São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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Itamar ficou com o dinheiro e FFHH com a mentira

O governador Itamar Franco, rápido no gatilho para pegar FFHH no contrapé, deve-lhe um pedido de desculpas. Está convidado a encerrar a mistificação que vem promovendo em torno da retomada das obras término da duplicação da rodovia BR-381, a Fernão Dias.
No último dia 13, o jornal "Minas Gerais", órgão oficial do governo do Estado, publicou uma notícia informando que Itamar assinara a autorização para o início das obras, nas quais serão gastos R$ 160 milhões. Durante a cerimônia, no Palácio da Liberdade, o vice-governador Newton Cardoso informou: "Com o esforço do governo de Minas, conseguimos os recursos necessários junto a dois organismos internacionais, superando os entraves do governo federal". O diretor do DER mineiro disse que a obra ficará pronta em 300 dias, "mesmo com todas as pedras colocadas no caminho pelo governo federal".
A situação de FFHH está preta. Se alguém disser que ele guardava em Ibiúna a Sala de Âmbar, roubada ao Palácio de Verão do czar russo, e a deu de presente ao doutor Stanley Fischer, do FMI, haverá quem acredite. Basta jogar a pedra e seguir em frente. Quem acreditou no que o governo mineiro disse foi feito de bobo. FFHH foi injustiçado, com uma lorota de má qualidade.
O governo mineiro gastará menos nas obras da Fernão Dias do que o leitor que aqui gasta seu tempo tirou do bolso para pagar o jornal que lê. Gastará zero. A obra será financiada integralmente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pelo Banco de Cooperação Internacional do Japão. Será a única estrada do país cuja expansão nada custará ao governo estadual. Todas as outras tiveram contrapartida. A própria duplicação da Fernão Dias, iniciada no governo Hélio Garcia e continuada no de Eduardo Azeredo, foi financiada com uma contrapartida de 25%.
Em vez de colocar "entraves" ao processo de financiamento, o governo federal agiu com lisura e elegância, dando ao mineiro o respeito que merece. A rodovia é federal e o tomador do empréstimo foi o governo federal. Poderia ter avocado a obra, mas delegou-a ao governo mineiro.
Se houve atraso na negociação com o BID e com os japoneses, ele se deveu à desqualificação da primeira concorrência, feita pelo governo de Itamar Franco. Quem a desqualificou foi o BID, FFHH não teve nada a ver com isso. O "entrave" esteve no número restrito de empresas qualificadas para receber a obra.
Itamar fez a festa e viu-se entravado pelo ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, que até quinta-feira passada não tinha publicado no "Diário Oficial da União" a liberação dos recursos. Coisa de R$ 40 milhões, que estavam prometidos para o início da semana. Quando se menciona o ministro Eliseu Padilha (da banda bandeada do PMDB), vale lembrar que a esta altura ele está mais próximo de seja lá o que for do que de FFHH.
Enquanto foi presidente, Itamar não se valeu da raiva e de patranhas para debilitar seus inimigos. Se resolveu usar esses recursos como candidato oposicionista, problema dele.
Em tempo: é possível que FFHH tenha dado a sala do czar a Stanley Fischer. Com suas paredes tomadas por painéis de âmbar esculpido, era uma das jóias barrocas da coroa russa e a mais bela peça do Palácio de Verão. Foi desmontada pelas tropas alemãs que saquearam a casa, em 1941. Seu destino tornou-se um dos maiores mistérios da história. Pode ter sido derretida durante o bombardeio de um castelo, na Prússia, mas também pode estar inundada numa caverna polonesa. Ou soterrada numa mina de sal alemã. Também pode estar por aí, pois em 1997 apareceram dois pedaços da jóia. Como se pode acusar FFHH de tudo, independente de nexo, prova ou responsabilidade, não custa dizer que ele teve a sala escondida em Ibiúna. Soa chique.

