|
Texto Anterior | Índice
ENTREVISTA DA 2ª/HENRY MAKSOUD
Solução para o país é dar férias coletivas para todo o governo
Para empresário, erro de Lula foi ter comprado um avião. Deveria ter comprado 15 para o governo viajar o mundo
O ESTILO polêmico, desafiador,
anárquico continua o mesmo. Nos
anos 70 e 80, em pleno regime autoritário, o nome Henry Maksoud
foi sinônimo de crítica e independência. Dono
da revista "Visão", um dos principais veículos
de informação do país na época, e um programa de TV ao modelo "talk-show", no qual falava mais que os convidados, o empresário marcou época por sua defesa do liberalismo econômico. Admirador do economista e filósofo
Friedrich August von Hayek, considerado o pai
do neoliberalismo, de quem se tornou amigo,
Maksoud ainda prega as mesmas idéias.
Em entrevista concedida no seu escritório do
hotel Maksoud Plaza, que durante muito tempo foi ponto de referência de grandes empresários, banqueiros e políticos, Henry Maksoud,
78, continua o mesmo. Sem papa nas línguas.
Ao comparar os governos Lula e FHC, disse:
"Se for para considerar o que o mundo pensa
do Brasil, o governo do Lula é melhor. E, se for
para considerar o que eu penso do Brasil, esse e
o outro são umas merdas".
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
FOLHA - O senhor acha que a concepção liberal na economia pode ser
considerada, hoje, vitoriosa?
HENRY MAKSOUD - O conceito liberal que eu defendo não é o
que se tem hoje. Essa bobagem
chamada neoliberal não existe.
Pode escrever. Neoliberal é
besteira. Não existe essa asneira. O que aconteceu na Inglaterra e na Escócia é algo que poderia ser chamado de liberalismo clássico, mas aconteceu só
lá. Foi apenas uma pequena
mancha tão forte que as idéias
foram para alguns outros lugares. Mas isso não quer dizer
que, depois disso, o liberalismo
clássico, a economia de mercado, espalhou-se pelo mundo.
Não. Se você procurar onde
existe a economia de mercado,
vai ver só algumas manchas.
FOLHA - Nos Estados Unidos?
MAKSOUD - É, mas aqui [no Brasil] nenhuma mancha.
FOLHA - No Brasil?
MAKSOUD - No Brasil, zero. No
Brasil, quase nenhuma mancha. Não, não existe. Aqui tem
[no seu escritório], mas às vezes me vejo infectado porque
vivo aqui.
FOLHA - Aqui onde?
MAKSOUD - Aqui neste lugar
onde estou [em seu escritório,
no hotel]. Mas isso não quer dizer que eu exerço o que deveria
se chamar de economia de mercado, até porque não posso
exercer. Sou um prisioneiro.
Vivo prisioneiro de um Estado,
igual a um clube ao qual sou filiado compulsoriamente. Eu
me revolto contra o Estado,
mas eles me punem.
FOLHA - Como o sr. é punido?
MAKSOUD - Me punem, eles punem você também. Você é punido quando, no fim do mês,
não leva dinheiro para casa, leva dívida. Não trabalho livremente. Há coisas que não deveriam existir neste país.
FOLHA - Por exemplo?
MAKSOUD - Aquele livro amarelo que está lá [aponta a estante
em frente], a Consolidação das
Leis Trabalhistas, só aqui existe
isso e é um dos troços que vêm
mantendo o país subdesenvolvido e, se continuar existindo,
vai manter o país assim ao longo da vida. Não tem nada a ver
com Justiça. É um troço estapafúrdio, travesseiro dos advogados. Segura o progresso e vai
continuar segurando. O Brasil
não cresce por causa disso. E
também não tem como crescer
por causa do sistema tributário.
Não tem como crescer por causa do sistema de formação de
capital. Não temos um mercado de capitais no Brasil, banco
privado. Todos os bancos são
paraestatais. Os bancos existem só para ajudar o governo.
