São Paulo, terça, 24 de fevereiro de 1998

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CELSO PINTO
Os lucros que vão para fora

Nenhum item importante nos gastos externos brasileiros no ano passado cresceu tanto quanto as remessas de lucros e dividendos. Elas chegaram ao recorde de US$ 6,608 bilhões, em termos brutos, um salto de 69% em comparação com o ano anterior e de 217% em relação a 93, o ano anterior ao Plano Real.
Entre os gastos com serviços, as despesas com viagens internacionais criaram muita polêmica e chegaram a US$ 5,446 bilhões, mas o crescimento de 195% em relação a 96 ficou abaixo do das remessas. Em 93, as remessas representavam 9,8% dos gastos com serviços; em 97, saltaram para 16,4%.
O que aconteceu? Um artigo do economista Octávio de Barros, na carta que a Sobeet (Sociedade de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica) vai lançar nos próximos dias, dá algumas pistas interessantes.
Em parte, remeteu-se mais porque o país recebeu mais investimentos externos, mas duas mudanças legais foram um estímulo extra. Outro fator pouco considerado é o peso crescente das remessas de dividendos e bonificações obtidas em investimentos em ações no Brasil, também incluídas nesta conta.
Ele descarta o argumento de alguns analistas de que a privatização teria acelerado as remessas. Em muitos casos, investidores externos têm entrado na privatização usando empréstimos internacionais, na expectativa de que a rentabilidade dos investimentos permitirá servir a dívida nos anos seguintes.
Barros sustenta, com razão, que não houve tempo para os investimentos externos mais pesados em privatizações gerarem tanto lucro. Ele não diz, mas a lógica indica que esse poderá ser um fator de peso nas remessas dos próximos anos.
Os investimentos externos chegaram ao recorde de 2,2% do PIB em 97, e as remessas são uma contrapartida natural dessa internacionalização. Especialmente porque, como observa Barros, as empresas estrangeiras aumentaram muito sua lucratividade recente no Brasil.
Duas decisões legais, contudo, também pesaram. A lei nş 9.249, de 95, eliminou o imposto de 15% que havia sobre as remessas de lucros e dividendos a partir de 96. A lógica foi igualar o sistema brasileiro ao da maioria dos países e evitar uma dupla tributação: sobre o lucro e sobre sua remessa. O fato é que a isenção estimulou as remessas.
A outra medida legal foi a criação pela Receita Federal, em 96, do pagamento de "juros sobre o capital próprio". Foi uma forma de compensar empresas capitalizadas pela eliminação da correção monetária integral nos balanços. Sem correção, ficou mais difícil para as empresas capitalizadas apresentarem lucro e, portanto, remunerarem seus acionistas.
Pagar juros sobre o capital próprio é uma forma de distribuir recursos aos acionistas, mesmo que não haja lucros. Alguns criticam a medida por induzir à descapitalização; outros a consideram um quebra-galho transitório. O fato é que inúmeras empresas e bancos, inclusive estrangeiros, têm-se utilizado dela. A única desvantagem, para uma empresa externa, é que a remessa de lucros é isenta de impostos, enquanto os juros sobre capital próprio pagam 15% de imposto.
Em 96, as remessas externas geradas por pagamento de juros sobre capital próprio somaram US$ 675 milhões. No ano passado, chegaram a US$ 1,522 bilhão, um salto de 127%. Com isso, esses pagamentos significaram 23,5% do total das remessas de lucros e dividendos.
Outra parcela importante foram as remessas de dividendos e bonificações sobre aplicações externas em ações (anexos 1 a 4). O total chegou a US$ 1,454 bilhão, ou 22,3% do total, e continuará a ser significativo enquanto as Bolsas atraírem dólares.
Outro fator óbvio que explica o salto nas remessas no ano passado foi o susto com a crise externa e o temor de uma maxidesvalorização. Barros argumenta que isso fez com que várias empresas estrangeiras antecipassem remessas. De fato, em janeiro deste ano, as remessas ficaram em US$ 307 milhões, menos da metade do que em janeiro do ano passado. Se a regra valer para o ano, é possível que as remessas sejam um pouco menores.




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