São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 2005

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Marcelo Coelho critica petistas por "busca do poder pela via televisiva"

DA SUCURSAL DO RIO

Para o sociólogo Marcelo Coelho, colunista da Folha, a tensão na relação entre os intelectuais e o PT começa na maneira com que foi concebida a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, e não na crise atual. Foi o que Coelho afirmou ontem, em sua palestra no seminário "O Silêncio dos Intelectuais", na Maison de France, na cidade do Rio de Janeiro.
O sociólogo argumentou que "o problema começa quando se passa a apostar em uma conquista de poder fundamentada não no esclarecimento da população e na lucidez, mas no marketing, na profissionalização da mistificação, da falta de transparência", disse ele, criticando a "busca do poder pela via televisiva" determinada, na sua visão, pela cúpula do PT em 2002.
"Não se pode estar de acordo com isso. Nem falo nas alianças políticas extravagantes, com PTB e PL, que nem a lógica da razão de Estado torna aceitáveis. Quando se investe na mentira, nenhum intelectual deveria estar apoiando", afirmou ele, acrescentando que não tem mais expectativas em relação ao PT.
Coelho estendeu sua crítica a políticos e jornalistas, mas disse que a imprensa está desempenhando um papel melhor do que o dos intelectuais.
"Observando o comportamento de uma camada intelectual voltada à defesa de partidos, tanto do PSDB quanto do PT, parece ter restado aos jornalistas a apuração da verdade. Com todos os erros e precipitações, procurou-se investigar ao máximo o poder, algo que os intelectuais não foram capazes de fazer", disse.

Verdade e justiça
Na palestra "Verdade e Contra-Verdade", Coelho procurou fazer uma revisão do papel dos intelectuais a partir do fim do século 19, quando o escritor francês Émile Zola produziu o libelo "J'Accuse" ("Eu Acuso") e se recusou a aceitar calado a condenação do capitão Dreyfus, acusado injustamente -e de forma anti-semita, pois era judeu- de passar informações militares para os alemães.
"Escritores de prestígio, da Academia Francesa, diziam que não podiam intervir, pois era um assunto de segurança nacional, que a honra do Exército devia ser preservada. Mas em torno do lema "Verdade e Justiça", Zola e outros artistas, como Proust, Monet e Anatole France, conseguem a revisão do processo", disse Coelho, ironizando que essa é uma das poucas histórias com "final feliz" para a esquerda.
Para ele, verdade e justiça não podem ser vistas como idéias metafísicas, mas como alvos concretos a serem perseguidos pelos intelectuais em contraposição ao pragmatismo adotado pelos ideólogos. "Há [hoje] um certo culto da realidade, como se ela fosse assim mesmo e não houvesse muito o que fazer. Acho que os intelectuais têm de continuar seguindo os ideais de cem anos atrás", afirmou.
Assim como Marilena Chaui em sua palestra, Coelho abordou criticamente a atuação nos anos 50 de Jean-Paul Sartre, o mais notório dos "intelectuais engajados". Para ele, Sartre traiu o papel do intelectual ao faltar com a verdade durante os três anos (1953 a 56) em que esteve ligado ao Partido Comunista Francês.
A atuação de Sartre como comunista o teria levado a defender mentiras: "Ao voltar de uma viagem à União Soviética, em 1954, Sartre declarou: "A liberdade de crítica é total na União Soviética". Todos sabiam que não era. Só em 56, com a invasão de Budapeste [pelos soviéticos], é que a ficha caiu para ele e muitos outros", disse Coelho, para quem a posição de Sartre está entre os muitos "erros" e "vexames" da história dos intelectuais.
O sociólogo também comentou a defesa de princípios universais por outro escritor francês, André Gide, e as idéias do livro "A Traição dos Intelectuais" (ou "A Traição dos Clérigos"), escrito por Julien Benda em 1927 e hoje visto como maniqueísta e ingênuo.
"Acho que Benda merece ser revisto. Para ele, o intelectual tem o dever de ser inoportuno sempre que a verdade e a justiça forem inoportunas", disse Coelho, evocando os dois conceitos-chave que, segundo ele, precisam ser defendidos pelos intelectuais quando incomodam interesses particulares.

Programação do evento
O sociólogo faz sua palestra hoje, em São Paulo, no Sesc Paulista. No Rio fala o ministro da Educação, Fernando Haddad, e em Belo Horizonte, o sociólogo Francisco de Oliveira, que rompeu com o PT em 2003.


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