Para haver economia de mercado, um dos elementos que o
empreendedor precisa ter é capital. Aqui não existe. Aqui
existe desestímulo à formação
de capital fixo, ou seja, desestímulo à formação de poupança
pelos indivíduos e pelas empresas. Tudo o que existe de formação de capital ou de poupança o governo lança mão para
queimar, para jogar fora.
FOLHA - O mercado de capitais
cresceu nestes últimos dois anos.
MAKSOUD - Você quer dizer que
os bancos têm tido lucros
imensos? Isso não quer dizer
que o mercado cresceu.
FOLHA - A Bolsa cresceu e mais investidores entraram no mercado.
MAKSOUD - Por que estão entrando no mercado? Porque os
juros nos EUA baixaram e há
muita liquidez no mundo. Então, eles vêm para um país onde
os juros estão lá na estratosfera, e aqui a regra, a lei brasileira,
por um milagre qualquer ou
por inteligência, diz que você
pode vir com o dinheiro de fora
na Bolsa, lucra e leva embora
que não vamos impedir. Enquanto mantiverem isso, vai
ser esse troço e nós, índios selvagens, eu me coloco junto só
para você não se sentir ofendido, julgamos que a Bolsa está
crescendo, que a coisa está formidável. É, simplesmente, um
jogo de troca de papel. Troca de
papel não faz crescer fábrica,
emprego, não me faz poder melhorar meus negócios. Estou há
15 anos tentando construir três
hotéis formidáveis e não consigo. Só tem gente atrapalhando
e eu não consigo fazer. O pior é
que são hotéis viáveis.
FOLHA - Onde seriam os hotéis?
MAKSOUD - Manaus, Angra dos
Reis e Bauru.
FOLHA - E por que o sr. não consegue fazer?
MAKSOUD - Ninguém acredita
nas dificuldades que tenho.
Agora, sou teimoso, nasci teimoso. Vou brigando, até porque me faz bem para saúde. Se
vir que estou errado, desisto,
mas, se não estou errado, continuo na briga.
FOLHA - Qual é a sua avaliação do
governo Lula?
MAKSOUD - Quando ele foi eleito com aquela força toda, o
mundo ficou apavorado. E muitos brasileiros pensaram que
iríamos ter aqui uma nova Cuba ou um troço parecido com o
que agora é o Hugo Chávez lá
na Venezuela ou esse outro na
Bolívia [Evo Morales]. Ficaram
todos preocupados com o que
ia acontecer. E é surpreendente
o que aconteceu de lá para cá,
para todo mundo.
FOLHA - Inclusive para o senhor?
MAKSOUD - Para mim, também.
Quando comecei a ouvir o Lula
falar de improviso, no começo
ele errava muito nas expressões, mas falava, transmitia as
idéias de forma simples, de improviso. Não decorava nada e
falava o dia inteiro. Cara inteligente. Surpreendeu em vários
aspectos. É preciso dar um crédito desgraçado para ele.
Ele fez uma jogada, a mais
brilhante que já possa ter feito
um político. Ele colocou na presidência do Banco Central um
homem que tinha recém-saído
da presidência de um dos maiores bancos do mundo, que era o
BankBoston. Ele falou: "Puxa,
esse cara tem ambição política". Ele imaginou o seguinte:
"Não podemos colocar um dos
nossos, porque há cobras e lagartos dentro do BC, precisa ser
alguém que saiba mexer com
esse troço de dinheiro". Imagina como aquele troço é supercomplicado. E puseram o sr.
Henrique Meirelles. Salvou o
Brasil. Você viu que, de uma hora para outra, desanuviou? Você não vê isso como jornalista?
O mundo está desanuviado.
Não se desconfia. Ele [Lula] vai
lá e está falando com o mundo
inteiro. Veste aquela casaca e
tal e vai lá com o rei, a rainha.
Você pensou uns anos atrás o
Lula e a mulher dele andando lá
pelos jantares de coisa real, pelo mundo inteiro? Só tem um
defeito sério o Lula. Ele só cometeu um grande erro.
FOLHA - Qual foi o erro de Lula?
MAKSOUD - Comprou só um
avião. Ele deveria ter comprado
uns 15 aviões e colocado o governo o tempo todo viajando.
