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PALÁCIO EM REFORMA
Vale do Rio Doce, Odebrecht e Pão de Açúcar, presentes em jantar com Lula, estão em cadastro de devedores
"Padrinhos" do Alvorada devem ao governo
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Bastaria que uma das empresas
do mutirão privado responsável
pela reforma do Palácio da Alvorada pagasse 40% do que deve ao
INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para quitar a obra na residência oficial do presidente da
República, com custo estimado
em R$ 16 milhões. É o que indica
uma pesquisa nos cadastros de
devedores do governo federal.
Entusiasta da idéia, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva já se mudou para a Granja do Torto e ficará lá até que o Palácio da Alvorada
seja restaurado com o dinheiro de
um pool de empresas privadas,
que foi articulado pela Abdib (Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base).
Os nomes dos "padrinhos" da
reforma são mantidos oficialmente sob reserva pela associação. A lista pode mudar até o último minuto, alega a Abdib, numa
referência à assinatura dos papéis
do chamado "acordo de cooperação", um arranjo inédito entre a
União, a entidade e a Fundação
Ricardo Franco, ligado ao Instituto Militar de Engenharia. O valor
médio da doação negociado com
as empresas é de R$ 800 mil.
O envolvimento da fundação foi
a solução encontrada pela Abdib e
pelo Planalto para receber as doações das empresas e executar a
restauração, já que há uma série
de burocracias que dificulta o início dos trabalhos. O instituto militar diz que ainda falta ser formalizada a participação de sua fundação na reforma do Alvorada.
A direção da Abdib estima que a
obra começará no prazo de cerca
de dez dias. Segundo a fundação e
o Planalto, no entanto, não há como estimar o início da reforma.
Na última terça-feira, como parte do negócio deflagrado depois
de reclamações do próprio presidente às instalações do palácio,
representantes de 18 grupos empresariais dispostos a pôr dinheiro na obra jantaram com Lula.
Uma pesquisa nos cadastros do
próprio governo e disponíveis na
internet no endereço www.comprasnet.gov.br indica que nenhuma dessas empresas tem ficha
limpa nos arquivos consultados
pelos gestores públicos para a celebração de contratos, como a
Procuradoria Geral da Fazenda,
que indica pendências no pagamento de impostos federais, e o
cadastro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), onde é possível ver se os contratantes estão em dia com as contribuições por seus empregados.
Empresas que renegociam suas
dívidas ou discutem os valores na
Justiça aparecem igualmente como devedoras nesses cadastros.
Na última semana, o gabinete
do deputado distrital Augusto
Carvalho (PPS) pesquisou as empresas cujos representantes jantaram com o presidente na terça-feira também no Cadin -cadastro informativo de créditos não
quitados, uma espécie de SPC do
governo federal- e na lista de devedores do INSS, cuja soma dos
créditos em fase de cobrança judicial passa de R$ 120 bilhões.
O resultado da consulta: mais
pendências com os cofres públicos entre os "padrinhos" da reforma no Palácio da Alvorada.
A Companhia Vale do Rio Doce, sozinha, deve mais de R$ 41
milhões à Previdência, de acordo
com a última lista de devedores
publicada pelo ministério, em setembro do ano passado. Com menos de 40% desse valor, já seria
possível pagar a reforma.
A Vale aparece com sete inscrições no Cadin desde o último mês
de julho, número superado apenas pela Construtora Norberto
Odebrecht, que acumula nove
inscrições, todas lançadas no último dia 15, e pelo Grupo Pão de
Açúcar, que bate o recorde na lista, com 45 inscrições, a maioria
delas lançada pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia).
Anteontem, o deputado Augusto Carvalho encaminhou ao procurador-geral da República, Claudio Fonteles, pedido para a abertura de uma ação cautelar para
tentar barrar a obra no Alvorada,
ainda sem prazo definido para começar. "Está caracterizada uma
promiscuidade entre público e
privado", afirmou Carvalho.
Ter o nome no Cadin deveria
impedir negócios entre devedores
e a União, mas uma liminar obtida pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) no Supremo
Tribunal Federal em 1996 impediu que os devedores fossem "discriminados". A CNI chegou a pedir a extinção do Cadin, que sobreviveu, mas como um mero
manual de consulta.
A expectativa das empresas é
que, além de um contato mais
próximo com o presidente, venham a ter os seus nomes divulgados em placa a ser instalada no
palácio em troca das doações que
forem feitas para a reforma.
Segundo a Secom (Secretaria de
Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), que coordena a
reforma, nenhum dos "padrinhos" da reforma do Alvorada
contará com anistia de tributos ou
preferência na relação com o governo. A ficha das empresas não
foi consultada porque a parceria
da União será feita diretamente
com a Abdib, afirmou a assessoria
do ministro Luiz Gushiken.
Já a associação que coordena o
mutirão privado declarou que
não checou se as empresas devem
ou não ao governo. A Abdib afirmou, por meio de sua assessoria
de imprensa, que esse é um "problema particular" das empresas.
Ainda de acordo com a Secom,
o governo cogitou inicialmente de
usar dinheiro do Orçamento da
União para restaurar o Palácio da
Alvorada, inaugurado em 1958 e
reformado apenas uma vez, em
1991. A alternativa teria sido descartada por falta de verbas.
A três meses do final deste ano,
a dotação do Orçamento destinada à preservação de imóveis do
patrimônio histórico e artístico
mantém R$ 22,6 milhões (mais de
80% do total) intocados.
Questionado pela Folha, o Ministério da Cultura informou que
o dinheiro já está comprometido
em outros projetos. Por meio de
sua assessoria, a pasta afirmou
que considera "natural que o Planalto tenha trabalhado num plano de excepcionalidade, até pelo
aspecto simbólico do Alvorada".
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