São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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NO PLANALTO

Dinheiro do Sesi banca de jatinho a concurso de miss

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O que anima o empresariado a brincar de pacto com o companheiro Lula é a perspectiva de revisão das leis trabalhistas. O PT já aceita a tese de que a saúde do capital depende da poda de regalias do trabalho.
Para que o jogo tenha graça urge pôr na roda outro brinquedo: a malha de mamatas empresariais. Entre elas um alçapão chamado "Sistema S".
Sob fachada altruísta, entidades como Sesi e Senai escondem armadilha pouco debatida. Coisa farta. Mais de R$ 2 bilhões anuais só na CNI.
É dinheiro recolhido da folha das empresas e entregue à gestão do baronato sindical. Embora destinado à melhoria de vida do trabalhador, vem patrocinando fuzarcas de federações patronais.
Apelidado de "parafiscal", o dinheiro é público. Entra na contabilidade das federações assobiando. E sai cantando. Aos exemplos:
1) a federação das indústrias de Santa Catarina divide com Sesi e Senai um prédio em Florianópolis. O "condomínio" era rateado. O Sesi pingava 45%. O Senai, 45%. A federação, só 10%. Entre janeiro de 96 e maio de 97, o condomínio torrou R$ 10,6 milhões;
2) R$ 284 mil financiaram o fretamento de jatinhos; R$ 125 mil, "despesas de representação" da presidência da federação; R$ 1,1 milhão, a contratação de firmas de consultoria; R$ 98 mil custearam coquetéis...;
3) custearam também despesas miúdas. De conserto de videogame Nintendo (R$ 30) a auxílio a concurso de miss (R$ 1.000), passando pela compra de calças sociais (R$ 190); terno de linho (R$ 196); sapato de pelica (R$ 64); caneta MontBlanc (R$ 478) etc.;
4) espetaram-se nos livros do condomínio R$ 96 mil em notas frias. A de número 528, de SND Eletrônica Ltda (R$ 10,3 mil), traz CGC falso; as de número 1.676 (R$ 7.600) e 1.228 (R$ 3.000), da Compusul Ltda, anotam CGCs diferentes. Um é de empresa do Maranhão. Outro não existe;
5) o caso foi a julgamento no TCU. Concluiu-se que o Sesi fora garfado em R$ 2,1 milhões. O veredicto, de maio de 2000, é curioso. Dois síndicos e um administrador do condomínio devolveram R$ 10,8 mil. A federação dos industriais catarinense decidiu restituir "espontaneamente" R$ 616 mil, em 60 parcelas. O TCU avaliou que não houve má-fé de ninguém. Aprovou as contas. Para felicidade geral;
6) ouvido pelo repórter, o industrial Osvaldo Moreira Douat, que presidia a federação de Santa Catarina à época dos malfeitos, disse: "...o tribunal entendeu que as despesas haviam sido justificadas, recomendou mudanças de procedimentos, o que foi integralmente acatado";
9) vem de Minas Gerais outro exemplo de miscigenação das contas da federação da indústria com as verbas do Sesi. Os detalhes constam de auditoria concluída em 1997. Foi a debate em sessão do TCU realizada há 37 dias;
10) entre outubro de 96 e janeiro de 97, a federação mineira gastou, por exemplo, R$ 460 mil para reformar um prédio. O imóvel é do Sesi. O dinheiro que bancou a obra saiu dos cofres do Sesi. Mas as instalações serviram a um centro de negócios da federação;
11) entre os fornecedores da obra está a Tecnowatt Iluminação. Pertence a Stefan Salej, que presidia a federação. Faturou uma mixaria: R$ 10,1 mil;
12) o Sesi banca as viagens da federação. Entre agosto de 1995 e fevereiro de 1996, pagou R$ 21,2 mil em fretamento de jatinhos. Comprou de Truana Turismo R$ 258 mil em passagens aéreas e hospedagens. A firma pertence a Ana Salej e Ana Paula Salej, respectivamente irmã e sobrinha de Stefan Salej;
13) o estacionamento do centro de negócios da federação foi entregue à firma Car & Parking, de Santiago Ballesteros Filho, então diretor-tesoureiro do Sesi;
14) Restaurante do Trabalhador, mantido pelo Sesi em Contagem, gastou R$ 155 mil em suprimentos no ano de 1999. R$ 13 mil foram para Refrigerantes Minas Gerais Ltda. O dono é Luiz Otavio Possas, então vice-presidente da federação;
15) ao analisar o caso, o TCU deu de ombros para a defesa da federação mineira. Recomendou 40 providências para sanar as irregularidades. E adiou a análise das contas;
16) ouvido pelo repórter, Stefan Salej disse: "o tribunal deu 90 dias para cumprir as recomendações. Vai receber o relatório da atual presidência da federação com as providências. Depois, examinará as contas. Tudo ainda está em julgamento";
17) em agosto do ano passado, o TCU analisou as contas do Sesi de São Paulo relativas ao ano de 1996, época em que era dirigido por Carlos Eduardo Moreira Ferreira, que também presidia a Fiesp;
18) os auditores recomendaram a rejeição das contas. Mas os ministros aprovaram a escrituração. Que incluía, por exemplo, despesas com a manutenção de um hotel com cerca de 120 apartamentos, erguido em Presidente Epitácio (SP) ao custo de R$ 16,9 milhões. Jamais foi aberto. Horácio Lafer Piva, atual presidente da Fiesp, tenta vendê-lo. Se encontrar quem pague R$ 8 milhões, entrega. Não achará.
Num país em que o direito dos trabalhadores humildes à boa alimentação, ao lazer e à escola não passa de letra morta da Constituição, é impossível negar a serventia de entidades como o Sesi e o Senai. Desde que se interrompa a safadeza.
Formado metalúrgico numa prensa do Senai, Lula precisa incluir rapidamente o tema na pauta de transição. Antes que seja esquecido. Pode começar tomando duas providências: a) conversar com José Alencar, o companheiro vice-presidente. Ele já presidiu a federação das indústrias de Minas. Conhece como poucos a promiscuidade que conspurca o chamado "Sistema S". b) escolher um nome para presidir o Conselho Nacional do Sesi, uma espécie de tribunal de contas interno da entidade.
Lula ainda não sabe, mas o posto é de nomeação do presidente da República. Quando passou pelo Planalto, o companheiro Itamar Franco entregou-o a Leonor Franco, mulher de Albano Franco. Uma maluquice que FHC manteve intocada.


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