São Paulo, terça, 24 de novembro de 1998

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PAPÉIS
Caio Fábio, que procurou a oposição para avisar da existência de dossiê, ameaça fazer greve de fome
Reverendo se diz vítima de arapuca

MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Miami


O reverendo evangélico Caio Fábio d'Araújo Filho, 43, que intermediou a negociação do suposto dossiê contra a cúpula tucana com a oposição, concedeu entrevista à Folha em uma cafeteria de Boca Raton (75 km ao norte de Miami, Flórida, EUA).
Ele ameaça fazer uma greve de fome para que o presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro José Serra (Saúde) e o governador Mário Covas (SP) abram seus sigilos bancários no Brasil e em paraísos fiscais.
Pela primeira vez, diz que caiu em uma arapuca e admite que pode ter sido manipulado no episódio do dossiê Caribe, o conjunto de fotocópias não-autenticadas que indicam uma suposta associação de FHC, Serra, Covas e do ministro Sérgio Motta (morto em abril) em negócios no Caribe.
Foi o reverendo (denominação dada aos ministros da Igreja Presbiteriana) quem procurou a frente de esquerda (Lula-Brizola) e o candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, para falar dos papéis.
Ele disse que foi informado sobre a papelada por um amigo, cujo nome não revela. O reverendo afirma que, em princípio, não sabia que seria necessário pagar pelos papéis -US$ 1,5 milhão foi o preço pedido a Ciro Gomes.
Abatido, Caio Fábio está pesando 90 kg, 12 kg a menos do que há dez dias. Nascido em Manaus, o reverendo tem ascendência indígena, por parte de mãe, e francesa, pela linhagem paterna.
Na chegada ao Brasil, sem data prevista, ele irá depor à Polícia Federal. À Folha, negou que quisesse ajudar o ex-presidente Fernando Collor e o candidato derrotado do PPB ao governo de São Paulo, Paulo Maluf. Os dois se esforçaram para divulgar os papéis no Brasil.
"Só quero saber da verdade", afirmou Caio Fábio. "Estou com a consciência tranquila."

