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VARGAS, 50 ANOS
Quatro pesquisadores discutem a memória política do Brasil no século 20
Ambigüidades de Getúlio
aproximam brasilianistas
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
O brasilianista Jeffrey Lesser
conta que entendeu um pouco sobre a relação que os brasileiros
mantêm com a memória política
do século 20 no dia em que foi visitar o Palácio do Catete, no Rio.
"O quarto de Getúlio Vargas está ali. Mas as pessoas não sobem
as escadas. Aquilo não é lembrado como o lugar onde ele se matou. Vai-se ao cinema, à lojinha. É
um outro espaço, e o mais incrível
é que ninguém esteja protestando: "mas porque não estamos
lembrando o grande Getúlio?"."
O mesmo local deixou duas impressões diferentes em Joseph L.
Love: "Visitei o Catete em 1965,
quando as estruturas políticas de
Vargas foram quase desfeitas.
Voltei em 2002, e o museu tinha
virado um monumento, salientando o tom martirológico".
Para discutir a imagem histórica
de Getúlio a partir de um olhar estrangeiro, a Folha ouviu os brasilianistas Jeffrey Lesser, 43, da Universidade de Emory, na Georgia
("A Negociação da Identidade
Nacional"); Barbara Weinstein,
52, da Universidade de Maryland
("Vargas Morto: The Death and
Life of a Brazilian Statesman",
com Daryle Williams); Joseph L.
Love, 66, da Universidade de Illinois ("O Regionalismo Gaúcho");
e James Green, 52, presidente da
Brazilian Studies Association.
Weinstein diz que, no meio acadêmico internacional, Getúlio é
considerado "pioneiro da política
corporativista/nacionalista/populista na América Latina, ainda
que a imagem de admirador de
conceitos fascistas perdure".
Para Green, "Getúlio é totalmente desconhecido nos EUA.
Duvido que uma em mil pessoas
saiba que o Brasil lutou junto aos
aliados na Segunda Guerra". Para
ele, a visão generalizada de Getúlio para estrangeiros que têm certa noção da história do Brasil é a
de "um demagogo nacionalista
com forte apoio popular".
Já Lesser se impressiona com o
fato de Getúlio ter sido praticamente esquecido em São Paulo
mesmo. "Apesar de ter sido sempre um inimigo dos paulistas, é
incompreensível que uma cidade
que tem sua história ligada à indústria não pense em Getúlio."
O historiador vê uma relação
frágil dos brasileiros com o passado recente. "Ouro Preto é um
símbolo colonial, mas o Estado
Novo sumiu da memória." A razão, crê, é o fato de a ditadura ter
promovido um rompimento.
Mas não teria a Argentina vivido uma ditadura muito mais severa do que a brasileira? E não estão os argentinos até hoje discutindo o legado de Perón?
"Sim. O peronismo ainda é presente na política argentina. Por
que vemos nas livrarias de Buenos Aires livros sobre o peronismo em Tucumán e aqui nada se
fala do varguismo em Belo Horizonte? É parte da cultura brasileira a idéia de que o passado não é
muito importante", diz Lesser.
O historiador considera a volta
de Getúlio um dos aspectos mais
"fantásticos" de sua trajetória. "É
difícil imaginar, depois da Guerra,
os líderes fascistas derrotados voltando. E isso só foi possível porque um lado de Getúlio trabalhou
com a idéia de democracia."
Para Weinsten, a ambigüidade
política contribuiu para que sua
memória não se fixasse. "O suicídio provocou simpatia entre o povo e fez avançar as carreiras dos
herdeiros do getulismo. Mas, com
o tempo, as ambigüidades de seu
legado reapareceram, e sua imagem, por conta disso, diminuiu na
memória coletiva."
Ao olhar para Getúlio no contexto latino-americano, Green faz
um alerta. "Existe um divisor entre o Brasil e a América Latina.
Getúlio não entrou no imaginário
desses países como aconteceu
com Perón (Argentina), Haya de
La Torre (Peru), Cárdenas (México) ou Fidel (Cuba). Esses são
símbolos da América Latina. Vargas não teve a mesma influência
continental duradoura."
Ao compará-lo com o general
Juan Domingo Perón, ainda,
Green acha que, apesar de a volta
de ambos ter criado esperanças
parecidas, seus projetos foram diferentes: "Perón voltou mais conservador. Vargas reapareceu com
um projeto à esquerda".
Apesar das comparações que se
formulam entre Getúlio, Perón e
outros líderes latino-americanos
do século passado, Love recusa-se
a ver Vargas como um produto típico de seu tempo: "Não vejo nada de típico em Getúlio. Não foi
grande orador nem uma personalidade magnética, como os típicos
caudilhos hispano-americanos.
Passou de uma postura política
para outra, e transformou o país
em um quarto de século. Teve a
vantagem de não ter aderido sinceramente a qualquer doutrina".
Ambíguo, contraditório, populista, fascista; típico caudilho latino-americano ou estrategista visionário. Adjetivos e paradoxos
não faltam na descrição de Getúlio pelos brasilianistas. É fato, porém, que sua complexidade ainda
é um importante atrativo para os
historiadores estrangeiros. "Getúlio ainda é objeto de grande interesse, senão de fascinação. Na historiografia da América Latina, seu
lugar é absolutamente seguro justamente por ter sido uma figura
tão complicada", diz Weinstein.
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