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Relatório-2002 é apelo por maior democracia
DO COLUNISTA DA FOLHA
O Relatório do Desenvolvimento Humano-2002, divulgado ontem, não precisa de mais do que
os dois primeiros períodos da introdução para dizer claramente
qual é o seu enfoque:
"Este Relatório do Desenvolvimento Humano é, antes e acima
de tudo, a respeito da idéia de que
a política é tão importante para o
desenvolvimento bem-sucedido
quanto a economia. A redução
sustentada da pobreza requer
crescimento equitativo -mas requer também que os pobres tenham poder político".
Simples, claro e direto ao ponto,
mas nem por isso menos polêmico, como o próprio relatório admite. No fundo, o texto recupera
as idéias que deram ao indiano
Amartya Sen o Prêmio Nobel de
Economia em 98. Sen diz que democracia faz bem à saúde da economia e da população em geral.
Argumenta que cerca de 10% da
população da ditatorial Coréia do
Norte morreram de fome aguda
desde 95, ao passo que a democrática Índia passou por várias
frustrações de safra, desde a independência em 47, mas nunca enfrentou fome em grande escala.
Se há, de fato, essa correlação
entre democracia e desenvolvimento humano, o mundo hoje
deveria estar bem melhor do que
há 20 anos. Afinal, diz o relatório,
nos anos 80 e 90 "o mundo fez
dramáticos progressos na abertura dos sistemas políticos e na expansão das liberdades políticas".
Em números: 140 dos quase 200
países do mundo têm eleições
multipartidárias. O que falhou,
então? "A democracia não entregou [as benesses prometidas"."
O Brasil é comparado a outro
país latino-americano bem mais
pobre, a Costa Rica. "A Costa Rica, o país latino-americano de democracia mais estável, alcançou
1,1% de crescimento da renda per
capita anual, entre 75 e 2000, mais
rápido do que a média regional de
0,7%, e goza da mais equitativa
distribuição de renda, educação e
saúde", diz o texto.
"Mas no Brasil a democracia
coexiste com desigualdades econômicas e sociais que estão entre
as maiores do mundo."
A agenda desenhada pelo
PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento),
responsável pelo relatório, é exatamente mais democracia ou, o
que dá no mesmo, melhor governança, interna e globalmente.
A definição para boa governança é abrangente e exigente: "não
se trata apenas de os juízes serem
treinados, mas se eles observam o
devido processo legal e são cegos
às diferenças de raça e de classe.
Não se trata apenas de escolas serem construídas, mas se os estudantes em áreas pobres são tão
bem equipados quanto estudantes nas áreas ricas".
Aprofundar a democracia, para
o estudo, poderia criar "um círculo virtuoso de desenvolvimento,
na medida em que a liberdade política equipa as pessoas para pressionar por políticas que expandam as oportunidades econômicas e sociais e em que o debate
aberto ajuda as comunidades a
determinar suas prioridades".
O Brasil volta a aparecer, agora
como menção positiva. No caso, o
orçamento participativo adotado
pelo PT em Porto Alegre, que, diz
o texto, "ajudou a realocar gastos
para prioridades críticas para o
desenvolvimento humano".
Obstáculos
O aprofundamento da democracia, admite o documento, colide com duas realidades. Primeiro,
financiamento de campanhas políticas. O relatório cita o caso de
Michael Bloomberg, prefeito de
Nova York, que gastou US$ 74
milhões, contra US$ 17 milhões
de seu principal oponente.
Segunda realidade: "os partidos
políticos estão em declínio em
muitas partes do mundo".
Mas há "novos meios de o povo
participar no debate ou atividades
públicas". No lado mais promissor, dois grandes destaques: a "explosão" no número de ONGs, que
eram apenas 1.083 em 1914, e, em
2000, já haviam pulado para 37
mil -considerando apenas as
que têm ação internacional. O
Brasil é de novo menção positiva,
com suas 210 mil ONGs.
Segundo ponto positivo: o fortalecimento da mídia independente. O relatório atribui a transparência das eleições de 2000 em
Gana, país de escassa tradição democrática, aos esforços de estações privadas de rádio. Mas, neste
capítulo, há um lado inquietante,
dado pela concentração da propriedade. No Reino Unido, por
exemplo, quatro grupos são donos de 85% dos jornais diários.
Tudo somado, o relatório é um
apelo para que a democracia seja
"um conjunto de princípios e valores básicos que permita às pessoas pobres ganhar poder por
meio da participação, ao mesmo
tempo em que são protegidas de
ações arbitrárias sobre suas vidas
de governos, corporações multinacionais e outras forças".
(CLÓVIS ROSSI)
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