São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Relatório-2002 é apelo por maior democracia

DO COLUNISTA DA FOLHA

O Relatório do Desenvolvimento Humano-2002, divulgado ontem, não precisa de mais do que os dois primeiros períodos da introdução para dizer claramente qual é o seu enfoque:
"Este Relatório do Desenvolvimento Humano é, antes e acima de tudo, a respeito da idéia de que a política é tão importante para o desenvolvimento bem-sucedido quanto a economia. A redução sustentada da pobreza requer crescimento equitativo -mas requer também que os pobres tenham poder político".
Simples, claro e direto ao ponto, mas nem por isso menos polêmico, como o próprio relatório admite. No fundo, o texto recupera as idéias que deram ao indiano Amartya Sen o Prêmio Nobel de Economia em 98. Sen diz que democracia faz bem à saúde da economia e da população em geral.
Argumenta que cerca de 10% da população da ditatorial Coréia do Norte morreram de fome aguda desde 95, ao passo que a democrática Índia passou por várias frustrações de safra, desde a independência em 47, mas nunca enfrentou fome em grande escala.
Se há, de fato, essa correlação entre democracia e desenvolvimento humano, o mundo hoje deveria estar bem melhor do que há 20 anos. Afinal, diz o relatório, nos anos 80 e 90 "o mundo fez dramáticos progressos na abertura dos sistemas políticos e na expansão das liberdades políticas".
Em números: 140 dos quase 200 países do mundo têm eleições multipartidárias. O que falhou, então? "A democracia não entregou [as benesses prometidas"."
O Brasil é comparado a outro país latino-americano bem mais pobre, a Costa Rica. "A Costa Rica, o país latino-americano de democracia mais estável, alcançou 1,1% de crescimento da renda per capita anual, entre 75 e 2000, mais rápido do que a média regional de 0,7%, e goza da mais equitativa distribuição de renda, educação e saúde", diz o texto.
"Mas no Brasil a democracia coexiste com desigualdades econômicas e sociais que estão entre as maiores do mundo."
A agenda desenhada pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), responsável pelo relatório, é exatamente mais democracia ou, o que dá no mesmo, melhor governança, interna e globalmente.
A definição para boa governança é abrangente e exigente: "não se trata apenas de os juízes serem treinados, mas se eles observam o devido processo legal e são cegos às diferenças de raça e de classe. Não se trata apenas de escolas serem construídas, mas se os estudantes em áreas pobres são tão bem equipados quanto estudantes nas áreas ricas".
Aprofundar a democracia, para o estudo, poderia criar "um círculo virtuoso de desenvolvimento, na medida em que a liberdade política equipa as pessoas para pressionar por políticas que expandam as oportunidades econômicas e sociais e em que o debate aberto ajuda as comunidades a determinar suas prioridades".
O Brasil volta a aparecer, agora como menção positiva. No caso, o orçamento participativo adotado pelo PT em Porto Alegre, que, diz o texto, "ajudou a realocar gastos para prioridades críticas para o desenvolvimento humano".

Obstáculos
O aprofundamento da democracia, admite o documento, colide com duas realidades. Primeiro, financiamento de campanhas políticas. O relatório cita o caso de Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, que gastou US$ 74 milhões, contra US$ 17 milhões de seu principal oponente.
Segunda realidade: "os partidos políticos estão em declínio em muitas partes do mundo".
Mas há "novos meios de o povo participar no debate ou atividades públicas". No lado mais promissor, dois grandes destaques: a "explosão" no número de ONGs, que eram apenas 1.083 em 1914, e, em 2000, já haviam pulado para 37 mil -considerando apenas as que têm ação internacional. O Brasil é de novo menção positiva, com suas 210 mil ONGs.
Segundo ponto positivo: o fortalecimento da mídia independente. O relatório atribui a transparência das eleições de 2000 em Gana, país de escassa tradição democrática, aos esforços de estações privadas de rádio. Mas, neste capítulo, há um lado inquietante, dado pela concentração da propriedade. No Reino Unido, por exemplo, quatro grupos são donos de 85% dos jornais diários.
Tudo somado, o relatório é um apelo para que a democracia seja "um conjunto de princípios e valores básicos que permita às pessoas pobres ganhar poder por meio da participação, ao mesmo tempo em que são protegidas de ações arbitrárias sobre suas vidas de governos, corporações multinacionais e outras forças".
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Crescimento do IDH se desacelera
Próximo Texto: Orçamento: Governo corta R$ 4 bi, mas favorece parlamentares
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.