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PAPÉIS
Caio Fábio, que procurou a oposição para avisar da existência de dossiê, ameaça fazer greve de fome
Reverendo se diz vítima de arapuca
MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Miami
O reverendo
evangélico Caio
Fábio d'Araújo
Filho, 43, que intermediou a negociação do suposto dossiê
contra a cúpula
tucana com a oposição, concedeu
entrevista à Folha em uma cafeteria de Boca Raton (75 km ao norte
de Miami, Flórida, EUA).
Ele ameaça fazer uma greve de
fome para que o presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro José Serra (Saúde) e o governador Mário Covas (SP) abram seus
sigilos bancários no Brasil e em paraísos fiscais.
Pela primeira vez, diz que caiu
em uma arapuca e admite que pode ter sido manipulado no episódio do dossiê Caribe, o conjunto de
fotocópias não-autenticadas que
indicam uma suposta associação
de FHC, Serra, Covas e do ministro
Sérgio Motta (morto em abril) em
negócios no Caribe.
Foi o reverendo (denominação
dada aos ministros da Igreja Presbiteriana) quem procurou a frente
de esquerda (Lula-Brizola) e o candidato do PPS à Presidência, Ciro
Gomes, para falar dos papéis.
Ele disse que foi informado sobre
a papelada por um amigo, cujo nome não revela. O reverendo afirma
que, em princípio, não sabia que
seria necessário pagar pelos papéis
-US$ 1,5 milhão foi o preço pedido a Ciro Gomes.
Abatido, Caio Fábio está pesando 90 kg, 12 kg a menos do que há
dez dias. Nascido em Manaus, o reverendo tem ascendência indígena, por parte de mãe, e francesa,
pela linhagem paterna.
Na chegada ao Brasil, sem data
prevista, ele irá depor à Polícia Federal. À Folha, negou que quisesse
ajudar o ex-presidente Fernando
Collor e o candidato derrotado do
PPB ao governo de São Paulo, Paulo Maluf. Os dois se esforçaram para divulgar os papéis no Brasil.
"Só quero saber da verdade",
afirmou Caio Fábio. "Estou com a
consciência tranquila."
Folha - O presidente FHC tem relatado a amigos ter recebido a informação de que Fernando Collor
teria pago ao sr. US$ 4,5 milhões
para organizar a montagem dos
papéis do dossiê Caribe.
Caio Fábio d'Araújo Filho - É
mentira. Eu ofereço a quebra de todo e qualquer sigilo bancário que
eu possa ter no Brasil e no exterior
para que se demonstre onde eu
movimentei US$ 4,5 milhões. Quero levar até as últimas consequências diante de Deus, pagar até com
a vida, se algum dia participei da
montagem de qualquer coisa falsa
a respeito de quem quer que seja.
Folha - Qual era o seu interesse
ao procurar políticos de oposição
para divulgar os papéis?
Caio Fábio - Recebi informações,
me interessei pela verdade. Montagem não é o meu negócio, tudo o
que me interessou nisso foi descobrir a verdade. Se montaram alguma coisa em algum lugar, eu quero
que seja investigado. Jamais cheguei a ver qualquer documento.
Folha - O que o sr. quer dizer com
"pagar com a vida"?
Caio Fábio - Não vou deixar o
meu nome ser destruído por falsificações, chantagens, armações.
Pela escolha mais fácil de covardes
que pegam nessa história aquele
que aparentemente é o lado mais
frágil e tentam colocar em cima
dessa pessoa a culpa de interesses
que todos eles tinham. Quando
tentarem me colocar nessa história
como alguém que armou isso tudo, eu vou ter que ir aonde eu não
quero ir, porque depois disso
quem não quer viver mais sou eu.
Folha - O que pretende fazer?
Caio Fábio - Se tentarem me colocar nessa situação, vou fazer uma
greve de fome que pode me levar à
morte. A condição para eu parar
essa greve é que o presidente e os
que estão sendo acusados façam a
mesma coisa para o que eu estou
me oferecendo: assinar meus
banks releases (autorização para
informação sobre contas em paraísos fiscais, expediente inócuo, segundo especialistas), porque eu sei
que eu não tenho nada a esconder
em qualquer lugar do mundo.
Se quiserem me transformar nisso, prefiro morrer como alguém
que acreditou na verdade ainda
que tenha sido idiota, estúpido.