O golpe das primárias é primário

A história das primárias é pura fantasia. Deriva de uma malandragem de marqueteiros e destina-se a enganar a patuléia. Coisa simples: as pesquisas indicam que qualquer candidato indicado por FFHH está condenado à derrota. Para evitar essa injeção letal, inventa-se uma prévia e finge-se que o candidato foi indicado pelas bases partidárias, como se FFHH não tivesse nada com isso.Não há normas para regular essas prévias, assim como não há quem saiba quantos são os eleitores. Nem que tipo de eleitores serão.
O partido com mais militância e filiações confiáveis é o PT, que está fora dessa tramóia. Tem 800 mil eleitores alistados. O PFL, partido de onde saiu a idéia, não sabe informar quantos filiados tem. Estima que sejam 2 milhões. O PSDB acha que tem entre 800 mil e 1 milhão de filiados. O PMDB (com todas as suas bandas) diz que tem 6 milhões. Noves fora as rãs de Mme. Barbalho. O PPB também não sabe o número preciso, nem aproximado na centena de milhar. Estima que sejam 2 milhões. Quem quiser levar essas prévias a sério precisa acreditar que a base partidária efetiva do PFL é oito vezes maior que a do PT. Mesmo sem conhecer um único pepebista sem mandato nem emprego público, deve admitir a possibilidade de que sua base seja duas vezes e meia maior que a do PT. Depois, nada lhe custará acreditar em Papai Noel.

A bomba da informalidade é tucana

Coisas da aliança tucano-pefelê e de sua capacidade de gerar empregos para seus pássaros. O ministro da Previdência, Roberto Brant, foi a Washington e disse no Banco Interamericano de Desenvolvimento que a Previdência brasileira pode explodir, por conta do crescimento do setor informal. A população ativa do país está em 70 milhões, mas só 28 milhões estão no mercado formal, com carteira assinada. Descobriu a roda.
O desmanche do trabalho formal é uma obra do governo que sempre apoiou. Mais: ele começou, ostensivamente, na gestão do ministro Paulo Paiva, que falava em queda da "carteira formal assinada". O que era isso, nunca contou. Em fevereiro de 1997, um de seus sábios assessores (Jorge Jatobá) disse o seguinte: "Eu acho que o grande mecanismo de ajuste do mercado de trabalho brasileiro não foi o desemprego, foi mais a informalização". Naquele ano, pela primeira vez, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu abaixo de 50% da força produtiva. Hoje bateu em 40%.
Paiva descolou um emprego formal no BID e vive feliz, com plano de previdência pago pela choldra interamericana.
Brant admite que a bomba do trabalho informal explodirá nas mãos do novo governo. Falta o doutor Jatobá concordar em repetir sua declaração durante os programas eleitorais do ano que vem.

