São Paulo, segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

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ENTREVISTA DA 2ª/HENRY MAKSOUD

Solução para o país é dar férias coletivas para todo o governo

Para empresário, erro de Lula foi ter comprado um avião. Deveria ter comprado 15 para o governo viajar o mundo

O ESTILO polêmico, desafiador, anárquico continua o mesmo. Nos anos 70 e 80, em pleno regime autoritário, o nome Henry Maksoud foi sinônimo de crítica e independência. Dono da revista "Visão", um dos principais veículos de informação do país na época, e um programa de TV ao modelo "talk-show", no qual falava mais que os convidados, o empresário marcou época por sua defesa do liberalismo econômico. Admirador do economista e filósofo Friedrich August von Hayek, considerado o pai do neoliberalismo, de quem se tornou amigo, Maksoud ainda prega as mesmas idéias.
Em entrevista concedida no seu escritório do hotel Maksoud Plaza, que durante muito tempo foi ponto de referência de grandes empresários, banqueiros e políticos, Henry Maksoud, 78, continua o mesmo. Sem papa nas línguas.
Ao comparar os governos Lula e FHC, disse: "Se for para considerar o que o mundo pensa do Brasil, o governo do Lula é melhor. E, se for para considerar o que eu penso do Brasil, esse e o outro são umas merdas".

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

 

FOLHA - O senhor acha que a concepção liberal na economia pode ser considerada, hoje, vitoriosa?
HENRY MAKSOUD -
O conceito liberal que eu defendo não é o que se tem hoje. Essa bobagem chamada neoliberal não existe. Pode escrever. Neoliberal é besteira. Não existe essa asneira. O que aconteceu na Inglaterra e na Escócia é algo que poderia ser chamado de liberalismo clássico, mas aconteceu só lá. Foi apenas uma pequena mancha tão forte que as idéias foram para alguns outros lugares. Mas isso não quer dizer que, depois disso, o liberalismo clássico, a economia de mercado, espalhou-se pelo mundo. Não. Se você procurar onde existe a economia de mercado, vai ver só algumas manchas.

FOLHA - Nos Estados Unidos?
MAKSOUD -
É, mas aqui [no Brasil] nenhuma mancha.

FOLHA - No Brasil?
MAKSOUD -
No Brasil, zero. No Brasil, quase nenhuma mancha. Não, não existe. Aqui tem [no seu escritório], mas às vezes me vejo infectado porque vivo aqui.

FOLHA - Aqui onde?
MAKSOUD -
Aqui neste lugar onde estou [em seu escritório, no hotel]. Mas isso não quer dizer que eu exerço o que deveria se chamar de economia de mercado, até porque não posso exercer. Sou um prisioneiro. Vivo prisioneiro de um Estado, igual a um clube ao qual sou filiado compulsoriamente. Eu me revolto contra o Estado, mas eles me punem.

FOLHA - Como o sr. é punido?
MAKSOUD -
Me punem, eles punem você também. Você é punido quando, no fim do mês, não leva dinheiro para casa, leva dívida. Não trabalho livremente. Há coisas que não deveriam existir neste país.

FOLHA - Por exemplo?
MAKSOUD -
Aquele livro amarelo que está lá [aponta a estante em frente], a Consolidação das Leis Trabalhistas, só aqui existe isso e é um dos troços que vêm mantendo o país subdesenvolvido e, se continuar existindo, vai manter o país assim ao longo da vida. Não tem nada a ver com Justiça. É um troço estapafúrdio, travesseiro dos advogados. Segura o progresso e vai continuar segurando. O Brasil não cresce por causa disso. E também não tem como crescer por causa do sistema tributário.
Não tem como crescer por causa do sistema de formação de capital. Não temos um mercado de capitais no Brasil, banco privado. Todos os bancos são paraestatais. Os bancos existem só para ajudar o governo. Para haver economia de mercado, um dos elementos que o empreendedor precisa ter é capital. Aqui não existe. Aqui existe desestímulo à formação de capital fixo, ou seja, desestímulo à formação de poupança pelos indivíduos e pelas empresas. Tudo o que existe de formação de capital ou de poupança o governo lança mão para queimar, para jogar fora.

