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ENTREVISTA DA 2ª
Presidente da Fiesp diz que queda da confiança do consumidor preocupa
Para Piva, falta agilidade ao governo nas decisões
Paulo Giandália - 20.dez.02/Folha Imagem
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O presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, quer mais empenho do BC para obter recursos externos |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
No primeiro balanço que faz do
governo Luiz Inácio Lula da Silva,
o presidente da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São
Paulo), Horacio Lafer Piva, 45, começa a mostrar sinais de preocupação com a política econômica
do governo. Segundo ele, o governo "tem de mostrar mais agilidade nas suas decisões".
Piva cobra principalmente do
presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, empenho maior
para tentar trazer recursos externos para o país. Mais recursos diminuiriam o risco-país e os juros
poderiam ser reduzidos.
O presidente da Fiesp também
defende a ajuda do governo, via
BNDES, às empresas que se endividaram em dólar.
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Piva.
Folha - Como o sr. analisa o governo Lula?
Horacio Lafer Piva - A confiança
no governo ainda está boa; no Lula, melhor ainda. Mas a confiança
dos consumidores tem caído, de
acordo com os dados da Fecomércio. Não dá para continuar
combatendo a inflação no Brasil
com o aumento do desemprego,
com a queda do salário real e com
o arrocho de margem [de lucro].
Tudo isso é muito ruim.
Folha - O que aconteceu para essa
piora da confiança no governo por
parte dos consumidores?
Piva - Nós apostávamos em três
frentes para produzir o crescimento da economia neste ano. A
primeira viria através da exportação; a segunda, através da reposição de estoques no varejo e na reposição de insumos para a indústria; e a terceira, pelo aumento do
consumo da sociedade. Como os
consumidores já usaram o FGTS
[valores recebidos pelos expurgos
ocorridos nos planos Verão e Collor 1" e o 13º salário para pagar
boa parte de suas dívidas, esperávamos que eles voltassem a consumir um pouco. O que aconteceu? O governo aumentou as taxas de juros e promoveu um aumento brutal do compulsório sobre os depósitos à vista nos bancos. Isso provocou um enxugamento tão grande de recursos no
mercado que tudo que esperávamos se foi. Só sobrou mesmo o
mercado exportador para puxar a
economia neste ano. O problema
é que agora a exportação poderá
ser afetada pela guerra [entre
EUA e Iraque].
Folha - Por que a guerra poderá
afetar as exportações?
Piva - O fluxo de comércio pode
se tornar mais protecionista, dependendo das consequências da
guerra. Temos de torcer para a
guerra ser muito rápida. Se a
guerra durar menos de dois meses, o Brasil não vai sentir muito,
mas se durar mais, vamos enfrentar dificuldades.
Folha - O que pode ser feito?
Piva - Este é o momento de o
Brasil estar mais presente nos
mercados internacionais. É preciso vender melhor o Brasil lá fora e
tentar diminuir o risco-país. O
presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é um homem
que tem contatos importantíssimos nas finanças internacionais.
Gostaria de vê-lo mais lá fora do
que aqui. Ele deveria procurar,
com seus contatos, tentar restabelecer as linhas de crédito para o
Brasil, que são absolutamente
fundamentais para diminuir a
pressão cambial. Ele deveria estar
conversando com os organismos
multilaterais e com os bancos internacionais para tentar trazer dinheiro para o país. As linhas de
crédito estão voltando, mas de
forma ainda muito lenta.
Folha - O sr. acha que o governo
está parado?
Piva - O governo tem um diagnóstico preciso sobre o que país
necessita, sabe o valor da produção, sabe a necessidade de ela se
tornar prioridade neste país, mas
administrativamente ainda escorrega em muitas questões.
Folha - Em quais questões?
Piva - A questão mais emblemática é o problema do Fome Zero,
apesar de todo o esforço do José
Graziano [ministro da Segurança
Alimentar], pessoa que eu respeito muito. É claro que num começo de governo se pressupõe mesmo uma certa dificuldade até encontrar os corredores e as portas
certas, mas sinto que este é o momento de se buscar mais agilidade. Eles estão há dois meses e
meio -na verdade, até mais se levarmos em conta o período de
transição-, já sabem onde estão
as dificuldades e, por isso, têm
condições de ser mais ágeis.
Folha - Como tem sido a conversa
do sr. com o governo?