Entrevista

Leonardo Barata

(Fundador e diretor do Museu da Aviação e da Segunda Guerra, em Natal)
Desde 1997 o senhor vem batalhando para que se preserve toda a área do velho complexo aéreo de Natal, da rampa dos hidroaviões à pista e às instalações da base americana que lá operou durante a guerra. Na quarta-feira, o repórter Larry Rohter levou a sua briga para as páginas do "The New York Times". O senhor acha que esse reforço vai lhe ajudar?
Tomara. Eu quero preservar o registro da importância de Natal e do Brasil na história da conquista aérea do Atlântico Sul. Durante a Segunda Guerra, essa área foi chamada de "Encruzilhada do Mundo". Infelizmente, enfrento um pacto da mediocridade associada à especulação imobiliária. A prefeitura de Natal acaba de negar R$ 38 mil para que o museu faça a reprodução do material iconográfico que reuni. São mais de 3.000 fotografias e cerca de 12 horas de filmes. Há um, pouco conhecido, da passagem do presidente Franklin Roosevelt pela base. Negaram o dinheiro, mas deram R$ 276 mil a uma entidade dirigida pela mulher do senador Fernando Bezerra para organizar uma festa junina que durará três noites. O museu que organizei nunca recebeu um tostão de dinheiro público. Há uma desatenção enorme para a importância histórica desse sítio. Aqui pousou o primeiro avião a atravessar o Atlântico Sul, pilotado pelo brasileiro Ribeiro de Barros, em 1922. Em 1930 chegou a primeira esquadrilha, trazida por Italo Balbo. Charles Lindbergh desceu em 1933, Amélia Earhardt veio em 1937, 29 dias antes de cair no Pacífico. Em 1941, com a chegada dos americanos em guerra, escreveu-se outra página histórica. Eles viam Natal como um dos quatro principais pontos estratégicos do mundo, junto com o canal de Suez e os estreitos de Gibraltar e de Bósforo. Houve época em que a base de Natal foi a de maior movimento no mundo, com aviões decolando a cada três minutos. Era o único caminho para a Inglaterra, com escala na África. Eu estimo que passaram por aqui algo como 500 mil soldados americanos. É um dos sítios históricos mais importantes da Segunda Guerra e corre o risco de ser canibalizado.
Qual a sua proposta?
O tombamento e a preservação dos dez hectares à beira do rio Potengi. Nele estão a pista e pelo menos 21 prédios que fizeram parte da base. Inclusive aquele onde está a rampa por onde Franklin Roosevelt entrou em território brasileiro. Desses dez hectares, seis estão sob a jurisdição do Exército, impecáveis. Quatro estão com a FAB, que canibalizou prédios, arrendou áreas para restaurantes, boates e quiosques. Deixou que algumas construções se deteriorassem. Agora, sob o argumento de que basta tombar uma pequena parte da área, arma-se um esquema pelo qual serão construídos um shopping center, um porto e um aquário. Depois, pode acreditar, virão edifícios para a classe média alta. Já alteraram o gabarito da região. Vai virar um mafuá. Eu pedi ao Instituto do Patrimônio Histórico que tombe a área, mas o processo está andando devagar enquanto a especulação anda depressa, talvez para provocar fatos consumados.
O repórter Larry Rohter diz que há a suspeita de que se queira apagar o passado da presença americana. Como a área foi tomada meio no peito, isso faz sentido?
Pode ser e, se for, é estupidez. As bases de Natal, ao lado da FEB, são a grande contribuição brasileira para a derrota do nazismo. Se o governo de Getúlio Vargas vacilou, o problema foi do governo, não do Brasil. Esse vacilo faz parte da nossa história e ninguém conseguirá escondê-lo. Os documentos revelam que os americanos começaram a planejar o uso do saliente nordestino em operações militares já em 1939. Fizeram um levantamento que mapeou da geologia às principais casas da cidade, inclusive a do bispo. Prepararam cinco projetos denominados Arco-Íris. O Arco-Íris 1 é do final de 1939. Outro projeto, de 1940, chamado Pote de Ouro, previa o desembarque de 100 mil homens no litoral nordestino. Em outubro de 1941, começou a ser feito o Plano Lilac, concluído em conjunto com os ingleses. Mobilizava, de saída, 15 mil homens. No final de 1941, pouco antes do ataque japonês a Pearl Harbor, os americanos começaram a organizar o Plano Borracha. De todos, foi o que mais avançou. Marcava a invasão para o dia 22 de fevereiro de 1942, começando com o bombardeio, antes do amanhecer, de três praias (a do Meio, a da Areia Preta e a dos Banhos). Bombardeariam também as defesas antiaéreas e desembarcariam algo como 5.000 homens. Uma parte dessa tropa viria no USS Texas, que hoje é museu, e no cruzador Ranger. Previam que suas baixas ficariam em torno de 1.700 homens. Os americanos chamavam o desembarque desses fuzileiros de "a vanguarda da primeira operação de desembarque anfíbio dos EUA na Segunda Guerra Mundial".
Depois de Pearl Harbor, eles tomariam o saliente de qualquer maneira. Só um ignorante é capaz de achar o contrário. Quatro dias dias depois do ataque japonês, desceu em Natal a primeira ala de um esquadrão aeronaval. Eram seis Catalina. Traziam cerca de 60 homens. Sete dias depois, vieram 50 fuzileiros. Eram poucos e amistosos, mas desceram no peito. Depois, Getúlio salvou a face e sua posição na História. Entre o ataque a Pearl Harbor e o início da operação de guerra no Brasil, passaram-se apenas quatro dias.



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