Folha - O presidente FHC tem relatado a amigos ter recebido a informação de que Fernando Collor teria pago ao sr. US$ 4,5 milhões para organizar a montagem dos papéis do dossiê Caribe.
Caio Fábio d'Araújo Filho -
É mentira. Eu ofereço a quebra de todo e qualquer sigilo bancário que eu possa ter no Brasil e no exterior para que se demonstre onde eu movimentei US$ 4,5 milhões. Quero levar até as últimas consequências diante de Deus, pagar até com a vida, se algum dia participei da montagem de qualquer coisa falsa a respeito de quem quer que seja.
Folha - Qual era o seu interesse ao procurar políticos de oposição para divulgar os papéis?
Caio Fábio -
Recebi informações, me interessei pela verdade. Montagem não é o meu negócio, tudo o que me interessou nisso foi descobrir a verdade. Se montaram alguma coisa em algum lugar, eu quero que seja investigado. Jamais cheguei a ver qualquer documento.
Folha - O que o sr. quer dizer com "pagar com a vida"?
Caio Fábio -
Não vou deixar o meu nome ser destruído por falsificações, chantagens, armações. Pela escolha mais fácil de covardes que pegam nessa história aquele que aparentemente é o lado mais frágil e tentam colocar em cima dessa pessoa a culpa de interesses que todos eles tinham. Quando tentarem me colocar nessa história como alguém que armou isso tudo, eu vou ter que ir aonde eu não quero ir, porque depois disso quem não quer viver mais sou eu.
Folha - O que pretende fazer?
Caio Fábio -
Se tentarem me colocar nessa situação, vou fazer uma greve de fome que pode me levar à morte. A condição para eu parar essa greve é que o presidente e os que estão sendo acusados façam a mesma coisa para o que eu estou me oferecendo: assinar meus banks releases (autorização para informação sobre contas em paraísos fiscais, expediente inócuo, segundo especialistas), porque eu sei que eu não tenho nada a esconder em qualquer lugar do mundo.
Se quiserem me transformar nisso, prefiro morrer como alguém que acreditou na verdade ainda que tenha sido idiota, estúpido.
Folha - Essa ameaça não é mera retórica?
Caio Fábio -
Espero não ter que viver para provar que estou falando sério. Não me importa como isso começou, mas como vai terminar. Não vou sair disso como um mercenário de segunda, ou como alguém cujos interesses fossem menores do que, Deus sabe, aqueles que existiam no meu coração.
Folha - O sr. falou em falsificações. Quais são elas?
Caio Fábio -
Hoje tenho por certo que pelo menos vítima de uma montagem eu fui: fui chamado a ir ao hotel para encontrar uma pessoa que supostamente me mostraria esses documentos. Seria a primeira vez que eu os veria.
Quando cheguei lá essa pessoa tinha acabado de desligar o telefone celular, dizendo que não iria mostrar nada porque teria conversado com pessoas no Brasil, que as pessoas supostamente interessadas não iriam pagar nada, e ele estava exigindo receber para mostrar.
Folha - Ele disse que se chamava Jamil Degan?
Caio Fábio -
Não. Liguei na hora para o doutor Nilo Batista (ex-governador do Rio, advogado do reverendo e de Leonel Brizola), que me disse: "Acabou de ligar aqui para mim um cara com sotaque, nitidamente um bilíngue falando um português muito bom, dizendo que iria mostrar isso a você aí se nós pagássemos. Como eu disse a ele que nós não iríamos pagar, ele disse que não vai mostrar nada. Saia daí agora". Posteriormente, o nome desse sr. apareceu, porque ele se identificara como Jamil Degan ao doutor Nilo Batista.
Folha - E quando o suposto verdadeiro Degan apareceu?
Caio Fábio -
Levei um susto alguns dias atrás ao receber uma visita de alguém que veio ao meu encontro, me mostrou a sua identidade e perguntou de onde eu o conhecia. Respondi que jamais o vira antes, e ele provou pela documentação que era Jamil Degan.
Para mim, ficou claro o seguinte: eu fui levado para uma arapuca.
Folha - Por quem?
Caio Fábio -
Não acredito que foi pela pessoa que dirigiu o carro para mim, que é o amigo que me falou sobre os papéis, mas por aquele que ligou para ele mandando que fôssemos para lá.
Folha - Era brasileiro?
Caio Fábio -
Meu amigo não fez nenhum comentário.
Folha - A Folha publicou uma fotocópia do dossiê Caribe em que aparece o nome da consultoria Overland Advisory Services, de Miami. O papel mostra o fluxograma de uma suposta movimentação de dinheiro. O proprietário da empresa é Oscar de Barros. Qual a sua relação com ele?
Caio Fábio -
Há um ano, eu solicitei um serviço do Oscar de Barros na busca de investidores para projetos como o da TV Vinde, no Brasil. Todas as conversas que eu tive com ele sobre esse assunto (fotocópias do dossiê) ocorreram após o assunto chegar à imprensa.
Folha - Se o papel for verdadeiro, a Overland participou do esquema do alto tucanato no Caribe.
Caio Fábio-
