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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

Guillermo Fernández de Soto nega que acordo entre países seja "união dos subdesenvolvidos"

Para andinos, bloco tem "grande potencial"

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A formação de um bloco de países sul-americanos não é a "união dos subdesenvolvidos", mas a integração de uma região que possui grandes recursos naturais e um importante potencial de crescimento, na avaliação do secretário-geral da Comunidade Andina (CAN), o colombiano Guillermo Fernández de Soto. "[A América do Sul] não é uma região nada desprezível. Claro que ainda falta um caminho grande para percorrer, mas as potencialidades são muito significativas", diz.
Ex-chanceler do presidente Andrés Pastrana (1998-2002), Fernández diz que a integração da região deve acontecer com uma "anestesia" financeira, por meio da ação dos organismos multilaterais de crédito para financiar obras de infra-estrutura e o desenvolvimento dos países mais pobres, a exemplo do que aconteceu no processo de integração da União Européia.
Para ele, o tamanho do Brasil e o peso de sua economia, a maior da América do Sul, não devem se traduzir em hegemonia do país dentro de um eventual novo bloco regional. "O Brasil já demonstrou que quer a integração sem hegemonias", disse ele.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele à Folha, por telefone, de Lima, sede da CAN:
 

Folha - Quais são as vantagens da integração para os países do Mercosul e da Comunidade Andina?
Guillermo Fernández de Soto -
Não se trata simplesmente da criação de um acordo de livre comércio, mas de avançar na criação de um espaço sul-americano, que tem uma importância formidável. São 500 milhões de habitantes. Não somente na questão do comércio, mas também no aspecto político, na integração física e na cooperação financeira, geraria uma força enorme para as negociações internacionais.

Folha - Muitos que defendem essa integração citam a União Européia como exemplo. A integração entre Mercosul e Comunidade Andina seria como uma UE dos subdesenvolvidos?
Fernández -
Não chamaria assim. Se analisarmos as características da América do Sul, vemos que é uma região que concentra cerca de 35% da biodiversidade do mundo. Só a região andina e o Brasil têm 24% da água doce do mundo. É uma região rica em energia, em gás, em carvão, em minerais. Portanto, não é uma região nada desprezível. Claro que ainda falta um caminho grande para percorrer, mas as potencialidades são muito significativas.
Além disso, no atual contexto da globalização, não tenho nenhuma dúvida de que o melhor que podemos fazer os sul-americanos é nos unirmos, não seguirmos sós.

Folha - E essa união serviria como base para negociações multilaterais, como as para a formação da Alca?
Fernández -
A Alca já tem uma dinâmica de negociação própria. O que se prevê é uma Alca negociada por setores, por etapas. Portanto, prever que se pode negociar de bloco a bloco é prematuro. Mas, sem dúvida, as coincidências do bloco sul-americano fortalecerão posições em muitos aspectos comuns nas negociações da Alca. E também nas negociações com a Europa, ou com os países da Ásia.

Folha - A integração pressupõe gastos, com obras de infra-estrutura, ajuda aos países menos desenvolvidos para reduzir as diferenças, entre outras coisas. Considerando que a maioria dos países enfrenta crises financeiras, existe dinheiro para pagar essa integração?
Fernández -
A Europa fez uma integração com o que eu denomino anestesia. Não podem nos pedir para fazer uma integração sem essa mesma anestesia. Na Europa, a anestesia foram os fundos de coesão regional.
Por isso, a Comunidade Andina, na proposta que fez há alguns dias ao Mercosul, na cúpula de Montevidéu, propôs um programa de cooperação que contemple, entre outras coisas, o pleno aproveitamento dos mecanismos existentes de financiamento do comércio e dos investimentos para a melhoria da capacidade produtiva dos países e regiões, tudo com o propósito de melhorar a competitividade global.
Em segundo lugar, poder avançar no grande programa de integração física, chamado Iirsa [Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul], no qual estamos trabalhando, dedicando os mecanismos financeiros adequados. Por isso nossa insistência em que o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e a Corporação Andina de Fomento estabeleçam os recursos necessários para essa "anestesia".

Folha - O fato de o Brasil ser a maior economia da região e ter mais de 20% de toda sua população significará ao país liderar esse processo de integração? Existe algum medo, entre os países da CAN, de que isso aconteça?
Fernández -
O Brasil assinalou como uma de suas prioridades na política externa a aproximação com a América do Sul e a criação desse espaço sul-americano. E já demonstrou, por meio do presidente Lula e do chanceler Amorim, que quer isso sem hegemonias, com uma abertura muito significativa reconhecida pelos chefes de Estado andinos.


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