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CAMPANHA
"Nós temos que passar por esse gargalo, passar pelo PT; então, vamos passar logo", afirma senador sobre apoio a Lula
Brasil tem de passar pelo PT, diz Sarney
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O ex-presidente e senador José
Sarney (PMDB-AP), 72, declarou,
em entrevista à Folha, que a eleição de Lula terá uma função histórica: "Será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo da
área do trabalho e não dos interesses consolidados capitalistas",
afirma ele. "Nós temos que passar
por esse gargalo, passar pelo PT.
Então, vamos passar logo."
Sarney tem passado as últimas
semanas em São Luís, no Maranhão, em campanha pela eleição
da filha Roseana Sarney (PFL-MA) ao Senado. É lá que ele tem
recebido também telefonemas e
visitas de políticos, empresários e
militares interessados em saber
um pouco mais sobre seu apoio a
Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No domingo passado, depois de
uma reunião com um representante do governo de George W.
Bush para falar sobre as eleições,
Sarney recebeu o jornal para uma
entrevista exclusiva em sua casa,
na praia do Calhau. O ex-presidente só interrompeu a conversa
para atender a um telefonema do
presidente da Venezuela, Hugo
Chávez. Leia a entrevista:
Folha - O seu apoio a Lula causou
certa perplexidade. O senhor foi da
Arena, do PDS e apoiou os governos militares. O senhor mudou
muito ou o Lula mudou?
José Sarney - Eu nunca fui sectário, sempre olhei as duas margens
do rio. Nunca considerei que o
mundo era feito de alguns condenados à salvação e de outros à
perdição. Sempre achei que a
existência de um partido forte, de
legitimidade sindical, era importante para o Brasil. O PT se consolidou durante o meu governo.
Folha - Como seu adversário.
Sarney - Sim, mas se eu fosse
sectário, reacionário, tinha botado maiores pedras no caminho do
PT. Mas eu achava que era um fenômeno natural e bom para o
país. Nunca tive incompatibilidade com o Lula. Em 1989, a Roseana [Sarney, filha do ex-presidente" apoiou o Lula no Maranhão.
Folha - O Lula afirmou recentemente, num comício em Santa Catarina, que é necessário, nesta eleição, combater as oligarquias do
país, como a dos Bornhausen, que
há dezenas de anos se mantêm no
poder no Estado.
Sarney - Se é uma indireta para
mim, eu não considero, porque
eu não tenho oligarquia nenhuma. O que marca uma oligarquia
é o caciquismo, o autoritarismo.
Aqui no Maranhão, isso não existe. A oposição governa a capital.
Antes de mim não havia Sarney
na política. Eu tenho dois filhos na
política. Nos Estados Unidos, os
Bush têm dois governadores e o
presidente. Os Roosevelt tiveram
dois, o Teodoro e o Franklin. E
nunca ninguém disse que era
uma oligarquia.
Folha - Mas o que o senhor acha
de o Lula dizer que a família do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) é
uma oligarquia?
Sarney - Isso é problema dele, eu
não quero opinar. São pecadilhos
de campanha. O Bornhausen é
um bom político.
Folha - Se o senhor continua o
mesmo e o Lula também...
Sarney - Não mudei, nem o Lula
mudou. Como dizia Machado de
Assis, mudou o Natal.
Folha - Por que o senhor resolveu
apoiá-lo?
Sarney - O tecido social do Brasil
está tão esgarçado, a violência e o
desemprego são tão grandes que
se nós não tivermos um governo
extremamente capaz de conter essas tensões, o país pode marchar
para um instante de grandes dificuldades e até de rupturas. O Lula
vai conter as tensões sociais na
área do campo, na área sindical e
vai ao mesmo tempo ter condições de negociar concessões da
área conservadora. Vai fazer o
pacto social que eu não consegui
fazer em meu governo. Eu tinha
uma vontade pessoal, mas não tive as condições políticas. Com
Lula é diferente. Ele representa
um segmento da sociedade que
quer esse pacto. Ele tem força, autoridade e biografia para encaminhar essas forças nessa direção.
Folha - Uma das discussões colocadas na campanha é a capacidade
de um candidato que não tem diploma universitário, como é o caso
do Lula, exercer a Presidência.
Sarney - Isso não tem pé nem cabeça. O presidente é um líder político e não um professor universitário. Lula presidente significa
nós começarmos a ingressar na
democracia verdadeira.
Folha - Por quê?
Sarney - Lula terá uma função
histórica: será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo da área do trabalho, e não dos
interesses consolidados capitalistas.
Folha - O senhor se inclui entre os
presidentes do capital?
Sarney - Ah, sim, todos os presidentes foram. A eleição do Lula
vai criar um equilíbrio democrático, cuja alternância no poder se
faça entre o capital e o trabalho,
como ocorreu na Europa com a
social-democracia. Será uma demonstração de maturidade necessária ao país. Nós temos que
passar por esse gargalo, passar pelo PT. Então, vamos passar logo.
Folha - Por que Lula e não Ciro
Gomes (PPS)?
Sarney - O Ciro, pelas próprias
contradições internas das forças
que o apoiaram, não criou uma
unidade capaz de ter um projeto
que assegurasse uma transição.
Isso o fragiliza em face do Lula.
Ele não conseguiu construir sua
candidatura numa base sólida.
Folha - E por que não José Serra?
