São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

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LOBBY INTERNACIONAL

Documentos revelam que, para os Estados Unidos, presença de empresa norte-americana em projeto brasileiro "fomenta seus interesses"

EUA avaliam Sivam como vitória geopolítica

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Para os Estados Unidos, a presença da companhia norte-americana Raytheon no comando do fornecimento de equipamentos e software ao Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia, que será inaugurado amanhã) não foi apenas uma questão comercial. Foi uma vitória geopolítica.
Documentos oficiais norte-americanos de 1994 obtidos pela Folha mostram que, para os EUA, a conquista do Sivam pela Raytheon seria uma oportunidade para "fomentar os interesses do governo dos EUA" e "maximizar a influência tecnológica e de sistemas dos EUA nos operadores do Sivam" -no caso, os militares brasileiros.
Revelam também quais interesses: "nas áreas de monitoramento ambiental, da segurança de tráfego aéreo e das atividades de combate aos narcóticos".

A Raytheon e o Brasil
Quarta maior companhia do setor de defesa dos EUA, a Raytheon é uma das grandes fornecedoras de equipamentos ao Pentágono. No ano passado, faturou US$ 4,1 bilhões. Em julho de 1994, venceu sua concorrente francesa Thales (ex-Thomson) no processo de seleção para o Sivam. Como revelou a Folha ontem, a Raytheon foi favorecida pelos serviços de inteligência dos EUA e ela ajuda de um militar brasileiro, o tenente-brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, então coordenador do processo de seleção.
Pelo contrato fechado entre a Raytheon e o governo brasileiro, caberia à companhia apenas fornecer equipamentos e software. Ela ficaria excluída da administração do sistema de aquisição de dados e do processamento de informações. Essas duas incumbências ficariam a cargo do governo brasileiro, que terá exclusividade para usar e ceder a quem quiser as informações colhidas pelos radares do sistema.
O Sivam custou US$ 1,4 bilhão e é formado por um sistema de software, radares transportados, aviões e bases fixas e móveis. Ciente da sensibilidade política do projeto, a Raytheon distribuiu no Brasil, nos últimos anos, folhetos publicitários sustentando que o sistema será operado por brasileiros "para manter o destino estratégico das riquezas da região em mãos brasileiras".
Apesar disso, os arquivos sobre o Sivam obtidos pela Folha nos EUA mostram que, sob a ótica do governo americano, a fronteira entre o fornecimento de equipamentos e a disponibilidade de dados é muito mais tênue.
Essa ótica ficou mais evidente nas semanas finais da aprovação do Sivam, como mostra telegrama do então embaixador dos EUA no Brasil, Melvin Levitsky, enviado no dia 13 de junho ao Departamento de Estado, ao Departamento de Comércio e ao USTR (escritório de representação comercial dos EUA).
"Lembramos às agências de Washington que este projeto representa não apenas uma oportunidade comercial muito importante (este é um projeto de US$ 1 bilhão), mas também representa uma excelente oportunidade para fomentar os interesses do governo dos EUA nas áreas de monitoramento ambiental, da segurança de tráfego aéreo e das atividades de combate aos narcóticos, para citar apenas algumas. Ter o projeto instalado por um consórcio liderado pelos EUA fortaleceria nossa posição nessas questões. O apoio a este projeto e suas metas foi transmitido ao governo brasileiro pelos mais altos escalões."
Em outro telegrama, de 6 de julho de 1994, Levitsky lembra que a vitória da Raytheon irá "maximizar a influência tecnológica e de sistemas dos EUA nos operadores do Sivam e, potencialmente, com esforços complementares de interdição da Polícia Federal."
Outros telegramas trocados entre o Departamento de Estado, a embaixada norte-americana em Brasília e assessores da Casa Branca retratam o Sivam como um sistema que produzirá dados disponíveis para os EUA na mesma velocidade e proporção nos quais estarão disponíveis aos brasileiros. Os EUA viam a vitória da Raytheon no Sivam como um instrumento de sua própria política de combate ao narcotráfico colombiano e de preservação da Amazônia. Em nenhum dos 400 documentos a que a Folha teve acesso é dito que o Sivam é um avanço benéfico para o hemisfério mesmo se a companhia francesa fosse declarada a vencedora.

Ajuda brasileira
Equivocada ou não, a impressão de que os EUA teriam acesso aos dados do Sivam com a vitória da Raytheon pode ter nascido de uma conversa entre o brigadeiro Oliveira e o próprio embaixador Levitsky, em junho de 1994.
Oliveira coordenava o processo de seleção das empresas fornecedoras de equipamentos ao projeto e faltava pouco mais de uma semana para a apresentação das propostas finais da Raytheon e da Thomson. Levitsky queria assegurar a vitória da Raytheon e, em outro telegrama a Washington, disse claramente que o brigadeiro Oliveira prometeu a ele que os dados do Sivam estariam disponíveis aos EUA.
"A vantagem principal para os objetivos e metas do esforço norte-americano antinarcóticos será a criação de um sistema de monitoramento numa região antes aberta à exploração por narcotraficantes", informa Levitsky no telegrama enviado a Washington. "Uma melhora significativa na cooperação hemisférica ocorrerá se a rede Sivam for integrada à Rede de Radares da Bacia Caribenha [CBRN". O brigadeiro Oliveira, gerente de programa do Sivam, fez uma oferta no sentido de tal integração durante o encontro que manteve com o embaixador em junho de 1994. Oliveira também afirmou claramente que as informações geradas pelo Sivam podem ser compartilhadas com o governo norte-americano."


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