São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2000

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SUDAM
Ministro afirma que apurou denúncias imediatamente, mas, na verdade, foi obrigado a abrir duas investigações
Documento desmonta defesa de ministro

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documentos oficiais do próprio governo desmontam argumentos utilizados pelo ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional) para defender a sua pasta do noticiário sobre desvio de dinheiro público na Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia).
A defesa do ministro consta de nota oficial divulgada na última segunda-feira. A nota respondia a texto publicado pela Folha na véspera, em que eram apontadas irregularidades em projetos de José Osmar Borges, em Mato Grosso. Esse empresário já obteve da Sudam mais de R$ 100 milhões.
O ministro não negou em sua nota as irregularidades, que envolvem o uso de notas fiscais fraudulentas para comprovação de gastos feitos com verbas do Finam, o fundo de investimento gerido pela Sudam. Fernando Bezerra afirma, porém, que a Sudam investigou os desvios assim que tomou conhecimento deles.
Reconstituição feita pela Folha demonstra que, na verdade, a autarquia foi forçada a abrir não uma, mas duas investigações, consideradas insatisfatórias. As ordens partiram do Ministério do Planejamento (ofícios 454/MPO, de 10 de outubro de 1997, e 026/ SE/MPO, de 23 de janeiro de 98).
Brasília estava incomodada com o noticiário sobre ilícitos na Sudam, detectados pelo procurador José Pedro Taques, lotado em Cuiabá. A despeito dos indícios, a Sudam concluiu pela inexistência de irregularidades. E determinou o arquivamento do processo.

Prejuízo milionário
Realizaram-se duas reuniões em Brasília para discutir o assunto. Na primeira, o então superintendente da Sudam, José Arthur Guedes Tourinho, foi informado, conforme registra a ata do encontro, de que a apuração "não atendeu às expectativas (...) nem respondeu às questões do modo desejado." Na segunda, foi avisado de que o assunto seria transferido para a então Secretaria de Controle Interno (ofício 151/SE/MPO, de 5 de maio de 1998). Um ano depois, em 18 de junho de 1999, o órgão de auditoria, rebatizado de Secretaria Federal de Controle, apresentou relatório confidencial de 584 páginas.
O documento registra a comprovação dos desvios detectados pelo procurador Pedro Taques e ignorados pela Sudam. Anota também novas fraudes. Contabilizaram-se prejuízos à União de mais de R$ 76 milhões.
Na nota que divulgou segunda-feira passada, Fernando Bezerra também afirma que a Sudam, além de investigar, "requereu à Justiça" que aceitasse a autarquia como "co-autora" da ação movida pelo procurador Pedro Taques. O pedido foi deferido.
O ministro diz mais: "Em despacho encaminhado ao exmo. sr. presidente da República (...), o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, em 9 de maio de 2000, informou terem sido adotadas pela Sudam todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis".
Não é o que revela o relatório da Secretaria Federal de Controle. A Sudam é acusada de omissões graves no campo jurídico. Dois exemplos:
1) Ao visitar os projetos sob investigação, auditores do governo pediram para ver os livros contábeis das empresas beneficiárias de incentivos fiscais. Os administradores das firmas se negaram a exibi-los. Informada, a Sudam ficou de braços cruzados. "Diante da gravidade das denúncias (a Sudam) deveria ter adotado medidas coercitivas e até mesmo judiciais (...). Uma das providências esperadas era a comunicação imediata aos empreendimentos de que a negativa em apresentar documentos fiscais e contábeis (...) implicaria suspensão de pleitos de liberação de recursos e aprovação de projetos novos..." Os auditores lembram que a Sudam já figurava como co-autora da ação do Ministério Público quando esses fatos ocorreram.
2) Além de negar suporte jurídico aos funcionários da Secretaria Federal de Controle, a Sudam liberou dinheiro novo (R$ 6,7 milhões) para um dos seis negócios do empresário José Osmar Borges. Ao fazê-lo, passou por cima de um pedido do procurador Pedro Taques e de uma recomendação do então ministro Paulo Paiva (Planejamento e Orçamento). Ambos haviam solicitado a suspensão de repasses para projetos sob suspeita. Em sua defesa, a Sudam alegou que só fez a liberação porque cumpria uma ordem judicial. Referiam-se a uma liminar obtida por José Osmar Borges. Os auditores contra-argumentaram: a) antes de entregar o dinheiro, a Sudam deveria ter recorrido da decisão "até as instâncias superiores do Judiciário"; b) a liminar concedida ao empresário "não proibiu a suspensão das liberações, mas apenas condicionou-as à apuração de irregularidades pelo devido processo legal, assegurada ampla defesa".

Influência de Jader
A própria nota de Fernando Bezerra reforça a posição dos auditores ao afirmar que, desde 12 de abril de 2000, as liberações de recursos para dois dos seis empreendimentos de Osmar Borges estão suspensas "até o trânsito em julgado das ações judiciais".
O titular da Integração Nacional diz ainda em sua nota que, ao tomar posse, propôs a exoneração de Guedes Tourinho a FHC, que a aceitou. O que Fernando Bezerra não conta na nota é que, antes de ir ao Planalto, esteve no gabinete do senador Jader Barbalho, padrinho político de Guedes Tourinho.
Jader preside o PMDB, mesmo partido do ministro. O senador impôs uma condição para aceitar a saída do afilhado. Fernando Bezerra deveria nomear para o posto de superintendente da Sudam um nome de outro afilhado: Maurício Vasconcelos. Assim foi feito.
Meses depois, Maurício foi promovido a secretário-executivo da pasta da Integração Nacional. Indicou para a Sudam Hugo de Almeida. Fernando Bezerra diz que Maurício e Hugo merecem a sua confiança e afirma que a gestão de Guedes Tourinho está sob processo administrativo-disciplinar.
Na sexta-feira, Guedes Tourinho afirmou à Folha: "Todas as denúncias eu mandei investigar, a mesma coisa o Maurício (Vasconcelos) fez e o mesmo está fazendo o Hélio (de Almeida), atual superintendente. Eles têm me informado, eu conheço todos eles".


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