Piva - Há muito tempo não tínhamos uma interlocução tão
boa. Você liga para o ministro e
ele te atende. O esforço todo que
se está tendo com o Conselho de
Desenvolvimento Econômico é
legítimo e honesto, mas é preciso
que as coisas comecem a acontecer. Respeitadas as margens curtas que nós temos, as coisas precisam começar a acontecer. Há ainda uma enorme vontade da sociedade brasileira e dos empresários
para fazer as coisas acontecerem.
É preciso adensar essa parceria
entre o setor privado e o governo.
Continuo insistindo -e essa é
uma insistência da Fiesp- que
devemos ter uma verdadeira obsessão pelo crescimento neste
país. Vejo muitas vezes o mercado
financeiro muito arredio a esse tipo de afirmação. O argumento é
que queremos um pouco mais de
inflação. Nós não queremos um
pouco mais de inflação. Sempre
achamos que o primeiro ano [do
governo Lula] seria difícil, mas seria um ano no qual se poderia
plantar uma série de coisas para
começarmos a ter um crescimento sustentável a partir de 2004.
Folha - Quais devem ser as prioridades do governo?
Piva - Temos de fazer um ajuste
fiscal maior para aliviar esse excesso de política monetária, com
as altas taxas de juros praticadas
no país. Há quem diga que não há
mais espaço para ajuste fiscal,
mas tome o exemplo de São Paulo. No governo Mário Covas, o Estado fez um enorme ajuste fiscal,
através de diversos mecanismos.
O superávit fiscal é menos danoso
para a economia do que o aumento das taxas de juros.
Folha - Como elevar o superávit?
Piva - Nós temos uma janela de
oportunidade. As reformas, por
exemplo, têm de avançar. Nós
não podemos deixar que as reformas, tanto a da Previdência como
a tributária, fiquem em segundo
plano. As duas podem caminhar
juntas. Elas são absolutamente
urgentes. Estou vendo certa timidez na discussão da reforma tributária. Se não fizermos uma reforma ampla, temo que a gente
possa perder uma grande oportunidade. Fico apreensivo quando
vejo que querem fazer uma reforma tributária menos ampla. Eles
temem, por exemplo, que haja
perda de arrecadação com a reforma. Garanto que não haverá
perda de receita com a reforma se
tivermos um sistema tributário
mais equilibrado.
Folha - Como o sr. vê a atuação do
BNDES?
Piva - O BNDES começou só
agora a liberar seus primeiros financiamentos. Parece que o banco teve uma preocupação honesta
com as pequenas e médias empresas e de que maneira ele vai
poder ajudá-las. O BNDES é uma
peça fundamental, é a fonte primária de financiamentos do país.
Qualquer discussão que se faça de
política industrial e de substituição de importação tem de ter a
participação do BNDES.
Folha - Como o sr. analisa a atuação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho?
Piva - O Palocci não tem muito o
que fazer agora. Seu papel é fundamental. Ele acaba funcionando
um pouco como a variável conservadora do governo. Há muitas
propostas ousadas para este momento, mas ele, na verdade, tem
pouca margem para agir. Ele está
consciente de que não dá para ficar nessa por muito mais tempo.
Em todas as conversas que tenho
tido com ele, Palocci tem manifestado claramente seu incômodo
com a taxa de juros nesse nível.
Folha - O sr. acha que o governo
deve ajudar as empresas em dificuldade?
Piva - Estou vendo boa parte
dessas empresas que se endividaram em dólar procurando, de alguma maneira, renegociar seus
passivos. O BNDES pode ajudar,
sim, nesse processo de renegociação das dívidas, mas é preciso tomar muito cuidado para que não
voltemos às décadas de 60 e 70,
quando escolhiam quais seriam
os vencedores e os perdedores na
economia. Inclusive, muitas vezes
se pôs dinheiro em determinados
segmentos que se sabia serem
uma "ação entre amigos", ou que
iriam, de alguma maneira, se
constituir em problemas para o
contribuinte, no futuro. No fundo, o que está acontecendo agora
é que as empresas estão pagando
caro por terem se endividado em
dólar. Talvez algumas fiquem pelo caminho. Vai depender muito
de como a economia vai se comportar daqui para a frente.
Folha - O que o sr. acha da posição
mais dura do Brasil contra os Estados Unidos na questão da guerra?
Piva - Trata-se de uma decisão
política que deve estar sendo levada em conta pelo governo Lula.
Não posso dizer se é certa ou errada, mas o Brasil tem sido muito
afirmativo nessa posição contra a
guerra. Acho que deva ser contra
a guerra mesmo, mas tenho muitas dúvidas até onde se deve envolver com a crítica ao presidente
dos Estados Unidos ou aos Estados Unidos. Não sei se adianta um
sentimento antiamericano agora.
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