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ENTREVISTA ANTÔNIO ANASTASIA
É inútil só cortar gastos, afirma "gerente" de Aécio
Tido como técnico competente, prestígio acumulado pelo secretário de Gestão
mineiro no ajuste das contas do Estado o alçou a vice-governador no 2º mandato
VINICIUS MOTA
MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADOS ESPECIAIS A BELO HORIZONTE
O coordenador do chamado "choque de gestão"
em Minas Gerais afirma que o desprezo pelo
controle de resultados é a causa de grande parte
da ineficiência no serviço público. O prestígio
acumulado por Antônio Anastasia, 45, foi tanto que ele acabou vice-governador eleito para o segundo mandato de Aécio
Neves (PSDB). Em entrevista na capital mineira, Anastasia
criticou o ajuste fiscal tradicional -o corte linear de despesas.
Com a gestão centrada nos controles dos processos mais corriqueiros da administração, sustenta, é possível conciliar
equilíbrio orçamentário e melhora nos serviços públicos. Para ele, mais importante que mudar as regras é conhecer as
que existem a fim de obter um serviço público mais arrojado.
FOLHA - O serviço público brasileiro
é muito ineficiente?
ANTÔNIO ANASTASIA - É verdade.
Lamentavelmente o serviço
público brasileiro é ineficiente,
não por culpa dos servidores ou
dos dirigentes. É uma culpa
anônima. Está na cultura brasileira uma dedicação excessiva
com atividades-meio, com formalidades, rituais, solenidades.
Nunca houve preocupação
grande com os resultados da
administração. Sempre nos
preocupamos com a licitação e
o concurso público. Tudo isso é
muito importante, mas o Estado tem de ter preocupação
também em apresentar resultados para a sociedade que o
sustenta. Então, essa ineficiência passa muitas vezes pela ausência de foco nos resultados.
FOLHA - Qual é a peculiaridade do
ajuste fiscal feito em Minas?
ANASTASIA - Esses cortes que
normalmente são feitos, lineares e com o contingenciamento
orçamentário, agradam exclusivamente ao caixa. Há o equilíbrio financeiro, mas o resultado para a sociedade não só é pífio como piora a prestação de
serviços.
A nossa concepção foi a de
conciliar o equilíbrio financeiro do Estado com a melhoria
dos serviços públicos. Como é
possível conciliar as duas coisas? Por meio dos mecanismos
de gestão. Conseguimos o equilíbrio fiscal e, concomitantemente, alocamos esses recursos em obras, investimentos,
na melhoria do custeio.
FOLHA - Para que haja essa transformação gerencial são necessárias
mudanças nas leis?
ANASTASIA - De fato, o marco legal brasileiro é conservador e,
se ele não chega a atrapalhar,
não estimula. O processo de licitação é crônico. Para construir uma casa popular ou uma usina hidrelétrica é a mesma legislação, são as mesmas regras.
Há um princípio de isonomia
no serviço público que desestimula o seu funcionamento.
Devemos evoluir no marco
legal e também, mais importante, no conhecimento das
normas de modo a permitir
uma administração mais empreendedora, arrojada.
FOLHA - Com a grande vinculação
entre receitas e despesas públicas é
possível cortar mais gastos?
ANASTASIA - Mas o problema
não é cortar o gasto, é gastar
bem o que se tem. Todos os Estados gastam 25% em educação, mas uma coisa é gastar
25% e não ter educação de qualidade; outra é gastar em modelos de educação que mudaram
países da Europa e do Oriente.
Por que não vão mudar aqui?
FOLHA - Vai chegar uma fase de ter
de reduzir o funcionalismo?
ANASTASIA - O Brasil não tem,
pelos padrões internacionais,
um número grande de servidores per capita. Isso não existe.
Temos servidores que estão
despreparados, desmotivados,
que não estão animados a realizar um bom serviço. Então, o
problema não é cortar servidores. É dar-lhes condições.
FOLHA - A sua proposta não fica limitada quando não se pode, por
exemplo, demitir servidores?
ANASTASIA - De fato nós não podemos criar uma política de demissão, mas podemos criar estímulos positivos. Aqueles que
exercem bem seu papel vão receber benefícios maiores.
Quem não tem bom desempenho não vai ser punido, não vai
perder o que tem, mas vai deixar de ganhar e, aí, vai se entusiasmar. E seus colegas vão cobrá-lo, pois a meta é coletiva.
FOLHA - Como lidar com o problema dos cargos comissionados?
ANASTASIA - Estamos criando
um mecanismo, a certificação,
que vai minimizar esse problema. Fizemos um convênio com
a Universidade Federal de Minas Gerais para realizarmos
uma prova aberta a todos os
que atendam a determinado
perfil técnico. Os aprovados ganharão um certificado, que vai
possibilitar que um deles seja o
nomeado para aquele cargo em
comissão -a nomeação ficará
restrita àquele universo.
FOLHA - O sr. frisa que não foi adotado aqui um modelo de gestão privada. Qual a diferença?
ANASTASIA - A gestão privada se
baseia em um corpo dirigente
que é permanente e um corpo
de empregados variável. O lucro é a sua mola propulsora e a
sua regra jurídica é: pode ter tudo aquilo que a lei não proíbe.
Já o serviço público só pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza; baseia-se no
princípio de que a administração é volátil e o corpo de servidores, permanente; e seus objetivos são de natureza social.
É possível fazer uma adaptação [de aspectos da gestão privada para a pública]. Agora, não
pode haver um transplante, pegar um instrumento privado e
jogar no serviço público, porque haveria rejeição absoluta.
FOLHA - Empresas que financiaram
a campanha do governador Aécio
Neves contribuíram para fazer esse
projeto de mudança na gestão em
Minas. A fronteira entre público e
privado não está sendo ameaçada?
ANASTASIA - Não. Tivemos a colaboração de muitas grandes
empresas com atividades em
Minas, num valor financeiro irrisório, não só perto do faturamento delas como também perto do que o Estado arrecada.
O valor da doação foi de cerca
de R$ 5 milhões tão-somente.
As empresas não tiveram nenhum benefício em razão dessa
doação. O único benefício que
tiveram, elas e toda a população
mineira, foi a adoção de alguma
metodologia que melhorou o
funcionamento do Estado.
FOLHA - E o fato de o governo de
Minas ter lançado na rubrica "saúde" gastos com combate à febre aftosa, que não é doença que ameace
o ser humano, não deslustra um
pouquinho o choque de gestão?
ANASTASIA - Não, porque aqui
estamos tratando de um assunto que é muito periférico ao
choque de gestão. Essa questão
da saúde depende de uma regulamentação da emenda constitucional 29, através de uma lei complementar federal. Enquanto ela não houver, prevalecem as interpretações dos Tribunais de Contas dos Estados.
Em Minas Gerais, o TCE definiu em 2003 quais despesas
poderiam ser alocadas. Além da
despesa de saúde no seu sentido mais estrito, também foram
admitidas despesas na área de
saneamento, na área de defesa
sanitária, que são essas despesas [com febre aftosa], muito
pequenas no bolo alocado.
Então não nos parece que haja deslustre porque, se observarmos a evolução das despesas
com saúde nos últimos quatro
anos em Minas, vamos ver um
crescimento muito agudo dessa
alocação. Agora, vamos depender de uma grande discussão
no Congresso sobre o que pode
ou não ser considerado saúde.
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