|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FOLCLORE POLÍTICO
Proposta indecorosa
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO
Ano de 1888. Local: Taubaté,
no centro do Vale do Paraíba, próspera região entre Rio de
Janeiro e São Paulo.
Nessa época, o Vale já começava a sentir os primeiros sintomas
da decadência que iria abatê-lo
alguns anos depois. Seus cafezais
envelhecidos situavam-se nas íngremes encostas da Serra do Mar,
o que dificultava o trabalho e favorecia a erosão. O transporte da
produção era outro problema:
não havia ligação para o porto do
litoral norte, e todo o café era enviado para São Paulo, onde ficava à espera do embarque pela
única estrada de ferro até Santos
-a São Paulo Railway. De propriedade de capitais ingleses, a
companhia dava precedência ao
café do "Oeste Paulista".
Contudo, mais premente era o
problema da mão-de-obra. A
campanha abolicionista avançava, e os fazendeiros se perguntavam como tocar as lavouras sem
escravos. A questão era polêmica.
No próprio Vale do Paraíba, fazendeiros progressistas apoiavam
a campanha.
Esse era o clima quando o Senado do Império entrou em recesso,
e Monsenhor Valois de Castro
aproveitou para visitar seus eleitores valeparaibanos.
Como era comum na época, armou-se uma grande recepção para o representante da cidade na
Corte do Rio de Janeiro. Evidentemente, só ricos fazendeiros, autoridades e pessoas de altas posses
foram convidadas. Corria a festa
quando uma fazendeira dona de
muitos escravos aproximou-se do
Monsenhor e lançou a pergunta
que todos tinham engasgada na
garganta.
"Monsenhor, é verdade o que
estão dizendo, que, agora, quando abrirem as Cortes, não haverá
como evitar a votação da lei dos
negros?". Ela se referia aos vários
projetos de lei para abolir totalmente a escravidão na pauta do
parlamento do Império.
Experimentado político, Monsenhor sabia que o movimento
abolicionista havia ganho um
ímpeto formidável e resolveu preparar o espírito dos seus constituintes. "Sim, minha senhora,
desta vez será impossível impedir
que a abolição seja aprovada."
Ouvindo isto, a fazendeira fez
outra pergunta: "Monsenhor, e
será que não dá para o sr. retirar
da lista ao menos os meus?".
Prezado leitor: não atire pedra
apenas nessa velha senhora; até
hoje há gente que considera ser
esta a função de um parlamentar.
PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72,
ex-deputado federal pelo PT e membro
da Assembléia Constituinte de 1988,
escreve às terças-feiras nesta seção
Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Café-com-leite Próximo Texto: Campanha: Serra diverge de Nizan sobre ataques ao PT Índice
|