São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 2002

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CAMPANHA

"Nós temos que passar por esse gargalo, passar pelo PT; então, vamos passar logo", afirma senador sobre apoio a Lula

Brasil tem de passar pelo PT, diz Sarney

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

O ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP), 72, declarou, em entrevista à Folha, que a eleição de Lula terá uma função histórica: "Será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo da área do trabalho e não dos interesses consolidados capitalistas", afirma ele. "Nós temos que passar por esse gargalo, passar pelo PT. Então, vamos passar logo."
Sarney tem passado as últimas semanas em São Luís, no Maranhão, em campanha pela eleição da filha Roseana Sarney (PFL-MA) ao Senado. É lá que ele tem recebido também telefonemas e visitas de políticos, empresários e militares interessados em saber um pouco mais sobre seu apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No domingo passado, depois de uma reunião com um representante do governo de George W. Bush para falar sobre as eleições, Sarney recebeu o jornal para uma entrevista exclusiva em sua casa, na praia do Calhau. O ex-presidente só interrompeu a conversa para atender a um telefonema do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Leia a entrevista:
 

Folha - O seu apoio a Lula causou certa perplexidade. O senhor foi da Arena, do PDS e apoiou os governos militares. O senhor mudou muito ou o Lula mudou?
José Sarney -
Eu nunca fui sectário, sempre olhei as duas margens do rio. Nunca considerei que o mundo era feito de alguns condenados à salvação e de outros à perdição. Sempre achei que a existência de um partido forte, de legitimidade sindical, era importante para o Brasil. O PT se consolidou durante o meu governo.

Folha - Como seu adversário.
Sarney -
Sim, mas se eu fosse sectário, reacionário, tinha botado maiores pedras no caminho do PT. Mas eu achava que era um fenômeno natural e bom para o país. Nunca tive incompatibilidade com o Lula. Em 1989, a Roseana [Sarney, filha do ex-presidente" apoiou o Lula no Maranhão.

Folha - O Lula afirmou recentemente, num comício em Santa Catarina, que é necessário, nesta eleição, combater as oligarquias do país, como a dos Bornhausen, que há dezenas de anos se mantêm no poder no Estado.
Sarney -
Se é uma indireta para mim, eu não considero, porque eu não tenho oligarquia nenhuma. O que marca uma oligarquia é o caciquismo, o autoritarismo. Aqui no Maranhão, isso não existe. A oposição governa a capital. Antes de mim não havia Sarney na política. Eu tenho dois filhos na política. Nos Estados Unidos, os Bush têm dois governadores e o presidente. Os Roosevelt tiveram dois, o Teodoro e o Franklin. E nunca ninguém disse que era uma oligarquia.

Folha - Mas o que o senhor acha de o Lula dizer que a família do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) é uma oligarquia?
Sarney -
Isso é problema dele, eu não quero opinar. São pecadilhos de campanha. O Bornhausen é um bom político.

Folha - Se o senhor continua o mesmo e o Lula também...
Sarney -
Não mudei, nem o Lula mudou. Como dizia Machado de Assis, mudou o Natal.

Folha - Por que o senhor resolveu apoiá-lo?
Sarney -
O tecido social do Brasil está tão esgarçado, a violência e o desemprego são tão grandes que se nós não tivermos um governo extremamente capaz de conter essas tensões, o país pode marchar para um instante de grandes dificuldades e até de rupturas. O Lula vai conter as tensões sociais na área do campo, na área sindical e vai ao mesmo tempo ter condições de negociar concessões da área conservadora. Vai fazer o pacto social que eu não consegui fazer em meu governo. Eu tinha uma vontade pessoal, mas não tive as condições políticas. Com Lula é diferente. Ele representa um segmento da sociedade que quer esse pacto. Ele tem força, autoridade e biografia para encaminhar essas forças nessa direção.

Folha - Uma das discussões colocadas na campanha é a capacidade de um candidato que não tem diploma universitário, como é o caso do Lula, exercer a Presidência.
Sarney -
Isso não tem pé nem cabeça. O presidente é um líder político e não um professor universitário. Lula presidente significa nós começarmos a ingressar na democracia verdadeira.

Folha - Por quê?
Sarney -
Lula terá uma função histórica: será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo da área do trabalho, e não dos interesses consolidados capitalistas.

Folha - O senhor se inclui entre os presidentes do capital?
Sarney -
Ah, sim, todos os presidentes foram. A eleição do Lula vai criar um equilíbrio democrático, cuja alternância no poder se faça entre o capital e o trabalho, como ocorreu na Europa com a social-democracia. Será uma demonstração de maturidade necessária ao país. Nós temos que passar por esse gargalo, passar pelo PT. Então, vamos passar logo.

Folha - Por que Lula e não Ciro Gomes (PPS)?
Sarney -
O Ciro, pelas próprias contradições internas das forças que o apoiaram, não criou uma unidade capaz de ter um projeto que assegurasse uma transição. Isso o fragiliza em face do Lula. Ele não conseguiu construir sua candidatura numa base sólida.

