São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2002

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JANIO DE FREITAS
O risco da hora

Querer ganhar não é, necessariamente, o mesmo que não querer perder. Foi observando Ayrton Senna que compreendi a diferença. Mais do que agressividade, esperável em pilotos de corridas (o manso Barrichello é exceção), era com ferocidade que Senna se lançava para bater o adversário à sua frente. Certo dia, a meio de uma entrevista, liberou com forte tensão, e sem muito propósito, esta frase sobre a conduta tão exasperada: "Eu não consigo admitir que alguém esteja na minha frente".
Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu, presidente do PT, nada têm em comum com a psicologia de Senna. Mas o risco imenso que assumiram, dando como fato consumado e indiscutível que Lula se candidate pela quarta vez, há de fazer com que a sombra de uma derrota possível tenha, para ambos, um peso perturbador. Não perder ganha um significado diferente e maior que o de vencer.
Pode ser, mas não parece, que apenas por coincidência Lula e Dirceu começassem a investir tanto em aliança com o PL, à margem e acima de decisão partidária, quando se tornaram persistentes as indicações de que Roseana Sarney e Anthony Garotinho ascendem e Lula mantém-se estacionado ou perde alguma coisa. A protelação para tratar da escolha do vice indica que a idéia de alguma aliança já era considerada, mas não chega nem a sugerir que aliança não fosse na ainda chamada esquerda.
As (breves) considerações de Lula sobre a falta de condições do PT para vencer sozinho, da qual concluiu pela renúncia à candidatura se o partido não aceitar a aliança com o PL, dribla a questão verdadeira e mais séria. O que se vê em grande parte do petismo não é rejeição a aliança, mas rejeição à aliança com o PL.
A entrega da vice ao senador José Alencar seria a união a alguém que se mostra uma novidade interessante na política, pela tradução para a vida pública das suas idéias e realizações avançadas como empresário, mas, infelizmente para o PT, isso não é tudo: a aliança não se faz com o candidato a vice, é com o partido. E, embora o PL se declare de oposição e assim aja com frequência, sem renegar de todo a linha que lhe deixou o falecido deputado Álvaro Valle, são concepções muito conservadoras que o orientam, incompatíveis com o PT.
Não foi preciso muito tempo para ficar demonstrado, pela recusa do governo Fernando Henrique a políticas de inclusão social, que a aliança do PSDB com o conservadorismo do PFL fazia e faz todo sentido. A haver, porém, a aliança PT/PL, seria o caso de saber qual dois mudou. Porque, sem mudança, estaria havendo apenas utilitarismo momentâneo - impróprio da idéia que o PT difundiu de si - e tendente, na eventualidade do poder, ao divórcio conflituoso.

Comando
As forças militares dos Estados Unidos mandadas há meses para a Colômbia e o Equador tornavam-se inúteis no quadro de trégua e negociação entre o governo colombiano e a guerrilha, que detém território semelhante ao da Suíça.
As pessoas de muito boa fé, mas só se for muita mesmo, podem acreditar que foi o presidente colombiano Andrés Pastrana o autor, depois de quase quatro anos de negociações para pacificar a Colômbia, que aproveitou o tolo sequestro de um senador para instaurar a guerra dentro do seu país.

Carona
Manchete de uma página de economia do "Globo": "Pesquisa mostra que o lucro de 15 bancos cresceu 53% entre 2000 e 2001".
E os seus salários ou os seus vencimentos de funcionário, a sua aposentadoria, as deduções do imposto de renda que lhe é tomado a cada mês - você já fez as contas para ver quando cresceram por ação, também, do governo Fernando Henrique/Pedro Malan?

Atestado
Em matéria de gafe, Fernando Henrique não está mais com tudo. Barjas Negri, pelo visto, chegou para ficar. Frase sua na posse como novo ministro da Saúde, depois de trabalhar com José Serra como secretário-executivo do ministério:
"Declaramos guerra à dengue A PARTIR DE AGORA. Isso COMEÇA NO DIA DE HOJE e só pára quando acabar a dengue."
Não podia ser mais corrosivo para a candidatura de Serra. Encerrou qualquer discussão sobre responsabilidade pelo que a dengue fez e o ministério não fez até agora.


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