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ENTREVISTA DA 2ª/FRANCISCO DE OLIVEIRA
Para Oliveira, as causas dessa mudança estariam na perda de autonomia dos governos sobre a economia nacional e na quebra das identidades de classe
A política interna se tornou irrelevante, diz sociólogo
"O PSOL ESTÁ em busca de uma miragem." Quem afirma é Francisco de
Oliveira, 72, professor titular aposentado de sociologia da USP e um
dos fundadores do partido, após ter se desligado, em
2003, do PT, sigla que também ajudara a formar. Oliveira afirma que a candidata do partido à Presidência
da República, Heloísa Helena, "não deve passar dos
15%" e que, mesmo em candidaturas futuras, o PSOL
não tem condições de vir a se tornar um partido capaz
"sequer de pautar a política brasileira".
Raimundo Paccó/Folha Imagem
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Francisco de Oliveira, que atuou na fundação do PSOL e na do PT |
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"A única coisa que o PSOL
pode fazer [na política nacional] é ser uma espécie de Grilo
Falante, uma espécie de consciência crítica", afirma Francisco de Oliveira.
Não se trata de incapacidade
específica da legenda, mas da
constatação, ele diz, de que a
política se tornou completamente irrelevante. Entre as
causas deste fato, para ele incontornável, estão a financeirização da economia -que tira a
autonomia de decisões dos governos nacionais- e a quebra
das identidades de classe e sua
representação em partidos políticos -também decorrente
das transformações recentes
do capitalismo.
Na entrevista a seguir, Oliveira relaciona o Bolsa-Família e a
política de cotas para negros a
esse fim da política e diz que o
PT pós-Lula pode ter o mesmo
destino do peronismo argentino -com a criação de grupos
gangsterizados que disputariam o espólio da penetração
política e simbólica, a partir de
programas sociais, entre os
mais pobres.
O sociólogo relaciona ainda o
crescimento da facção criminosa PCC e os recentes ataques
em São Paulo ao desenvolvimento do capitalismo no país,
que, de acordo com ele, funciona em parte na ilegalidade e
"não respeita nenhuma institucionalidade".
A seguir, trechos da conversa, realizada em seu escritório,
em São Paulo.
FOLHA - Como o sr. vê a subida de
Heloísa Helena no Datafolha? Como
o sr. vê suas chances eleitorais?
FRANCISCO DE OLIVEIRA - Ela pode
crescer mais alguns pontos,
mas não para passar dos 15%.
Não acredito. O eleitorado que
vai votar em Heloísa é fácil de
se presumir. São ex-petistas,
desiludidos com o PT, e, de outro lado, gente não necessariamente partidarizada decepcionada com o governo Lula ou
que acha que o Alckmin não é
nada. É nessa faixa que ela navega e vai crescer no máximo
até 15%.
FOLHA - O sr. fazia a avaliação, já
há algum tempo, de que havia um
esgotamento da política, de sua capacidade de representar possibilidade de mudança. O sr. acha que a candidatura dela e o PSOL podem representar uma saída para isso?
OLIVEIRA - Seria desejável, mas
eu não acredito. O fenômeno da
irrelevância da política é muito
profundo. A candidatura agora,
ou outra do PSOL repetida no
futuro, será uma espécie de desafogo, mas com muito poucas
chances de ser majoritária e
muito poucas chances de tornar-se hegemônica e sobretudo
de pautar politicamente. Os
partidos não têm noção das raízes dessa irrelevância da política. Nem o PSOL. Ele imagina
que pode refazer um partido tal
como o PT foi na sua origem.
FOLHA - Não há possíveis semelhanças entre Heloísa Helena e o Lula nos anos 80?
OLIVEIRA - Apesar de tudo, não
há nenhuma semelhança entre
os dois partidos. No sentido de
bases e de poder pautar a política brasileira. O PT pautou. A
única coisa que o PSOL pode fazer é ser uma espécie de Grilo
Falante, uma espécie de consciência crítica, mas sem possibilidades de hegemonia, sem
possibilidades sequer de pautar
a política brasileira.
