São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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EUA precisam mudar de postura, diz ecólogo

DO ENVIADO AO RIO

O ecólogo americano Thomas E. Lovejoy pode ser considerado, sem susto, um dos maiores especialistas em diversidade biológica do planeta. Foi ele, aliás, quem cunhou a expressão -mais tarde abreviada para biodiversidade-, no início da década de 80.
Há 37 anos pesquisando na Amazônia, Lovejoy, 60, foi um dos principais personagens da Eco-92. Também é um dos autores da idéia segundo a qual os países detentores de grande biodiversidade poderiam trocar parte de suas dívidas pela conservação.
O americano, que hoje chefia a área de biodiversidade do Banco Mundial e preside o Centro Heinz para Ciência e Ambiente, em Washington, veio ao Rio dez anos depois para ajudar a montar um consenso ambiental capaz de convencer o governo de seu país, os EUA, de que dinheiro e conservação não são contraditórios.
"As maiores conquistas ambientais dos EUA se deram em governos republicanos [partido do presidente George W. Bush"", diz. "Não dá para entender como a conservação foi interpretada como um impedimento ao crescimento e não uma oportunidade."
Em entrevista à Folha numa manhã chuvosa em Copacabana, Lovejoy falou sobre a posição dos EUA e sobre o progresso na área ambiental desde 1992.

Folha - Como é estar de volta às negociações da Cúpula da Terra no Rio dez anos depois? O sr. está mais otimista ou pessimista?
Thomas Lovejoy -
Boa pergunta. São sentimentos misturados. As boas notícias são que isso claramente está na agenda em vários países de maneira que não estava antes. O que parece estar faltando é a unidade de propósitos que havia em 1992. E isso é desencorajador, embora compreensível.
O que nós temos de fazer é ir além dessa discussão entre ricos e pobres, para realmente lidar com os problemas no conjunto. Eu acho que as nações mais ricas são muito responsáveis por essa divisão ter crescido tanto.

Folha - O sr. acha que o abismo cresceu desde o Rio?
Lovejoy -
Sim. E os EUA, claro, não têm sido um bom jogador. Para pôr as coisas de um jeito mais diplomático, o país não se ateve às responsabilidades que a maior parte das pessoas acha que ele tem. Eu só posso esperar que um dos resultados do 11 de setembro seja uma maior percepção do quanto estamos conectados com o resto do mundo.

Folha - O sr. disse dez anos atrás, na abertura da Eco-92, que acreditava numa dinâmica de última hora que pudesse salvar a conferência, que parecia destinada ao fracasso. O sr. acha que algo do tipo pode salvar Johannesburgo?
Lovejoy -
(risos) Eu sinceramente espero que sim!

Folha - Mas dá para ir além da esperança?
Lovejoy -
É sempre difícil responder a essas coisas, mas quando a hora chega, muito frequentemente há muita atividade. Pode bem ser o caso, porque esse último encontro em Bali [última reunião preparatória para a Rio + 10" não chegou nem perto de ser uma oportunidade para isso.

Folha - O ministro do Meio Ambiente do Brasil, José Carlos Carvalho, reclamou em Bali de que os países ricos, liderados pelos EUA, estavam insistindo em retroceder em pontos que já haviam sido acordados na Eco-92. Como o sr. vê a posição dos EUA e especialmente as diferenças entre George Bush pai [presidente dos EUA na época da Eco-92" e George Bush filho?
Lovejoy -
(enrubesce) Eu tenho de ser cuidadoso aqui, para não criar problemas para a minha organização. Se você olhar para a história ambiental dos EUA, boa parte das conquistas na área nos anos 70 vieram sob administrações republicanas. É uma surpresa para a maioria. Ar limpo, água limpa, convenção sobre espécies ameaçadas, tudo isso aconteceu em governos republicanos.
O difícil de entender é como o que é uma agenda conservadora (e conservação e conservador têm a mesma raiz) foi mal-interpretada pelos conservadores republicanos como um impedimento ao crescimento econômico e não uma oportunidade. É isso o que precisamos fazer: mudar o pensamento. As nações que liderarem essas idéias vão se beneficiar.

Folha - O sr. acha que a questão ambiental foi chutada da lista de prioridades mundiais, se é que já esteve nela algum dia?
Lovejoy -
Duas coisas aconteceram. Uma é que parte da agenda ambiental foi integrada em agendas gerais. Isso é bom. Olhe para o número de novas áreas protegidas. Olhe para as novas leis de proteção à biodiversidade. Muita coisa foi internalizada. Mas perdeu a urgência. Está na agenda, mas lá embaixo.

Folha - Nesses dez anos, poucas das recomendações da Agenda 21 foram implementadas. É possível que o conceito de desenvolvimento sustentável esteja errado?
Lovejoy -
Eu acho que a questão é como você define o desenvolvimento sustentável e como sabe quando o atingiu. Eu acho que uma das chaves para medi-lo é olhar para a biologia da região. Pegue o sul da Flórida, por exemplo. No momento, suas espécies características incluem muitas em perigo. Isso se deve ao desenvolvimento local, particularmente o uso da água. Isso indica que o desenvolvimento não é sustentável e o governo está gastando bilhões de dólares para reverter algumas coisas que fizeram com a água.
Então, podemos olhar para regiões e usar a biologia como um medidor da situação. Isso não significa que você não precise prestar atenção à parte social e econômica. O que quer dizer é que, quando você não estiver manejando a parte social e econômica sustentavelmente, vai afetar a biologia. Então nós precisamos produzir medidas reais. (CA)


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