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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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NO PLANALTO

Controle externo na OAB dos outros é refresco

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A OAB é adepta do controle externo do Judiciário. Defende a submissão da Justiça à fiscalização social com intransigência só superada pela pertinácia com que advoga a tese de que as suas próprias contas estão isentas de qualquer tipo de exame externo.
Todos os conselhos profissionais em funcionamento no país -de médicos, odontólogos, arquitetos, engenheiros, economistas, contadores etc- são obrigados a submeter os respectivos livros contábeis à fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União). Há uma única e curiosa exceção: a OAB.
Os conselhos corporativos são espécies de autarquias. Exercem atividades públicas. As contribuições que recolhem dos associados são verbas parafiscais. Têm natureza similar à de um tributo. Daí a sujeição à auditagem pública.
Na quarta-feira, travou-se no plenário do TCU um lindo debate. Discutiu-se representação do Ministério Público. Assinada pelo procurador Lucas Rocha Furtado, pede a inclusão da OAB no rol de entidades sujeitas ao crivo dos auditores do tribunal.
Na platéia, além do repórter, havia um grupo de advogados. Entre eles o presidente da OAB, Rubens Approbato Machado, e seu antecessor, Reginaldo de Castro. Advogando em causa própria, a OAB deu bom dia à incoerência.
A discussão não é nova. Rasteja por escaninhos do TCU desde 1999. As páginas do processo expõem intrincada rinha jurídica. A OAB agarra-se a um veredicto de 1951. Foi proferido pelo extinto Tribunal Federal de Recursos. Diz o seguinte: "A OAB não está obrigada a prestar contas ao TCU; não recebe tributos nem gira com dinheiros ou bens públicos".
O Ministério Público alega que a ordem jurídica da década de 50 foi alterada pela Constituição de 1988. Invoca decisões posteriores do STF. Uma das sentenças, de 1996, afirma que, contra a Constituição, não há como invocar o princípio do direito adquirido.
Outra decisão do Supremo, de 1998, anota expressamente que o conselho federal e as seções estaduais da OAB são "pessoas jurídicas de direito público (autarquias)".
Um terceiro veredicto do STF, de 2000, afirma que "as contribuições parafiscais arrecadadas pelas entidades de fiscalização das profissões liberais têm caráter público, constituindo tributos".
A OAB argumenta que suas atribuições extrapolam às dos demais conselhos profissionais. Além de "fiscalizar a profissão de advogado", defende "a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social e a boa aplicação das leis [...]".
O diabo é que a inegável relevância da atuação da OAB jamais foi posta em dúvida. Discute-se apenas a conveniência de submissão das contas da entidade a algum tipo de controle público.
O Congresso também "defende a Constituição". O STF também zela pela "ordem jurídica". Nem por isso escapam à vigilância do TCU. A fiscalização é capenga. O time de "juízes" incorpora políticos aposentados, de questionável capacitação jurídica. Mas é, desgraçadamente, o que se tem.
De resto, para um brasileiro com dentes cariados, a cadeira de dentista vale mais do que a retórica de um bom advogado. Em 2000, o Conselho Federal de Odontologia recorreu ao STF para tentar livrar-se da bisbilhotice da fiscalização. Fracassou.
No ano passado, só o Conselho Federal da OAB girou R$ 54,5 milhões. Desse total, R$ 14,5 milhões foram arrancados compulsoriamente dos associados. Quem não paga é impedido de exercer a profissão.
O balanço da entidade foi auditado pela MerConsult Auditores e Consultores Associados Ltda. Há entre os próprios advogados um grupo que, sob reserva, cobra maior transparência.
No embate travado no plenário do TCU venceu, porém, a causa pouco republicana da insubmissão da OAB ao controle externo de contas. Entre os ministros presentes, três votaram contra a OAB; quatro a favor.
Um dos ministros vencidos, Walton Alencar Rodrigues, disse: "Sucessivos presidentes da OAB não se cansam de apregoar que a instituição do controle externo da magistratura não afeta a independência do Poder Judiciário porque se restringe à atividade administrativa. Apesar disso, incoerentemente, querem agora fazer crer que o controle administrativo financeiro da OAB bastaria para comprometer-lhe a independência".
O curioso é que, quando lhe convém, a OAB comporta-se como autarquia pública. Não paga nenhum tostão de imposto. A lei que a livra do Fisco (8.909) não deixa dúvidas quanto à natureza jurídica da entidade: "A OAB, por constituir serviço público, goza de imunidade tributária total [...]".
Ora, uma entidade gerida por advogados tão ciosos da "boa aplicação das leis" não deveria temer a simples auditoria pública. Mas, como se vê, o controle externo na OAB dos outros é refresco.


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