Essa é uma conclusão muito
dura, para mim mesmo e para
os militantes em geral. É preciso pesquisar as razões da irrelevância da política hoje, e não só
no Brasil. Aqui, isso tem um
efeito devastador. Aqui, o fundo da irrelevância da política é a
desigualdade. Não é mais plausível, para nenhum de nós, que
você possa, por meio da política, atravessar o Rubicão. Não é
mais possível.
A formação do PT foi algo
muito específico. É preciso não
esquecer que ele se formou
dentro da ditadura, com um
movimento sindical em ascensão, numa espécie de eco de um
Estado de Bem-Estar privatizado. Trabalhadores de certos ramos, sobretudo do metalúrgico, tinham planos de benefícios
muito importantes. Era privatizado porque eram as empresas que davam. Esse movimento estava em ascensão -não como agora, que está em refluxo.
E é importante não esquecer
que aconteceu simultâneo a
um movimento de democratização muito importante. Foi
dentro desse movimento que o
PT nasceu.
Esse conjunto é irrepetível.
As forças sindicais foram muito
desgastadas. A queda de sindicalização é vertical. Os petroleiros foram arrasados pelo Fernando Henrique Cardoso.
Além disso há um movimento
de reestruturação produtiva,
misturado à globalização, que
devastou as fileiras do operariado. Não tem a conjuntura e a
estrutura de forças que fizeram
o PT. O movimento sindical, tal
como o conhecemos, e tal como
ele formou a pauta social e política dos anos 70, não existe
mais. Aquele tipo de movimento sindical não existe mais e
não existirá. O PSOL está,
portanto, em busca de uma
miragem.
FOLHA - Há alguma relação entre
isso que o sr. descreve e o governo
Lula?
OLIVEIRA - Tomem a última declaração de bens de Lula. A metade de seu patrimônio está em
aplicações financeiras. O paradoxo é que ele está à testa de
um governo que endivida o
país, e essa dívida é parte do seu
patrimônio. É a cobra mordendo o próprio rabo. É apenas emblemático. Onde ele aplica? Como não é um especulador da
bolsa, provavelmente em títulos da dívida pública. Não é só o
Lula. Quem tiver um pouco de
dinheiro vai fazer a mesma coisa. Ele aumenta o patrimônio
graças ao endividamento do governo que preside.
Sua posição política é completamente irrelevante. Faça o
que fizer, está amarrado nessa
financeirização do Estado. Isso
não começou com ele, evidentemente. Seu governo até faz
um esforço de reduzir a relação
da dívida com o PIB. Com o
Fernando Henrique, isso foi de
1 para 10. Isso financeirizou a
economia e amarrou-a às determinações de fora. Este é o fator principal da irrelevância da
política. Todas as relações sociais estão mediadas agora pela
relação externa.
A política interna perdeu a
capacidade de dirigir a sociedade. Qualquer que seja a relação,
ela tem que passar pelas relações externas. Isso quebra na
espinha a política. Política é escolha. Política é opção. Mais ou
menos, todos agora têm que seguir a mesma regra.
FOLHA - O sr. não reconhece
nenhum mérito na política social do
governo Lula, no Bolsa-Família? O
sr. chegou a dizer que Lula exclui os
trabalhadores da política, quando
perguntado sobre o programa e as
possíveis relações entre Lula e Getúlio Vargas.
OLIVEIRA - As analogias entre
Lula e Getúlio estão sendo propagandeadas aos quatro ventos. Até ele, quando líder sindical contrário a todas as criações
sindicais da era varguista, até
Lula agora quer se identificar
com o Getúlio. Reafirmo: são
antípodas. Lula não tem nada
que ver com Getúlio. É o oposto. Lula não é populista, porque
ele não faz o movimento de
incluir o proletariado na política -ele faz o movimento de
excluí-lo. Como é que pode?
Pode no momento em que todas as medidas do governo são
contra a centralidade do trabalho na política.
O Bolsa-Família é algo que se
pode entender a partir da irrelevância da política. Não adianta dizer que é assistencialista
-isso é óbvio. De forma pedante, poderíamos dizer que o Bolsa-Família é uma criação foucaultiana. Um instrumento de
controle, em primeiro lugar.