Folha - E por que não José Serra?
Sarney -
Eu não vejo no Serra nenhuma condição de enfrentar uma situação dessa natureza. Por suas atitudes e temperamento, ele tem mostrado que não é o homem talhado para enfrentar esse momento. A candidatura do Serra é excludente. O PSDB é um partido paulista que, em nível nacional, funciona como aliciador de legendas para a eleição. É um cartório. O Serra é o representante de um pequeno e fechado grupo do PSDB que eliminou grupos dentro de seu próprio partido. Ele não tem capacidade para liderar a convergência nacional.

Folha - Quais as dificuldades que o senhor prevê para um governo do PT? O partido não terá, por exemplo, maioria no Congresso.
Sarney -
A maior dificuldade que o Lula vai ter será na emissão de sinais para o rebanho eletrônico, esse mercado financeiro mundial que com um grito pode disparar para um lado, para o outro. Lula terá de ter cuidado redobrado, pelos preconceitos que enfrenta e também porque as forças que ele vai derrotar internamente podem querer estimular esse rebanho para desestabilizar o seu governo. Desde que não espante esse rebanho, ele vai ter condições internas de fazer um governo, ao contrário do que se pensa, de estabilidade e não de instabilidade.

Folha - O senhor ajudou o PT a se aproximar dos militares?
Sarney -
Eu disse ao José Dirceu que eles não poderiam, e nenhum presidente no mundo pode, desprezar os militares. O Lula diminuiu qualquer restrição dele na área militar, no campo na elite econômica conservadora. Ele tirou a capa de demônio que todos temiam. Eu ajudei com o simbolismo de meu apoio. As pessoas sabem que, se eu tomei a decisão de apoiar o Lula, é porque acho que ela não importa em nenhum risco para o Brasil.

Folha - O senhor acha que vai dar primeiro turno?
Sarney -
Não é provável. Com quatro candidatos, é muito difícil.

Folha -Qual é o seu palpite para o segundo turno?
Sarney -
Veja o exemplo da França: ninguém achava que o Le Pen chegaria ao segundo turno. Há um mês eu admiti que o Garotinho poderia subir nas pesquisas. Ele é o único que está livre para um fenômeno de crescimento. Ninguém bateu nele. Mas, se ocorrer um segundo turno entre o Lula e o Serra, teremos uma campanha dura. Todas as grandes forças econômicas, o governo e, de certa forma, setores da mídia, vão estar com o Serra.

Folha - É verdade que o senhor e o Tasso Jereissati têm conversado sobre a possibilidade de o candidato Ciro Gomes apoiar Lula ainda no primeiro turno?
Sarney -
É tudo especulação. Jamais qualquer candidato aceitaria renunciar.

Folha - Há seis meses, o senhor fez um discurso no Senado, na ocasião das denúncias contra sua filha, Roseana, em que dizia que o processo eleitoral poderia conspurcar o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O senhor acha que o processo eleitoral está conspurcando o governo?
Sarney -
O processo de escolha dos candidatos (quando se decidiu quem teria o apoio do governo), sim. O processo eleitoral, não. O presidente usou de uma grande maestria. Ele passou incólume e conseguiu até mesmo que os candidatos fossem lá para que ele evitasse a debandada do rebanho eletrônico.

Folha - Guarda alguma mágoa do presidente por causa do episódio?
Sarney -
Eu já estou muito vivido para ter ressentimentos. As decepções que eu posso ter tido em relação ao presidente, à sua conduta, como são de natureza pessoal, eu me reservo o direito de não manifestar.

Folha - O que o senhor acha das críticas das campanhas de Ciro e de Garotinho ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que estaria favorecendo o candidato do governo? Sarney - Nós devemos resguardar a Justiça. Na hora em que a Justiça for atingida, nós estaremos no fim das soluções.

Folha - O senhor acha que, por ser amigo do candidato José Serra, o presidente do TSE, Nelson Jobim, deveria se declarar impedido de julgar questões que o envolvam?
Sarney -
Está na lei que o amigo íntimo deve se julgar impedido. Se ele acha que isso não prejudica, é um problema dele, pessoal. Mas não vi levantarem formalmente o impedimento do Jobim. Desde que aceitou ser ministro do STF, ele aceitou o encargo de colocar a Justiça acima de todas as suas questões pessoais. Jobim tem todas as condições de resistir a elas.

Folha - Quando a polícia descobriu R$ 1,3 milhão na empresa de Roseana Sarney, a versão enfim divulgada era a de que o dinheiro era para financiar a eleição. Toda campanha tem caixa dois?
Sarney -
As campanhas deveriam ser feitas com financiamento público. É uma hipocrisia muito grande. Essas campanhas gastam, só com o marketing, tudo aquilo que os candidatos dizem oficialmente que vão gastar com a campanha inteira.

Folha - É?
Sarney -
É claro. Os preços que eu vejo na imprensa estão extremamente subfaturados. Vejo o que se cobra das campanhas estaduais. Não é possível que os preços declarados a nível nacional sejam verdadeiros.

Folha - O PT, o senhor acha que tem caixa dois?
Sarney -
Não, não me bote nessa história. Você veio para me entrevistar, mas não para me botar contra todo mundo aí, denunciar as eleições...



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