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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

Presidente da Fiesp diz que queda da confiança do consumidor preocupa

Para Piva, falta agilidade ao governo nas decisões

Paulo Giandália - 20.dez.02/Folha Imagem
O presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, quer mais empenho do BC para obter recursos externos


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

No primeiro balanço que faz do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horacio Lafer Piva, 45, começa a mostrar sinais de preocupação com a política econômica do governo. Segundo ele, o governo "tem de mostrar mais agilidade nas suas decisões".
Piva cobra principalmente do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, empenho maior para tentar trazer recursos externos para o país. Mais recursos diminuiriam o risco-país e os juros poderiam ser reduzidos.
O presidente da Fiesp também defende a ajuda do governo, via BNDES, às empresas que se endividaram em dólar.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Piva.
 

Folha - Como o sr. analisa o governo Lula?
Horacio Lafer Piva -
A confiança no governo ainda está boa; no Lula, melhor ainda. Mas a confiança dos consumidores tem caído, de acordo com os dados da Fecomércio. Não dá para continuar combatendo a inflação no Brasil com o aumento do desemprego, com a queda do salário real e com o arrocho de margem [de lucro]. Tudo isso é muito ruim.

Folha - O que aconteceu para essa piora da confiança no governo por parte dos consumidores?
Piva -
Nós apostávamos em três frentes para produzir o crescimento da economia neste ano. A primeira viria através da exportação; a segunda, através da reposição de estoques no varejo e na reposição de insumos para a indústria; e a terceira, pelo aumento do consumo da sociedade. Como os consumidores já usaram o FGTS [valores recebidos pelos expurgos ocorridos nos planos Verão e Collor 1" e o 13º salário para pagar boa parte de suas dívidas, esperávamos que eles voltassem a consumir um pouco. O que aconteceu? O governo aumentou as taxas de juros e promoveu um aumento brutal do compulsório sobre os depósitos à vista nos bancos. Isso provocou um enxugamento tão grande de recursos no mercado que tudo que esperávamos se foi. Só sobrou mesmo o mercado exportador para puxar a economia neste ano. O problema é que agora a exportação poderá ser afetada pela guerra [entre EUA e Iraque].

Folha - Por que a guerra poderá afetar as exportações?
Piva -
O fluxo de comércio pode se tornar mais protecionista, dependendo das consequências da guerra. Temos de torcer para a guerra ser muito rápida. Se a guerra durar menos de dois meses, o Brasil não vai sentir muito, mas se durar mais, vamos enfrentar dificuldades.

Folha - O que pode ser feito?
Piva -
Este é o momento de o Brasil estar mais presente nos mercados internacionais. É preciso vender melhor o Brasil lá fora e tentar diminuir o risco-país. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é um homem que tem contatos importantíssimos nas finanças internacionais. Gostaria de vê-lo mais lá fora do que aqui. Ele deveria procurar, com seus contatos, tentar restabelecer as linhas de crédito para o Brasil, que são absolutamente fundamentais para diminuir a pressão cambial. Ele deveria estar conversando com os organismos multilaterais e com os bancos internacionais para tentar trazer dinheiro para o país. As linhas de crédito estão voltando, mas de forma ainda muito lenta.

Folha - O sr. acha que o governo está parado?
Piva -
O governo tem um diagnóstico preciso sobre o que país necessita, sabe o valor da produção, sabe a necessidade de ela se tornar prioridade neste país, mas administrativamente ainda escorrega em muitas questões.

Folha - Em quais questões?
Piva -
A questão mais emblemática é o problema do Fome Zero, apesar de todo o esforço do José Graziano [ministro da Segurança Alimentar], pessoa que eu respeito muito. É claro que num começo de governo se pressupõe mesmo uma certa dificuldade até encontrar os corredores e as portas certas, mas sinto que este é o momento de se buscar mais agilidade. Eles estão há dois meses e meio -na verdade, até mais se levarmos em conta o período de transição-, já sabem onde estão as dificuldades e, por isso, têm condições de ser mais ágeis.