Sarney - Eu não vejo no Serra nenhuma condição de enfrentar
uma situação dessa natureza. Por
suas atitudes e temperamento, ele
tem mostrado que não é o homem talhado para enfrentar esse
momento. A candidatura do Serra é excludente. O PSDB é um partido paulista que, em nível nacional, funciona como aliciador de
legendas para a eleição. É um cartório. O Serra é o representante de
um pequeno e fechado grupo do
PSDB que eliminou grupos dentro de seu próprio partido. Ele não
tem capacidade para liderar a
convergência nacional.
Folha - Quais as dificuldades que
o senhor prevê para um governo do
PT? O partido não terá, por exemplo, maioria no Congresso.
Sarney - A maior dificuldade
que o Lula vai ter será na emissão
de sinais para o rebanho eletrônico, esse mercado financeiro mundial que com um grito pode disparar para um lado, para o outro.
Lula terá de ter cuidado redobrado, pelos preconceitos que enfrenta e também porque as forças
que ele vai derrotar internamente
podem querer estimular esse rebanho para desestabilizar o seu
governo. Desde que não espante
esse rebanho, ele vai ter condições
internas de fazer um governo, ao
contrário do que se pensa, de estabilidade e não de instabilidade.
Folha - O senhor ajudou o PT a se
aproximar dos militares?
Sarney - Eu disse ao José Dirceu
que eles não poderiam, e nenhum
presidente no mundo pode, desprezar os militares. O Lula diminuiu qualquer restrição dele na
área militar, no campo na elite
econômica conservadora. Ele tirou a capa de demônio que todos
temiam. Eu ajudei com o simbolismo de meu apoio. As pessoas
sabem que, se eu tomei a decisão
de apoiar o Lula, é porque acho
que ela não importa em nenhum
risco para o Brasil.
Folha - O senhor acha que vai dar
primeiro turno?
Sarney - Não é provável. Com
quatro candidatos, é muito difícil.
Folha -Qual é o seu palpite para o
segundo turno?
Sarney - Veja o exemplo da
França: ninguém achava que o Le
Pen chegaria ao segundo turno.
Há um mês eu admiti que o Garotinho poderia subir nas pesquisas.
Ele é o único que está livre para
um fenômeno de crescimento.
Ninguém bateu nele. Mas, se
ocorrer um segundo turno entre o
Lula e o Serra, teremos uma campanha dura. Todas as grandes forças econômicas, o governo e, de
certa forma, setores da mídia, vão
estar com o Serra.
Folha - É verdade que o senhor e o
Tasso Jereissati têm conversado
sobre a possibilidade de o candidato Ciro Gomes apoiar Lula ainda no
primeiro turno?
Sarney - É tudo especulação. Jamais qualquer candidato aceitaria
renunciar.
Folha - Há seis meses, o senhor
fez um discurso no Senado, na ocasião das denúncias contra sua filha,
Roseana, em que dizia que o processo eleitoral poderia conspurcar
o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso. O senhor acha
que o processo eleitoral está conspurcando o governo?
Sarney - O processo de escolha
dos candidatos (quando se decidiu quem teria o apoio do governo), sim. O processo eleitoral,
não. O presidente usou de uma
grande maestria. Ele passou incólume e conseguiu até mesmo que
os candidatos fossem lá para que
ele evitasse a debandada do rebanho eletrônico.
Folha - Guarda alguma mágoa do
presidente por causa do episódio?
Sarney -Eu já estou muito vivido
para ter ressentimentos. As decepções que eu posso ter tido em
relação ao presidente, à sua conduta, como são de natureza pessoal, eu me reservo o direito de
não manifestar.
Folha - O que o senhor acha das
críticas das campanhas de Ciro e de
Garotinho ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que estaria favorecendo o candidato do governo?
Sarney - Nós devemos resguardar
a Justiça. Na hora em que a Justiça
for atingida, nós estaremos no fim
das soluções.
Folha - O senhor acha que, por ser
amigo do candidato José Serra, o
presidente do TSE, Nelson Jobim,
deveria se declarar impedido de
julgar questões que o envolvam?
Sarney - Está na lei que o amigo
íntimo deve se julgar impedido.
Se ele acha que isso não prejudica,
é um problema dele, pessoal. Mas
não vi levantarem formalmente o
impedimento do Jobim. Desde
que aceitou ser ministro do STF,
ele aceitou o encargo de colocar a
Justiça acima de todas as suas
questões pessoais. Jobim tem todas as condições de resistir a elas.
Folha - Quando a polícia descobriu R$ 1,3 milhão na empresa de
Roseana Sarney, a versão enfim divulgada era a de que o dinheiro era
para financiar a eleição. Toda campanha tem caixa dois?
Sarney - As campanhas deveriam ser feitas com financiamento
público. É uma hipocrisia muito
grande. Essas campanhas gastam,
só com o marketing, tudo aquilo
que os candidatos dizem oficialmente que vão gastar com a campanha inteira.
Folha - É?
Sarney - É claro. Os preços que
eu vejo na imprensa estão extremamente subfaturados. Vejo o
que se cobra das campanhas estaduais. Não é possível que os preços declarados a nível nacional sejam verdadeiros.
Folha - O PT, o senhor acha que
tem caixa dois?
Sarney - Não, não me bote nessa
história. Você veio para me entrevistar, mas não para me botar
contra todo mundo aí, denunciar
as eleições...
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