Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª/FAUSTO MARTIN DE SANCTIS
Juiz que abriu processo contra russo apontado como financiador da parceria Corinthians/MSI diz que país é permissivo com crime
"Método tradicional de investigação não chega a lugar algum"
EDUARDO ARRUDA
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Com fama de juiz linha dura, Fausto Martin de Sanctis, 43, diz que a investigação tradicional não é suficiente para combater lavagem de dinheiro. Titular da 6ª Vara
Criminal Federal de São Paulo, ele foi responsável pela
prisão do banqueiro Edemar Cid Ferreira e pelo processo contra o magnata russo Boris Berezovski, apontado como financiador da parceria Corinthians/ MSI.
FOLHA - O Brasil, que atrai magnatas como Boris Berezovski e narcotraficantes como Abadia, é um bom país para lavar dinheiro?
FAUSTO MARTIN DE SANCTIS -
Quanto mais um país tiver gente predisposta a fazer serviços
ilícitos, mais fácil será a concretização da lavagem. Lamentavelmente, no Brasil, por questões culturais e econômicas, observamos pessoas predispostas a colaborar com criminosos.
Nossa sociedade é ambígua.
Utiliza-se de pequenas vantagens, como a compra de produtos pirateados ou a lavratura de
escrituras por preço inferior,
para não pagar tributo. São
vantagens que esbarram no crime organizado. E isso é feito
por pessoas consideradas de
bem, que vêm de ambientes em
que, na teoria, os princípios da
honestidade e do cumprimento
da lei são absolutos. A ambigüidade contribui para a sensação
de permissividade no país.
No exterior todo mundo sabe
como é o Brasil. Por conta do
controle deficiente, algumas
pessoas decidem aplicar seus
valores aqui. A lavagem é a falência total do combate aos crimes graves pelos métodos tradicionais. Mas, é bom deixar
claro, isso está mudando.
FOLHA - Quantas pessoas foram
condenadas no Brasil, de forma definitiva, por lavagem de dinheiro?
Houve repatriação de valores?
DE SANCTIS - A recuperação de
ativos é muito difícil porque depende do trânsito em julgado
[encerramento] do processo. E,
infelizmente, não temos notícia disso. O processo de lavagem é volumoso, complexo e de
difícil detalhamento. E o investigado geralmente usa os melhores advogados e todas as formas de recursos, habeas corpus
e mandados de segurança, que
fazem com que o caso não tenha fim. Isso além das dificuldades naturais da Justiça.
FOLHA - O que precisa mudar?
DE SANCTIS - A estrutura judiciária tem de ser rediscutida.
Concebida no passado, ela tem
levado os processos a resultados pouco desejáveis. Temos
muitos casos com condenações
que foram extintos por prescrição. Isso estimula a litigiosidade. A parte recorre para ganhar
tempo, para que o processo chegue a esse fim.
Mas muito se avançou. Em 1991, 1992, não existia uma Justiça preparada para crimes econômicos, e incluo aí o Ministério Público e a polícia. Hoje temos varas especializadas em
crimes financeiros.
FOLHA - A especialização está sob
análise no Supremo. Dois ministros
disseram que a distribuição da ação
deve ser aleatória entre os juízes, e
não dirigida a uma vara específica.
DE SANCTIS - Isso ainda está
pendente de decisão. O importante é que a especialização
trouxe uma celeridade, um ganho de conhecimento das pessoas envolvidas. E a sociedade
já percebeu que a Justiça está
começando a incomodar os criminosos de lavagem de dinheiro. No passado não se chegava
perto de ninguém poderoso.
Que problemas temos hoje?
Excesso absoluto de recursos, o
que gera uma obstrução sensível na condução de processos
em primeira instância. Por
conta da alegação de uma parte,
uma pessoa [magistrado] tem o
poder de paralisar um processo
que está há anos em uma vara.
FOLHA - O que precisa mudar, a
mentalidade dos juízes ou a lei?
DE SANCTIS - Precisamos repensar todo o sistema. No Brasil,
temos quatro instâncias de julgamento. Não é possível! O que
a Constituição tem de assegurar é o duplo grau de jurisdição,
no sentido de revisão de uma
decisão tomada. Depois, não
cabe recurso, a não ser eventualmente um especial. Tem de
haver uma filtragem.
É preciso existir uma sensibilidade de todos para reconhecer que esses recursos, não os
tradicionais, mas o habeas corpus e o mandado de segurança,
se tornaram instrumentos de
obstáculo sensível ao processamento de feitos.
FOLHA - Limitar os recursos não fere o direito à ampla defesa?
DE SANCTIS - Ninguém está defendendo aqui a violação de
princípios que foram consagrados em determinado momento
histórico. Muito do que é defendido hoje no Brasil é resultado da luta da época do Iluminismo. Mas temos que nos atualizar. O mundo não é mais
o mesmo. A lei existe para os
homens e tem que servir à sociedade para a qual foi editada.
A nossa sociedade reclama
hoje, e com toda razão, a falta
de um Judiciário eficiente.
FOLHA - O sr. está com um caso de
lavagem envolvendo a parceria Corinthians/MSI. Por que usar o futebol, que está enraizado na cultura
brasileira, para lavar dinheiro?
DE SANCTIS - Eu não posso afirmar que houve uso do futebol.
