São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Elio Gaspari

Letícia Sabatella fez bem ao Natal


Vive-se melhor enquanto houver gente disposta a ir para a rua sustentando aquilo em que acredita


ENTRAR NO Natal pensando na solidariedade que Letícia Sabatella deu ao bispo Luiz Cappio faz bem à alma. Nem tanto pelas razões que a levaram ao sertão baiano e a Brasília. Questão controversa, a transposição do São Francisco tem defensores e críticos cujos pontos de vista merecem atenção e respeito. O que enobrece os gestos de Sabatella é o simples exercício de suas convicções.
Suas aparições podem ter provocado algum desconforto, sobretudo em pessoas que pensam de maneira diferente. Se ela estivesse numa campanha publicitária de condomínios ou de biquínis, seria o jogo jogado. Como participa de um movimento político (ao qual sua carreira nada deve), deveria ficar calada.
Numa época de marquetagem de celebridades, essa atriz (35 anos, uma filha) é ave rara. Tem seu trabalho e suas opiniões, mas, fora delas, é uma perfeita anônima. Quem a conhece atesta que são duas as suas marcas: o profissionalismo e a inflexibilidade de opiniões políticas.
Está mais para o estilo da inglesa Vanessa Redgrave do que para a versão anos 60 de Jane Fonda, que fez fama posando numa bateria antiaérea norte-vietnamita e está pedindo desculpas até hoje.
Quando Nosso Guia elabora a teoria da metamorfose ambulante, acaba-se confundindo convicção com excentricidade. Lula revelou que "eu sei o que é greve de fome, dá uma fome danada". De fato, em 1980, quando estava preso ele liderou uma greve de fome na cela. Tinha umas balas escondidas e foi flagrado por um colega. Posteriormente, apoiou a greve dos bandidos que seqüestraram o empresário Abilio Diniz.
É irrelevante concordar com as opiniões de Letícia Sabatella para poder apreciar as suas atitudes, sempre calmas, educadas. A distância que estabeleceu na resposta à carta aberta do deputado Ciro Gomes é um exemplo disso. (Ambas foram publicadas em "O Globo"). Vive-se melhor enquanto houver gente disposta a ir ao sertão do Nordeste ou à praça do bairro para sustentar aquilo em que acredita.

LÍNGUA SOLTA
Nosso Guia deu-se na semana passada a exercícios de futurologia financeira. Mostrou-se certo de que a crise imobiliária americana repercutirá dolorosamente sobre alguns grandes bancos. Em pelo menos uma ocasião, deu nome a um boi.
Alguém precisa lembrá-lo de que o artigo 3º da lei 7.492 de 16 de julho de 1986 oferece penas de multa e reclusão de dois a seis anos para quem "divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta contra instituição financeira".

EXTERMINADORES
São dois os grandes museus brasileiros administrados pelos "homens bons" da atividade privada: o Museu de Arte Moderna do Rio e o de Arte de São Paulo. Foram criados na metade do século passado por Niomar Moniz Sodré e Assis Chateaubriand, visionários de um tempo que os anos não trazem mais.
Um pegou fogo em 1978. Tinha instalação elétrica de gafieira e o desastre custou cerca de US$ 10 milhões da época, uns US$ 200 milhões nas cotações do mercado de arte de hoje. O outro acaba de ser aliviado num Picasso e num Portinari. Tinha câmeras de vigilância interna, mas o alarme estava desligado porque incomodava os vigias. A porta de entrada não tinha proteção nenhuma. Entre o roubo e o registro da ocorrência passaram-se quase cinco horas. O golpe está avaliado em US$ 55 milhões.
Algumas elites formam coleções. Outras, desastres. Alguns "homens bons" entram para a história reanimando museus, como o banqueiro Douglas Dillon no Metropolitan de Nova York. Outros, presidem o desfalque do acervo, como o doutor Julio Lopes, barão do Masp desde 1994.

TARSO GENRO QUER DERROTAR CLIFFORD SOBEL

O embaixador americano Clifford Sobel ganhou um concorrente na disputa pelo troféu da incompetência no trato com os brasileiros que desejam viajar ao exterior. É o ministro da Justiça, Tarso Genro, sob cuja jurisdição está a Polícia Federal.
No Rio, a PF exige 69 dias de espera para tramitar os pedidos de quem quer renovar seu passaporte. Em São Paulo são 32 dias e em Porto Alegre, 73. Em todos os casos, o serviço eletrônico oferece a data de agendamento num idioma desmoralizante para um serviço público. Por exemplo: "Thursday, 6 de March de 2008". O principado de Mônaco já reclamou da má qualidade do francês das traduções do Ministério da Justiça. Coisa compreensível, pois nem português falam.
O embaixador Sobel e seu serviço consular pedem pelo menos 94 dias de espera para marcar as entrevistas dos brasileiros que solicitam visto de entrada nos EUA. (Se a vítima está em Brasília, são 114.)
Como não se pode solicitar o visto sem fornecer o número do passaporte, a dupla impõe uma espera de até seis meses a quem não o tem.
Se isso fosse pouco, a Polícia Federal adquiriu o mau hábito de alavancar suas reivindicações trabalhistas azucrinando a vida de quem sai ou regressa ao país. Esses servidores não percebem que, para muitos brasileiros, são os donos da última fila que a patuléia é obrigada a aturar e da primeira que encontram ao retornar.
A favor do embaixador Sobel deve-se registrar que a obtenção de um visto americano não é um direito natural dos brasileiros. O acesso ao passaporte é.
Sobel batalha para liderar o certame. Quando ele chegou a Pindorama, a fila dos seus consulados estava em 49 dias no Rio e 32 em Brasília. A partir da semana que vem o visto passará de US$ 100 para US$ 131.
Cobra mais caro por um serviço pior.

BOA NOTÍCIA
Serão revistos os contratos das dez concessionárias de rodovias paulistas prorrogados ao apagar das luzes da breve gestão de Cláudio Lembo.
Pode demorar um pouco, mas a sopa dos 12% de taxa de retorno vai acabar.

MÃO AO ALTO
O comissariado econômico já sabe que avançará sobre o alheio aumentando impostos relacionados com operações financeiras.
Pode ser que avance sobre os lucros da banca. O mais provável é que meta a mão no bolso da choldra que gera esses mesmos lucros.
Já há sábios pensando em taxar os cartões de crédito. Uma pesquisa feita pelo Mastercard informa que o andar de baixo detém 15% dos 90 milhões de cartões que rodam pelo país.

BOLSA DITADURA
Nosso Guia gosta de repetir que é difícil ajudar os pobres. Desde 1996, quando tinha 51 anos, embolsa um cheque de R$ 4.508 mensais, por conta de 51 dias de cadeia e um mandato sindical perdido (numa profissão que não voltou a exercer).
O repórter Vannildo Mendes informa que o Bolsa Ditadura já custou à Viúva R$ 2,45 bilhões, atendendo 24,5 mil pessoas (há mais 30 mil na fila). Como diz o professor Adib Jatene, o problema do pobre é que seus amigos também são pobres. Até hoje, nenhum camponês da região do Araguaia que foi molestado ou teve o patrimônio destruído pela tropa do Exército entre 1972 e 1974 viu a cor do dinheiro. Quem foi preso nas taperas do Araguaia com a mesma idade que Lula já completou 69 anos.
O governo promete tratar desses casos no ano que vem.


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