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Gabinetes negociam bilhetes de deputados com agências
Câmara emite passagens em nome de pessoas que afirmam ter feito compra em empresa
Cotas de pelo menos três congressistas são usadas em esquema; servidora diz que é troca de favores e deputado fica com crédito em agência
SILVIO NAVARRO
DO PAINEL
Gabinetes de pelo menos três
deputados -Aníbal Gomes
(PMDB-CE), Dilceu Sperafico
(PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP)- emitiram bilhetes aéreos
para Paris em nome de pessoas
que jamais viram e que afirmam ter comprado suas passagens em uma agência de viagens de Brasília.
Trata-se de um esquema de
comercialização de passagens
bancadas com dinheiro público, que funciona paralelamente
à farra dos bilhetes, na qual
congressistas distribuem sua
cota para familiares e amigos
viajarem a turismo.
Um caso identificado pela
Folha se dá no gabinete de Aníbal Gomes. A servidora Ana
Pérsia, funcionária do deputado, repassa os nomes dos passageiros que viajarão com passagens de diferentes gabinetes à
Terceira-Secretaria da Casa.
A lista dos passageiros é indicada pela agência de turismo
Infinite, que funciona na galeria do Hotel Nacional de Brasília. O proprietário, Márcio Bessa, é irmão de Ana Pérsia.
A servidora da Câmara admitiu à Folha ter incluído os nomes na cota do deputado, segundo ela dentro de uma troca
de favores: ele viria a receber
créditos para voar no futuro via
Infinite. Não fica claro se esses
são devolvidos aos deputados
em bilhetes ou em dinheiro.
"Meu irmão só fazia isso porque era eu", disse.
Ela diz ainda que há um intercâmbio entre gabinetes.
"Sempre teve esse procedimento aqui, há 40 anos acontece isso. As próprias companhias aéreas não questionavam", disse. "O Vadão emprestava crédito, o Dilceu também.
A gente pedia, depois pagava
em pedacinhos e ia juntando.
Nós já atendemos o Ademir
Camilo (PDT-ES) também.
Tem deputado que quase não
usa a cota."
A cota aérea foi criada para
que o congressista pudesse fazer quatro deslocamentos
mensais ao Estado de origem.
O valor varia de R$ 4.700 a R$
33 mil, conforme o destino.
A legislação proíbe que a Câmara comercialize passagens
ou use agências, sem licitação,
como intermediárias. As agências tampouco podem aceitar
créditos da Câmara como forma de pagamento para viagens.
No caso da Infinite, como
seus passageiros voam na cota
de deputados, o dono da agência diz que devolve os valores
posteriormente, embora afirme que "nunca soube como é
bem esse processo". "Ele [deputado] tem crédito e emite em
nome de quem quiser, é verba
do deputado, para nós nunca
houve nenhum tipo de problema. De onde vinha, eu não sei,
só sei que ela me mandava o bilhete emitido [pela Câmara]."
O "pagamento", segundo ele,
vem depois. "Ela [Ana Pérsia]
liga para mim e diz que o deputado está sem crédito. Diz: "Pode emitir uns bilhetes e te pago
quando sair a verba do deputado?". Ela fica me devendo. Depois ligo para ela e falo para
emitir o passageiro, fazemos
um encontro de contas."
Quem fatura os bilhetes é a
Airlines Representações, também de Brasília. Ela funciona
como "consolidadora" das passagens, no jargão do setor. "Somos uma agência de grande
porte, revendemos passagens
para diversas agências. A Infinite comprou alguns bilhetes
nossos, é cliente", justificou a
proprietária, Valéria Firetti.
"Como o Aníbal [Gomes] é conhecido do Márcio [Bessa],
quando a verba dele demora
para sair, compra particular a
passagem e depois faz o acerto.
Mas não sei se paga com dinheiro, cheque, etc.".
Segundo ela, a procura pelas
agências é recorrente. "Muitas
vezes, deputados ou esposas de
congressistas querem pagar bilhetes com a carta de crédito,
mas eu não posso aceitar."
Um dos casos ocorreu no dia
28 de janeiro de 2008. Foram
lançados simultaneamente no
sistema da Câmara, na mesma
data e por três gabinetes diferentes -Vadão Gomes, Aníbal
Gomes e Dilceu Sperafico-, bilhetes de ida e volta, São Paulo-Paris, em nome de três passageiros: Sérgio Iannini, Ivan
Choas e Vinicius Costite.
A Folha localizou dois deles,
que confirmaram ter feito a
viagem. Os bilhetes do advogado Iannini e do comerciante
Choas, entretanto, foram adquiridos na Infinite. Ambos negam conhecer os deputados.
"Isso gera um dano moral,
sou terceiro, de boa fé. Para
mim, as passagens tinham sido
emitidas e pagas na agência",
afirmou Iannini. "Não sei o que
aconteceu, não sei quem são os
deputados", disse Choas.
Do gabinete de Aníbal Gomes também saíram bilhetes
para a família Zoghbi, de ex-diretores do Senado, que fizeram
viagens ao exterior. Os Zoghbi
também usaram passagens de
Raymundo Veloso (PMDB-BA), Zé Geraldo (PT-PA) e Armando Abílio (PTB-PB).
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