Restaura uma espécie de clientelismo que não leva à política.
Ela passa a ser determinada
não por opções, mas pela "raça". Não é raça em termos raciais, é a "raça" da classe. É pelas suas carências que você é
classificado perante o Estado. A
política se constrói pelas carências. Então é abominável.
Seria cínico dizer que é uma
porcaria total, porque tem gente que come por causa do Bolsa-Família. Do outro lado, é isso. É
a morte da política. Acabou a
história de você depender das
relações de força, das relações
de classe para desenhar as políticas sociais. Elas são desenhadas agora por uma espécie de
dispositivo foucaultiano.
Quanto você tem de renda, qual
é o seu estatuto de miserável, aí
a política é desenhada. É uma
clara regressão.
FOLHA - Não é mais desenhada a
partir de direitos universais.
OLIVEIRA - De jeito nenhum. É
um dispositivo. Da mesma forma que as cotas, que as ações
afirmativas. É também um dispositivo. É o paradoxo. É uma
antipolítica na forma de uma
política. Porque a desigualdade
é tão abissal no Brasil que é difícil você resistir que é preciso
um estatuto especial para você
tratar da questão racial.
Vejo a questão das cotas no
mesmo registro que o Bolsa-Família. É uma biopolítica. As
relações sociais não suportam
mais uma política que na verdade envolva escolhas, opções e
política. Seu substituto é um
dispositivo foucaultiano.
FOLHA - Qual a função do PT hoje?
Ele foi um catalisador de demandas
nas últimas décadas.
OLIVEIRA - O papel transformador do PT se esgotou. As razões
são essas [da irrelevância da
política]. O PT ficou dependente de Lula e não vai se libertar
nunca mais. Talvez o PT tenha
o destino do peronismo. Com
essa política do Bolsa-Família,
ele vai muito fundo, até as camadas mais pobres. E isso provavelmente fique como um legado para o PT pós-Lula. O que
é extremamente perigoso, porque o partido peronista pós-Perón se tornou uma confederação de gangues. Eles se matam
entre si. Eu não descarto esse
cenário para o PT.
FOLHA - Grupos internos disputando um espólio?
OLIVEIRA - Que é o peronismo.
É isso. Grupos que disputam
um espólio, numa luta interna
que é um fenômeno extraordinário. A diferença do peronismo em relação a outras experiências chamadas populistas é
que ele foi fundo. A ponto de visitarmos o cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, e o túmulo de Evita ter flores novas
todos os dias. Chegaram aos
mais pobres dos pobres. Isso o
PT faz por meio do Bolsa-Família. Mas a aura transformadora do PT se foi, como no próprio peronismo.
FOLHA - Como isso que o sr. chama
de esgotamento da política se liga
com o dia-a-dia brasileiro, com a violência urbana, por exemplo?
OLIVEIRA - É algo muito sério. É
o rabo do rnitorrinco, que surgiu agora. Um sinal de que o capitalismo periférico não respeita nenhuma institucionalidade.
Ele está se lixando para elas. A
institucionalidade criada nos
últimos dois séculos não
agüenta o capitalismo periférico. Ela é incapaz de regular os
conflitos postos pela marcha
forçada do capitalismo periférico. Por todos os lados que você olhe, é tudo furado. Não tem
uma regra que possa ser obedecida durante três meses. Nenhuma. Em qualquer atividade
econômica. Tudo ultrapassa a
regra institucional.
Por causa de sua velocidade.
O pesado imposto que ele impõe para você acompanhar a
marcha. O Brasil não tem condição de acompanhá-la. Eu fico
espantado. A velocidade dessa
espécie de remodelação permanente é espantável.
Isso desbarata qualquer regra. E aí vem o pior, que são os
vasos comunicantes. A fronteira entre o legal e o ilegal acabou. Não existe. Estabeleceu-se
um sistema de vasos comunicantes, e o PCC está no meio
disso tudo. Deve estar no meio
de altos negócios. Trata-se de
uma questão de negócios.
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