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EUA precisam mudar de postura, diz ecólogo
DO ENVIADO AO RIO
O ecólogo americano Thomas
E. Lovejoy pode ser considerado,
sem susto, um dos maiores especialistas em diversidade biológica
do planeta. Foi ele, aliás, quem cunhou a expressão -mais tarde
abreviada para biodiversidade-,
no início da década de 80.
Há 37 anos pesquisando na
Amazônia, Lovejoy, 60, foi um
dos principais personagens da
Eco-92. Também é um dos autores da idéia segundo a qual os países detentores de grande biodiversidade poderiam trocar parte
de suas dívidas pela conservação.
O americano, que hoje chefia a
área de biodiversidade do Banco
Mundial e preside o Centro Heinz
para Ciência e Ambiente, em
Washington, veio ao Rio dez anos
depois para ajudar a montar um
consenso ambiental capaz de
convencer o governo de seu país,
os EUA, de que dinheiro e conservação não são contraditórios.
"As maiores conquistas ambientais dos EUA se deram em
governos republicanos [partido
do presidente George W. Bush"",
diz. "Não dá para entender como
a conservação foi interpretada como um impedimento ao crescimento e não uma oportunidade."
Em entrevista à Folha numa
manhã chuvosa em Copacabana,
Lovejoy falou sobre a posição dos
EUA e sobre o progresso na área
ambiental desde 1992.
Folha - Como é estar de volta às
negociações da Cúpula da Terra no
Rio dez anos depois? O sr. está mais
otimista ou pessimista?
Thomas Lovejoy - Boa pergunta.
São sentimentos misturados. As
boas notícias são que isso claramente está na agenda em vários
países de maneira que não estava
antes. O que parece estar faltando
é a unidade de propósitos que havia em 1992. E isso é desencorajador, embora compreensível.
O que nós temos de fazer é ir
além dessa discussão entre ricos e
pobres, para realmente lidar com
os problemas no conjunto. Eu
acho que as nações mais ricas são
muito responsáveis por essa divisão ter crescido tanto.
Folha - O sr. acha que o abismo
cresceu desde o Rio?
Lovejoy - Sim. E os EUA, claro,
não têm sido um bom jogador.
Para pôr as coisas de um jeito
mais diplomático, o país não se
ateve às responsabilidades que a
maior parte das pessoas acha que
ele tem. Eu só posso esperar que
um dos resultados do 11 de setembro seja uma maior percepção do
quanto estamos conectados com
o resto do mundo.
Folha - O sr. disse dez anos atrás,
na abertura da Eco-92, que acreditava numa dinâmica de última hora que pudesse salvar a conferência, que parecia destinada ao fracasso. O sr. acha que algo do tipo
pode salvar Johannesburgo?
Lovejoy - (risos) Eu sinceramente espero que sim!
Folha - Mas dá para ir além da esperança?
Lovejoy - É sempre difícil responder a essas coisas, mas quando a hora chega, muito frequentemente há muita atividade. Pode
bem ser o caso, porque esse último encontro em Bali [última reunião preparatória para a Rio + 10"
não chegou nem perto de ser uma
oportunidade para isso.
Folha - O ministro do Meio Ambiente do Brasil, José Carlos Carvalho, reclamou em Bali de que os
países ricos, liderados pelos EUA,
estavam insistindo em retroceder
em pontos que já haviam sido acordados na Eco-92. Como o sr. vê a
posição dos EUA e especialmente
as diferenças entre George Bush
pai [presidente dos EUA na época
da Eco-92" e George Bush filho?
Lovejoy - (enrubesce) Eu tenho
de ser cuidadoso aqui, para não
criar problemas para a minha organização. Se você olhar para a
história ambiental dos EUA, boa
parte das conquistas na área nos
anos 70 vieram sob administrações republicanas. É uma surpresa para a maioria. Ar limpo, água
limpa, convenção sobre espécies
ameaçadas, tudo isso aconteceu
em governos republicanos.
O difícil de entender é como o
que é uma agenda conservadora
(e conservação e conservador têm
a mesma raiz) foi mal-interpretada pelos conservadores republicanos como um impedimento ao
crescimento econômico e não
uma oportunidade. É isso o que
precisamos fazer: mudar o pensamento. As nações que liderarem
essas idéias vão se beneficiar.
Folha - O sr. acha que a questão
ambiental foi chutada da lista de
prioridades mundiais, se é que já
esteve nela algum dia?
Lovejoy - Duas coisas aconteceram. Uma é que parte da agenda
ambiental foi integrada em agendas gerais. Isso é bom. Olhe para o
número de novas áreas protegidas. Olhe para as novas leis de
proteção à biodiversidade. Muita
coisa foi internalizada. Mas perdeu a urgência. Está na agenda,
mas lá embaixo.
Folha - Nesses dez anos, poucas
das recomendações da Agenda 21
foram implementadas. É possível
que o conceito de desenvolvimento
sustentável esteja errado?
Lovejoy - Eu acho que a questão
é como você define o desenvolvimento sustentável e como sabe
quando o atingiu. Eu acho que
uma das chaves para medi-lo é
olhar para a biologia da região.
Pegue o sul da Flórida, por exemplo. No momento, suas espécies
características incluem muitas em
perigo. Isso se deve ao desenvolvimento local, particularmente o
uso da água. Isso indica que o desenvolvimento não é sustentável e
o governo está gastando bilhões
de dólares para reverter algumas
coisas que fizeram com a água.
Então, podemos olhar para regiões e usar a biologia como um
medidor da situação. Isso não significa que você não precise prestar atenção à parte social e econômica. O que quer dizer é que,
quando você não estiver manejando a parte social e econômica
sustentavelmente, vai afetar a biologia. Então nós precisamos produzir medidas reais. (CA)
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