São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

STF já tem argumento para livrar Palocci

Ministros devem argumentar na quinta que faltam suficientes indícios de participação do ex-ministro na quebra do sigilo do caseiro

Se escapar, petista poderá optar entre ser candidato ao governo de SP, ministro hoje ou eventualmente em 2010 e até um plano B a Dilma

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-ministro da Fazenda e hoje deputado Antonio Palocci (PT-SP) deve ser poupado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de responder a ação penal sob acusação de ser um dos responsáveis por mandar quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa e divulgá-lo à imprensa.
O julgamento está marcado para a próxima quinta-feira. O relator é o presidente do STF, Gilmar Mendes, que não abriu mão de apresentar o seu voto mesmo estando no comando da corte -normalmente os presidentes repassam a um colega os processos sob sua responsabilidade. O gesto sinaliza o peso político da questão.
Se escapar de virar réu, Palocci terá de optar entre muitos projetos políticos desenhados para ele pelo PT: candidato ao governo de São Paulo, ministro agora ou numa eventual nova gestão petista no Planalto ou até como plano B à pré-candidatura de Dilma Rousseff.
O julgamento abrirá uma discussão jurídica sobre o que configura o crime de quebra de sigilo funcional, no qual o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando Souza enquadrou Palocci, seu ex-assessor Marcelo Netto e o presidente da Caixa Econômica Federal na ocasião dos fatos, Jorge Mattoso, por terem acessado os dados bancários de Francenildo ao suspeitar que ele tivesse recebido dinheiro para acusar o então ministro -os dados foram parar na imprensa.
Em depoimento à CPI dos Bingos, o caseiro afirmara que Palocci frequentava a chamada "casa do lobby" em Brasília, local onde havia negociatas e festas com garotas de programa.
Para receber uma denúncia, tecnicamente bastam a comprovação de que houve um crime e indícios suficientes de autoria ou participação na ocorrência do crime. A salvação de Palocci deve ocorrer na discussão sobre o quanto significa ser "suficiente" a participação no suposto crime para transformar uma pessoa em ré.
Aí reside o principal debate: o que configura crime de violação de sigilo funcional, previsto no artigo 10 da Lei Complementar 105, de 2001?
Essa lei aponta condutas amparadas na legalidade, entre as quais "a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa".
Depois de listar várias práticas legais, usa o artigo 10 para sacramentar que tudo que estiver fora do antes descrito como legal será considerado quebra de sigilo funcional.
O STF tem resistência a esse tipo de lei. Pela sua jurisprudência, o tribunal leva ao extremo rigor a necessidade de que uma conduta, apontada como crime pelo Ministério Público, tenha pleno e minucioso amparo na lei, o que, no entendimento da corte, não é o caso, segundo a Folha apurou.
O ponto crucial será esclarecer quando começa efetivamente o crime de quebra de sigilo: é quando o gerente de um banco acessa os dados de um correntista, sobre o qual, na ocasião, havia rumores de ter recebido dinheiro indevidamente para prestar um testemunho no Congresso contra o ex-ministro? Ou é quando esses dados se tornam públicos?
A lei pode até amparar a conduta de Mattoso, mas só a política explicará por que, conforme diz o assessor acionado por ele para quebrar o sigilo do caseiro, isso só aconteceu uma única vez enquanto o executivo era presidente da Caixa.
Quanto a Palocci, conforme consta em sua defesa, ele teria o direito de ter acesso aos dados, devido à cadeia hierárquica: tecnicamente, o presidente de Caixa é subordinado ao ministro. Palocci diz que nunca pediu acesso aos dados, que foi Mattoso quem os levou por espontânea vontade e que, tão logo viu os extratos bancários, colocou-os em um triturador.
Já Mattoso admite ter sido o responsável por pesquisar a conta do caseiro e levar as informações ao ex-chefe. Marcelo Netto nega ser responsável por repassá-las à imprensa.
Neste campo, porém, os fatos já ultrapassam a conduta de Palocci, em relação ao qual o STF deverá dizer apenas se fez os dados chegarem a público ou não. Quando a corte entrar na discussão jurídica sobre o que caracteriza o crime de quebra de sigilo funcional, o petista terá a seu favor o respaldo legal da falta de suficientes indícios de autoria ou participação no crime sob julgamento.

Bisbilhotagem
Em juridiquês, o fato de bisbilhotar a movimentação bancária do caseiro tem amparo no Código Penal, que não considera crime o estrito cumprimento do dever legal, o que está na própria lei usada para acusar o trio -nesse caso, justificada pelo dever de cuidado do comandante de um banco com a movimentação de um correntista que passara a ser suspeito de receber quantias indevidas.
A defesa de Palocci relembra que havia uma segunda possibilidade de vazamento, supostamente por meio da Polícia Federal, a qual não teria sido investigada. Os advogados do ex-ministro questionam: por que acusar só os três denunciados se havia outros que poderiam ser responsáveis e passaram ao largo da acusação?
O presidente do STF entende que o país se transformou em um estado policial, sob o comando da PF, a qual caracteriza como sem controle.
Em tom irônico, diz a defesa de Palocci: "Não fora a convicção, mais que isso, a certeza que todo o Brasil tem de que nossa Polícia Federal jamais promoveu escutas, telefônicas e ambientais, fora dos parâmetros legais; que nunca devassou por contra própria e sem beneplácito judiciário, dados fiscais, tributários e bancários de qualquer cidadão; [...] e poder-se-ia, então, suspeitar de que todo o "vazamento" teria se iniciado nas dependências do DPF...".


Texto Anterior: Mea-culpa: Mercadante volta ao Twitter e diz que errou
Próximo Texto: Congresso do PSOL termina sem candidatura de Heloísa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.