhões) para um dos seis negócios
do empresário José Osmar Borges. Ao fazê-lo, passou por cima
de um pedido do procurador Pedro Taques e de uma recomendação do então ministro Paulo Paiva
(Planejamento e Orçamento).
Ambos haviam solicitado a suspensão de repasses para projetos
sob suspeita. Em sua defesa, a Sudam alegou que só fez a liberação
porque cumpria uma ordem judicial. Referiam-se a uma liminar
obtida por José Osmar Borges. Os
auditores contra-argumentaram:
a) antes de entregar o dinheiro, a
Sudam deveria ter recorrido da
decisão "até as instâncias superiores do Judiciário"; b) a liminar
concedida ao empresário "não
proibiu a suspensão das liberações, mas apenas condicionou-as
à apuração de irregularidades pelo devido processo legal, assegurada ampla defesa".
Influência de Jader
A própria nota de Fernando Bezerra reforça a posição dos auditores ao afirmar que, desde 12 de
abril de 2000, as liberações de recursos para dois dos seis empreendimentos de Osmar Borges
estão suspensas "até o trânsito em
julgado das ações judiciais".
O titular da Integração Nacional
diz ainda em sua nota que, ao tomar posse, propôs a exoneração
de Guedes Tourinho a FHC, que a
aceitou. O que Fernando Bezerra
não conta na nota é que, antes de
ir ao Planalto, esteve no gabinete
do senador Jader Barbalho, padrinho político de Guedes Tourinho.
Jader preside o PMDB, mesmo
partido do ministro. O senador
impôs uma condição para aceitar
a saída do afilhado. Fernando Bezerra deveria nomear para o posto de superintendente da Sudam
um nome de outro afilhado: Maurício Vasconcelos. Assim foi feito.
Meses depois, Maurício foi promovido a secretário-executivo da
pasta da Integração Nacional. Indicou para a Sudam Hugo de Almeida. Fernando Bezerra diz que
Maurício e Hugo merecem a sua
confiança e afirma que a gestão de
Guedes Tourinho está sob processo administrativo-disciplinar.
Na sexta-feira, Guedes Tourinho afirmou à Folha: "Todas as
denúncias eu mandei investigar, a
mesma coisa o Maurício (Vasconcelos) fez e o mesmo está fazendo o Hélio (de Almeida), atual
superintendente. Eles têm me informado, eu conheço todos eles".
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