FOLHA - O mercado de capitais cresceu nestes últimos dois anos.
MAKSOUD -
Você quer dizer que os bancos têm tido lucros imensos? Isso não quer dizer que o mercado cresceu.

FOLHA - A Bolsa cresceu e mais investidores entraram no mercado.
MAKSOUD -
Por que estão entrando no mercado? Porque os juros nos EUA baixaram e há muita liquidez no mundo. Então, eles vêm para um país onde os juros estão lá na estratosfera, e aqui a regra, a lei brasileira, por um milagre qualquer ou por inteligência, diz que você pode vir com o dinheiro de fora na Bolsa, lucra e leva embora que não vamos impedir. Enquanto mantiverem isso, vai ser esse troço e nós, índios selvagens, eu me coloco junto só para você não se sentir ofendido, julgamos que a Bolsa está crescendo, que a coisa está formidável. É, simplesmente, um jogo de troca de papel. Troca de papel não faz crescer fábrica, emprego, não me faz poder melhorar meus negócios. Estou há 15 anos tentando construir três hotéis formidáveis e não consigo. Só tem gente atrapalhando e eu não consigo fazer. O pior é que são hotéis viáveis.

FOLHA - Onde seriam os hotéis?
MAKSOUD -
Manaus, Angra dos Reis e Bauru.

FOLHA - E por que o sr. não consegue fazer?
MAKSOUD -
Ninguém acredita nas dificuldades que tenho. Agora, sou teimoso, nasci teimoso. Vou brigando, até porque me faz bem para saúde. Se vir que estou errado, desisto, mas, se não estou errado, continuo na briga.

FOLHA - Qual é a sua avaliação do governo Lula?
MAKSOUD -
Quando ele foi eleito com aquela força toda, o mundo ficou apavorado. E muitos brasileiros pensaram que iríamos ter aqui uma nova Cuba ou um troço parecido com o que agora é o Hugo Chávez lá na Venezuela ou esse outro na Bolívia [Evo Morales]. Ficaram todos preocupados com o que ia acontecer. E é surpreendente o que aconteceu de lá para cá, para todo mundo.

FOLHA - Inclusive para o senhor?
MAKSOUD -
Para mim, também. Quando comecei a ouvir o Lula falar de improviso, no começo ele errava muito nas expressões, mas falava, transmitia as idéias de forma simples, de improviso. Não decorava nada e falava o dia inteiro. Cara inteligente. Surpreendeu em vários aspectos. É preciso dar um crédito desgraçado para ele. Ele fez uma jogada, a mais brilhante que já possa ter feito um político. Ele colocou na presidência do Banco Central um homem que tinha recém-saído da presidência de um dos maiores bancos do mundo, que era o BankBoston. Ele falou: "Puxa, esse cara tem ambição política". Ele imaginou o seguinte: "Não podemos colocar um dos nossos, porque há cobras e lagartos dentro do BC, precisa ser alguém que saiba mexer com esse troço de dinheiro". Imagina como aquele troço é supercomplicado. E puseram o sr. Henrique Meirelles. Salvou o Brasil. Você viu que, de uma hora para outra, desanuviou? Você não vê isso como jornalista?
O mundo está desanuviado. Não se desconfia. Ele [Lula] vai lá e está falando com o mundo inteiro. Veste aquela casaca e tal e vai lá com o rei, a rainha. Você pensou uns anos atrás o Lula e a mulher dele andando lá pelos jantares de coisa real, pelo mundo inteiro? Só tem um defeito sério o Lula. Ele só cometeu um grande erro.

FOLHA - Qual foi o erro de Lula?
MAKSOUD -
Comprou só um avião. Ele deveria ter comprado uns 15 aviões e colocado o governo o tempo todo viajando.