Folha - Essa ameaça não é mera
retórica?
Caio Fábio - Espero não ter que
viver para provar que estou falando sério. Não me importa como isso começou, mas como vai terminar. Não vou sair disso como um
mercenário de segunda, ou como
alguém cujos interesses fossem
menores do que, Deus sabe, aqueles que existiam no meu coração.
Folha - O sr. falou em falsificações. Quais são elas?
Caio Fábio - Hoje tenho por certo
que pelo menos vítima de uma
montagem eu fui: fui chamado a ir
ao hotel para encontrar uma pessoa que supostamente me mostraria esses documentos. Seria a primeira vez que eu os veria.
Quando cheguei lá essa pessoa tinha acabado de desligar o telefone
celular, dizendo que não iria mostrar nada porque teria conversado
com pessoas no Brasil, que as pessoas supostamente interessadas
não iriam pagar nada, e ele estava
exigindo receber para mostrar.
Folha - Ele disse que se chamava
Jamil Degan?
Caio Fábio - Não. Liguei na hora
para o doutor Nilo Batista (ex-governador do Rio, advogado do reverendo e de Leonel Brizola), que
me disse: "Acabou de ligar aqui
para mim um cara com sotaque,
nitidamente um bilíngue falando
um português muito bom, dizendo que iria mostrar isso a você aí se
nós pagássemos. Como eu disse a
ele que nós não iríamos pagar, ele
disse que não vai mostrar nada.
Saia daí agora". Posteriormente, o
nome desse sr. apareceu, porque
ele se identificara como Jamil Degan ao doutor Nilo Batista.
Folha - E quando o suposto verdadeiro Degan apareceu?
Caio Fábio - Levei um susto alguns dias atrás ao receber uma visita de alguém que veio ao meu encontro, me mostrou a sua identidade e perguntou de onde eu o conhecia. Respondi que jamais o vira
antes, e ele provou pela documentação que era Jamil Degan.
Para mim, ficou claro o seguinte:
eu fui levado para uma arapuca.
Folha - Por quem?
Caio Fábio - Não acredito que foi
pela pessoa que dirigiu o carro para mim, que é o amigo que me falou sobre os papéis, mas por aquele que ligou para ele mandando
que fôssemos para lá.
Folha - Era brasileiro?
Caio Fábio - Meu amigo não fez
nenhum comentário.
Folha - A Folha publicou uma fotocópia do dossiê Caribe em que
aparece o nome da consultoria
Overland Advisory Services, de
Miami. O papel mostra o fluxograma de uma suposta movimentação
de dinheiro. O proprietário da empresa é Oscar de Barros. Qual a sua
relação com ele?
Caio Fábio - Há um ano, eu solicitei um serviço do Oscar de Barros
na busca de investidores para projetos como o da TV Vinde, no Brasil. Todas as conversas que eu tive
com ele sobre esse assunto (fotocópias do dossiê) ocorreram após
o assunto chegar à imprensa.
Folha - Se o papel for verdadeiro,
a Overland participou do esquema
do alto tucanato no Caribe.
Caio Fábio- Sob hipótese nenhuma. Comecei a achar que se estava
divulgando documentação falsa
quando eu vi no jornal o documento da Overland. Esses dois episódios, o personagem falsificado Jamil Degan no hotel e o papel da
Overland, me deram a certeza de
que o que está sendo divulgado é
extremamente questionável.
Folha - Qual a sua relação com
Paulo Sérgio Rosa, empresário brasileiro radicado em Miami?
Caio Fábio - Ele é meu amigo há
seis anos. Eu o conheci em São
Paulo. Depois que meus filhos vieram estudar na Flórida, o reencontrei aqui. Ele está fazendo serviços
de consultoria em marketing.
Folha - O sr. foi ao jantar em que
ele homenageou Fernando Collor?
Caio Fábio - Eu soube de um jantar que ele organizou e para o qual
me convidou. Disse que também
havia convidado o Fernando Collor, que compareceu com a mulher. Eu não pude ir, a minha mulher foi. Até onde eu sabia, não era
um jantar de homenagem.
Folha - O sr. acha que foi usado?
Caio Fábio - Por quem?
Folha - Por quem produziu papéis falsos ou recolheu papéis verdadeiros.