Folha - Como tem sido a conversa do sr. com o governo?
Piva -
Há muito tempo não tínhamos uma interlocução tão boa. Você liga para o ministro e ele te atende. O esforço todo que se está tendo com o Conselho de Desenvolvimento Econômico é legítimo e honesto, mas é preciso que as coisas comecem a acontecer. Respeitadas as margens curtas que nós temos, as coisas precisam começar a acontecer. Há ainda uma enorme vontade da sociedade brasileira e dos empresários para fazer as coisas acontecerem. É preciso adensar essa parceria entre o setor privado e o governo. Continuo insistindo -e essa é uma insistência da Fiesp- que devemos ter uma verdadeira obsessão pelo crescimento neste país. Vejo muitas vezes o mercado financeiro muito arredio a esse tipo de afirmação. O argumento é que queremos um pouco mais de inflação. Nós não queremos um pouco mais de inflação. Sempre achamos que o primeiro ano [do governo Lula] seria difícil, mas seria um ano no qual se poderia plantar uma série de coisas para começarmos a ter um crescimento sustentável a partir de 2004.

Folha - Quais devem ser as prioridades do governo?
Piva -
Temos de fazer um ajuste fiscal maior para aliviar esse excesso de política monetária, com as altas taxas de juros praticadas no país. Há quem diga que não há mais espaço para ajuste fiscal, mas tome o exemplo de São Paulo. No governo Mário Covas, o Estado fez um enorme ajuste fiscal, através de diversos mecanismos. O superávit fiscal é menos danoso para a economia do que o aumento das taxas de juros.

Folha - Como elevar o superávit?
Piva -
Nós temos uma janela de oportunidade. As reformas, por exemplo, têm de avançar. Nós não podemos deixar que as reformas, tanto a da Previdência como a tributária, fiquem em segundo plano. As duas podem caminhar juntas. Elas são absolutamente urgentes. Estou vendo certa timidez na discussão da reforma tributária. Se não fizermos uma reforma ampla, temo que a gente possa perder uma grande oportunidade. Fico apreensivo quando vejo que querem fazer uma reforma tributária menos ampla. Eles temem, por exemplo, que haja perda de arrecadação com a reforma. Garanto que não haverá perda de receita com a reforma se tivermos um sistema tributário mais equilibrado.

Folha - Como o sr. vê a atuação do BNDES?
Piva -
O BNDES começou só agora a liberar seus primeiros financiamentos. Parece que o banco teve uma preocupação honesta com as pequenas e médias empresas e de que maneira ele vai poder ajudá-las. O BNDES é uma peça fundamental, é a fonte primária de financiamentos do país. Qualquer discussão que se faça de política industrial e de substituição de importação tem de ter a participação do BNDES.

Folha - Como o sr. analisa a atuação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho?
Piva -
O Palocci não tem muito o que fazer agora. Seu papel é fundamental. Ele acaba funcionando um pouco como a variável conservadora do governo. Há muitas propostas ousadas para este momento, mas ele, na verdade, tem pouca margem para agir. Ele está consciente de que não dá para ficar nessa por muito mais tempo. Em todas as conversas que tenho tido com ele, Palocci tem manifestado claramente seu incômodo com a taxa de juros nesse nível.

Folha - O sr. acha que o governo deve ajudar as empresas em dificuldade?
Piva -
Estou vendo boa parte dessas empresas que se endividaram em dólar procurando, de alguma maneira, renegociar seus passivos. O BNDES pode ajudar, sim, nesse processo de renegociação das dívidas, mas é preciso tomar muito cuidado para que não voltemos às décadas de 60 e 70, quando escolhiam quais seriam os vencedores e os perdedores na economia. Inclusive, muitas vezes se pôs dinheiro em determinados segmentos que se sabia serem uma "ação entre amigos", ou que iriam, de alguma maneira, se constituir em problemas para o contribuinte, no futuro. No fundo, o que está acontecendo agora é que as empresas estão pagando caro por terem se endividado em dólar. Talvez algumas fiquem pelo caminho. Vai depender muito de como a economia vai se comportar daqui para a frente.

Folha - O que o sr. acha da posição mais dura do Brasil contra os Estados Unidos na questão da guerra?
Piva -
Trata-se de uma decisão política que deve estar sendo levada em conta pelo governo Lula. Não posso dizer se é certa ou errada, mas o Brasil tem sido muito afirmativo nessa posição contra a guerra. Acho que deva ser contra a guerra mesmo, mas tenho muitas dúvidas até onde se deve envolver com a crítica ao presidente dos Estados Unidos ou aos Estados Unidos. Não sei se adianta um sentimento antiamericano agora.


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