FOLHA - Por quê?
MAKSOUD -
Aí não teríamos governo. Você está rindo, eu estou falando sério. Sou anarquista. As pessoas pensam que anarquia é bagunça. Anarquia é um sistema de governo. Quer dizer governo mínimo. Você já imaginou o governo viajando o tempo todo e em aviões bacanas por esses lugares todos? Anos atrás, uns amigos me acusavam de eu ficar criticando, escrevendo, falando e nunca apontar uma solução. E aí dei uma solução: férias coletivas para o governo. Vocês ficam rindo, mas falo sério. O Brasil tem um monte de reservas em dólar, não tem? Bilhões e não tem o que fazer. Olha o mapa do mundo [aponta um mapa-múndi], há umas ilhas ali do lado da Austrália, do lado do Pacífico, compra umas belas ilhas e põe os governos lá em férias.

FOLHA - É mais barato?
MAKSOUD -
Mais barato que uma penada por dia que cada um deles dá. Cada penada custa os olhos da cara para o povo brasileiro. Cada hora que ele assinam um troço daqueles custa um monte de dinheiro. Manda os caras de férias em dez anos renováveis. As pessoas riem e pensam que estou brincando quando falo isso.

FOLHA - Qual a sua avaliação do governo Fernando Henrique?
MAKSOUD -
Em termos de resultado, se for para considerar o que o mundo pensa do Brasil, o governo do Lula é melhor. E, se for para considerar o que eu penso do Brasil, este e o outro são umas merdas. Tem muita intervenção, coisas que não deveriam existir e que deveriam ter sido mudadas. Por exemplo, a Previdência deveria ser extinta, acabar. Extinta e criada uma Nova Previdência, vamos chamar, privada. O mundo inteiro está fazendo isso, nos moldes do Chile. Até a China comunista estuda o modelo chileno.

FOLHA - O sr. já travou algumas disputas, não? Do governo militar, por exemplo, foi um crítico feroz.
MAKSOUD -
Não, fui crítico de todo mundo. Vamos ser sinceros, não sou um crítico desse ou daquele. Sou independente, e as pessoas não gostam de gente independente. Agora, independência não quer dizer arrogância, não quer dizer soberba, quer dizer independência. Se alguém quiser falar comigo, falo. Se a prostituta dona Joaquina quiser falar comigo, falo com ela. Se o que ela quiser for um troço besta, falo: "Olha, dona, não é comigo". Estou agora no teatro, por exemplo. No teatro, o trabalho da mídia é arrasador. O silêncio é mais arrasador que a palavra falada. Já sentiu um sapo frio em cima de você?

FOLHA - Com o sr. resume a peça?
MAKSOUD -
É uma crônica musical, relacionada com as atividades dos eventos que o Maksoud Plaza teve nestes últimos quase 30 anos e só o Maksoud Plaza possui esse acervo musical mostrado na peça. Ninguém mais. É mostrado numa forma de uma peça teatral musical ["Emoções que o Tempo não Apaga", escrita e dirigida pelo próprio empresário, teve sua temporada interrompida no período de festas e volta a entrar em cartaz no dia 11].

FOLHA - Uma curiosidade: o que aconteceu com a Hidroservice? A empresa foi descontinuada?
MAKSOUD -
Ela não foi descontinuada, o Brasil foi descontinuado. O Brasil parou, não tem serviço, não tem trabalho.

FOLHA - A Hidroservice fechou?
MAKSOUD -
Está aberta. É a empresa holding do grupo. O que eu não aceito mais é trabalho, porque não tem trabalho. Quando vêm me oferecer trabalho, é uma porcaria, ou então tem que consorciar com cinco outras empresas. Vira um trem da alegria, uma bagunça, o diabo, isso eu não quero fazer.

FOLHA - E o seu hotel, como está o Maksoud Plaza? Ele foi símbolo de glamour.
MAKSOUD -
Foi, não. Foi, é e será. Quem fala "foi" se confunde.


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