Caio Fábio - Detesto a palavra
"usado". Ela dá a impressão de que
você está se oferecendo como vítima, e eu não sou vítima de nada.
Sou adulto, maior de idade. Entrei
nisso como brasileiro, como cidadão. O episódio Jamil Degan evidenciou que havia uma grande armação querendo me botar no centro. Há oportunismo de políticos
que têm costas quentes, que têm os
seus esquemas montados para se
safarem de qualquer coisa e que ficam querendo me jogar nisso.
Folha - Quem seriam?
Caio Fábio - Todos esses que apareceram nessa história de maneira
mal-intencionada e agora desapareceram. Prefiro não mencionar
nomes.
Folha - O sr. entrou nesse caso
como otário ou como esperto?
Caio Fábio - Nem como otário
nem como esperto. Pensei que fosse importante para o Brasil saber
se isso é verdade ou mentira.
Se tudo isso foi uma grande armação, e eu fui sendo puxado para
o meio desse negócio, quero dizer
que só fiquei no meio desse negócio na mídia. Eu tenho plena convicção de que eu era a periferia.
Folha - Por que o sr. não revela o
nome do seu amigo? Se ele é seu
amigo, por que ele não revela?
Caio Fábio - Essa é uma pergunta
que teria de ser feita a ele.
Folha - O sr. fez?
Caio Fábio - Já conversei com ele
a respeito. Quando entrei nisso,
entrei sabendo que teria de proteger essa pessoa por esse segredo de
aconselhamento pastoral. Eu não
vou sair disso como um frouxo,
um debilitado que na hora em que
as coisas apertaram jogou tudo para o alto só para salvar a própria
pele. Se estou do lado da verdade e
Deus está comigo, como creio, a
minha única resposta é dizer: se
Deus é por nós, quem será contra
nós? Apareçam os candidatos.
Folha - O sr. pode ter sido manipulado por esse amigo?
Caio Fábio - Até hoje a minha
convicção é de que esse amigo não
estava tentando me usar, tentando
me colocar no meio desse furacão.
Eventualmente ele pode ter sido
usado. Só que eu tenho condição
de chegar e estar aqui, com o peito
aberto, escancarado, falando tudo
o que eu estou falando. O que ele
me diz é o seguinte: "O sr. eventualmente vai conseguir viver depois disso. Eu, se aparecer, estou
acabado, porque não tenho estrutura familiar, psicológica e profissional para saber como a minha vida vai prosseguir".
Folha - O sr. tem casa em Niterói
e em Boca Raton. Qual a origem
dos seus proventos?
Caio Fábio - Vivo de direitos autorais dos meus livros. Tenho mais
de cem livros publicados no Brasil
e uns 15 no exterior. Vivo de proventos pastorais que recebo de três
igrejas no Brasil: Igreja Presbiteriana Betânia, a Igreja Presbiteriana Central de Manaus, do meu pai,
e a Catedral Presbiteriana do Rio.
Como conferencista, não cobro
para falar, mas com alguma regularidade, após as conferências, recebo algum tipo de oferta, como se
chama no meio cristão.
Folha - Quanto o sr. ganha por
mês?
Caio Fábio - Alguma coisa em
torno de R$ 20 mil, R$ 23 mil.
Folha - O sr. votou em Lula. Qual
a sua opinião sobre Collor?
Caio Fábio - Eu não tenho opinião profundamente definida.
Quando olho para o que aconteceu
no Brasil durante o governo dele,
eu vejo que algumas das coisas cujos benefícios a gente colhe hoje foram coisas que ele iniciou. Exemplo: toda abertura econômica, o
processo de globalização. Acho entretanto, que ele era, no mínimo,
inadequado para a Presidência.
Folha - O sr. costuma vê-lo?
Caio Fábio - Encontramo-nos
uma vez em Brasília, numa cerimônia de pastores evangélicos,
seis meses antes do processo de
impeachment. Em Miami, uma
vez, num shopping center.
Folha - Se o presidente fosse Lula, o sr. teria a mesma iniciativa em
relação aos papéis?
Caio Fábio - Nessa história não
existe absolutamente nada de pessoal. Se o meu melhor amigo estivesse governando o Brasil e alguém viesse me dizer que ele estava tendo contas desse tipo, com recursos vindo de negócios favorecidos pelo Estado, a angústia, a perplexidade e a vontade de encontrar
a verdade seriam as mesmas.
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