Existe a acusação de uma lavagem e o futebol seria o meio dela. Isso é uma acusação. Como
falei antes, a criminalidade organizada vai para os caminhos
em que não há controle algum.
FOLHA - Futebol é um caminho fácil para lavar dinheiro?
DE SANCTIS - Desconheço outro
feito que envolva futebol diretamente. Agora, a gente sabe,
até por comentários de jornalistas especializados, que existem problemas éticos sérios, o
que talvez seja um facilitador
para a lavagem. Isso tem de ser
averiguado no processo.
FOLHA - Se o clube for condenado
na Justiça, ele deve ser condenado
no âmbito esportivo também?
DE SANCTIS - Não posso falar do
âmbito esportivo. As ações da
PF e da Justiça têm tido uma
repercussão enorme na sociedade. Entrei em contato com
uma pessoa do mercado financeiro que disse que o impacto
de algumas decisões de varas
especializadas têm compelido
o mercado a tomar certas cautelas, têm feito pessoas refletirem sobre tudo, para que estabeleçam controle sobre elas
mesmas e não sejam acusadas
de contribuir com a lavagem.
FOLHA - O sr. se sente pressionado
ao julgar um caso que envolve a paixão futebolística?
DE SANCTIS - Em todos os casos
tento dar consistência à minha
convicção, que tem de chegar
ao papel de forma clara para
que os tribunais apreciem aquilo que julguei. Muitos casos vão
para a imprensa por conta das
paixões sociais e pessoais. Tento, de todas as formas, não me
envolver. O juiz já se desgasta
em tomada de decisões, se angustia porque entra em choque
com seus valores pessoais, seus
eventuais preconceitos.
FOLHA - A disputa entre a PF e o Ministério Público, como ocorreu no
caso do Corinthians, prejudica a investigação?
DE SANCTIS - Se existem instituições que estão disputando
entre si, é péssimo, só favorece
o crime organizado. Se hoje fala-se em cooperação internacional, é porque nacionalmente
todos têm de cooperar. Uma
disputa não é salutar, pois fomenta a vaidade e manobras de
determinadas partes, que vão
se valer de intrigas para conseguir algum benefício judicial.
FOLHA - O sr. lida com questões polêmicas, como escuta telefônica, delação premiada, quebra de sigilo, busca e apreensão. O combate à lavagem pressupõe o uso de técnicas
invasivas?
DE SANCTIS - O combate tem de
se valer de técnicas especiais de
investigação. Isso já é reconhecido pelos organismos internacionais e recomendado em convenções da ONU. Essas técnicas são indispensáveis para o
descobrimento do crime organizado. Métodos tradicionais
não chegam a lugar algum.
FOLHA - O inquérito deve ser sigiloso até para advogados e acusados?
DE SANCTIS - Acho recomendável que se respeite o sigilo da investigação inicial. É isso que
permite a eficácia de uma operação. Não é possível achar que
um caso vá obter resultado se
as informações forem totalmente abertas. É óbvio que,
existindo uma medida direcionada para determinada pessoa
tida como investigada, a abertura deve ocorrer. Mas, antes,
isso redunda na total ineficácia
da investigação e na paralisação do caso, já que os constantes pedidos de cópias fazem
com que o inquérito não vá
mais para a polícia.
FOLHA - Novamente, qual o limite
para garantir o direito de defesa?
DE SANCTIS - O limite é caso a caso, de modo que não inviabilize
a investigação. Já vimos pessoas que contratam um profissional para ter acesso à investigação e assim fazer um redesenho estrutural societário para
esconder um envolvimento.
FOLHA - A prisão preventiva é uma
condenação antecipada?
DE SANCTIS - De jeito nenhum. E
não pode ser. A prisão preventiva é decretada quando o réu foge ou pretende fugir ou ameaça
testemunhas ou faz do crime
uma prática reiterada.
O fato é que só vemos prisões
preventivas de brasileiros decretadas no exterior. Os fatos
estão aí para demonstrar que
algumas solturas têm implicado em réus fugindo do país. São
presos só quando estão no exterior. Isso é uma realidade.
FOLHA - Como coibir abusos nas
operações da polícia?
DE SANCTIS - Os abusos têm que
ser coibidos com ações da Justiça. As operações não são da
Polícia Federal, são da Justiça.
A 6ª Vara tem feito operações
sempre que necessário e com
muito cuidado. As interceptações são objeto de apreciação
sistemática e todos aqui trabalham muito para que se faça um
serviço de qualidade.
FOLHA - Alguns advogados dizem
que a 6ª Vara Federal, da qual o sr. é
o titular, é uma "câmara de gás".
DE SANCTIS - Já ouvi e não concordo. O juiz não é rigoroso. Rigorosa é a lei. Acho que esse tipo de afirmação é ofensiva à
medida que não reconheço nisso a imparcialidade do juiz. Exploram isso para desmerecer o
trabalho feito aqui. No caso do
Banco Santos, por exemplo, 13
pessoas foram absolvidas e dez
condenadas. A imprensa tem
uma ótica própria, realçou as
condenações. Eu tenho uma
preocupação muito grande em
ser justo. Eu rejeito denúncias,
eu absolvo. O juiz tem que ser
firme. A sociedade espera de
mim firmeza. Quem não for firme tem que sair daqui.
Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Chávez em linha direta Próximo Texto: Frase Índice
|