Sob hipótese nenhuma. Comecei a achar que se estava divulgando documentação falsa quando eu vi no jornal o documento da Overland. Esses dois episódios, o personagem falsificado Jamil Degan no hotel e o papel da Overland, me deram a certeza de que o que está sendo divulgado é extremamente questionável.
Folha - Qual a sua relação com Paulo Sérgio Rosa, empresário brasileiro radicado em Miami?
Caio Fábio -
Ele é meu amigo há seis anos. Eu o conheci em São Paulo. Depois que meus filhos vieram estudar na Flórida, o reencontrei aqui. Ele está fazendo serviços de consultoria em marketing.
Folha - O sr. foi ao jantar em que ele homenageou Fernando Collor?
Caio Fábio -
Eu soube de um jantar que ele organizou e para o qual me convidou. Disse que também havia convidado o Fernando Collor, que compareceu com a mulher. Eu não pude ir, a minha mulher foi. Até onde eu sabia, não era um jantar de homenagem.
Folha - O sr. acha que foi usado?
Caio Fábio -
Por quem?
Folha - Por quem produziu papéis falsos ou recolheu papéis verdadeiros.
Caio Fábio -
Detesto a palavra "usado". Ela dá a impressão de que você está se oferecendo como vítima, e eu não sou vítima de nada. Sou adulto, maior de idade. Entrei nisso como brasileiro, como cidadão. O episódio Jamil Degan evidenciou que havia uma grande armação querendo me botar no centro. Há oportunismo de políticos que têm costas quentes, que têm os seus esquemas montados para se safarem de qualquer coisa e que ficam querendo me jogar nisso.
Folha - Quem seriam?
Caio Fábio -
Todos esses que apareceram nessa história de maneira mal-intencionada e agora desapareceram. Prefiro não mencionar nomes.
Folha - O sr. entrou nesse caso como otário ou como esperto?
Caio Fábio -
Nem como otário nem como esperto. Pensei que fosse importante para o Brasil saber se isso é verdade ou mentira.
Se tudo isso foi uma grande armação, e eu fui sendo puxado para o meio desse negócio, quero dizer que só fiquei no meio desse negócio na mídia. Eu tenho plena convicção de que eu era a periferia.
Folha - Por que o sr. não revela o nome do seu amigo? Se ele é seu amigo, por que ele não revela?
Caio Fábio -
Essa é uma pergunta que teria de ser feita a ele.
Folha - O sr. fez?
Caio Fábio -
Já conversei com ele a respeito. Quando entrei nisso, entrei sabendo que teria de proteger essa pessoa por esse segredo de aconselhamento pastoral. Eu não vou sair disso como um frouxo, um debilitado que na hora em que as coisas apertaram jogou tudo para o alto só para salvar a própria pele. Se estou do lado da verdade e Deus está comigo, como creio, a minha única resposta é dizer: se Deus é por nós, quem será contra nós? Apareçam os candidatos.
Folha - O sr. pode ter sido manipulado por esse amigo?
Caio Fábio -
Até hoje a minha convicção é de que esse amigo não estava tentando me usar, tentando me colocar no meio desse furacão.
Eventualmente ele pode ter sido usado. Só que eu tenho condição de chegar e estar aqui, com o peito aberto, escancarado, falando tudo o que eu estou falando. O que ele me diz é o seguinte: "O sr. eventualmente vai conseguir viver depois disso. Eu, se aparecer, estou acabado, porque não tenho estrutura familiar, psicológica e profissional para saber como a minha vida vai prosseguir".
Folha - O sr. tem casa em Niterói e em Boca Raton. Qual a origem dos seus proventos?
Caio Fábio -
Vivo de direitos autorais dos meus livros. Tenho mais de cem livros publicados no Brasil e uns 15 no exterior. Vivo de proventos pastorais que recebo de três igrejas no Brasil: Igreja Presbiteriana Betânia, a Igreja Presbiteriana Central de Manaus, do meu pai, e a Catedral Presbiteriana do Rio. Como conferencista, não cobro para falar, mas com alguma regularidade, após as conferências, recebo algum tipo de oferta, como se chama no meio cristão.
Folha - Quanto o sr. ganha por mês?
Caio Fábio -
Alguma coisa em torno de R$ 20 mil, R$ 23 mil.
Folha - O sr. votou em Lula. Qual a sua opinião sobre Collor?
Caio Fábio -
Eu não tenho opinião profundamente definida. Quando olho para o que aconteceu no Brasil durante o governo dele, eu vejo que algumas das coisas cujos benefícios a gente colhe hoje foram coisas que ele iniciou. Exemplo: toda abertura econômica, o processo de globalização. Acho entretanto, que ele era, no mínimo, inadequado para a Presidência.
Folha - O sr. costuma vê-lo?
Caio Fábio -
Encontramo-nos uma vez em Brasília, numa cerimônia de pastores evangélicos, seis meses antes do processo de impeachment. Em Miami, uma vez, num shopping center.
Folha - Se o presidente fosse Lula, o sr. teria a mesma iniciativa em relação aos papéis?
Caio Fábio -
Nessa história não existe absolutamente nada de pessoal. Se o meu melhor amigo estivesse governando o Brasil e alguém viesse me dizer que ele estava tendo contas desse tipo, com recursos vindo de negócios favorecidos pelo Estado, a angústia, a perplexidade e a vontade de encontrar a verdade seriam as mesmas.



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