FOLHA - Por quê?
MAKSOUD - Aí não teríamos governo. Você está rindo, eu estou
falando sério. Sou anarquista.
As pessoas pensam que anarquia é bagunça. Anarquia é um
sistema de governo. Quer dizer
governo mínimo. Você já imaginou o governo viajando o
tempo todo e em aviões bacanas por esses lugares todos?
Anos atrás, uns amigos me acusavam de eu ficar criticando,
escrevendo, falando e nunca
apontar uma solução. E aí dei
uma solução: férias coletivas
para o governo. Vocês ficam
rindo, mas falo sério. O Brasil
tem um monte de reservas em
dólar, não tem? Bilhões e não
tem o que fazer. Olha o mapa do
mundo [aponta um mapa-múndi], há umas ilhas ali do lado da Austrália, do lado do Pacífico, compra umas belas ilhas
e põe os governos lá em férias.
FOLHA - É mais barato?
MAKSOUD - Mais barato que
uma penada por dia que cada
um deles dá. Cada penada custa
os olhos da cara para o povo
brasileiro. Cada hora que ele
assinam um troço daqueles
custa um monte de dinheiro.
Manda os caras de férias em
dez anos renováveis. As pessoas riem e pensam que estou
brincando quando falo isso.
FOLHA - Qual a sua avaliação do
governo Fernando Henrique?
MAKSOUD - Em termos de resultado, se for para considerar
o que o mundo pensa do Brasil,
o governo do Lula é melhor. E,
se for para considerar o que eu
penso do Brasil, este e o outro
são umas merdas. Tem muita
intervenção, coisas que não deveriam existir e que deveriam
ter sido mudadas. Por exemplo,
a Previdência deveria ser extinta, acabar. Extinta e criada uma
Nova Previdência, vamos chamar, privada. O mundo inteiro
está fazendo isso, nos moldes
do Chile. Até a China comunista estuda o modelo chileno.
FOLHA - O sr. já travou algumas
disputas, não? Do governo militar,
por exemplo, foi um crítico feroz.
MAKSOUD - Não, fui crítico de
todo mundo. Vamos ser sinceros, não sou um crítico desse ou
daquele. Sou independente, e
as pessoas não gostam de gente
independente. Agora, independência não quer dizer arrogância, não quer dizer soberba,
quer dizer independência. Se
alguém quiser falar comigo, falo. Se a prostituta dona Joaquina quiser falar comigo, falo com
ela. Se o que ela quiser for um
troço besta, falo: "Olha, dona,
não é comigo". Estou agora no
teatro, por exemplo. No teatro,
o trabalho da mídia é arrasador.
O silêncio é mais arrasador que
a palavra falada. Já sentiu um
sapo frio em cima de você?
FOLHA - Com o sr. resume a peça?
MAKSOUD - É uma crônica musical, relacionada com as atividades dos eventos que o Maksoud Plaza teve nestes últimos
quase 30 anos e só o Maksoud
Plaza possui esse acervo musical mostrado na peça. Ninguém
mais. É mostrado numa forma
de uma peça teatral musical
["Emoções que o Tempo não
Apaga", escrita e dirigida pelo
próprio empresário, teve sua
temporada interrompida no
período de festas e volta a entrar em cartaz no dia 11].
FOLHA - Uma curiosidade: o que
aconteceu com a Hidroservice? A
empresa foi descontinuada?
MAKSOUD - Ela não foi descontinuada, o Brasil foi descontinuado. O Brasil parou, não tem
serviço, não tem trabalho.
FOLHA - A Hidroservice fechou?
MAKSOUD - Está aberta. É a empresa holding do grupo. O que
eu não aceito mais é trabalho,
porque não tem trabalho.
Quando vêm me oferecer trabalho, é uma porcaria, ou então
tem que consorciar com cinco
outras empresas. Vira um trem
da alegria, uma bagunça, o diabo, isso eu não quero fazer.
FOLHA - E o seu hotel, como está o
Maksoud Plaza? Ele foi símbolo de
glamour.
MAKSOUD - Foi, não. Foi, é e será. Quem fala "foi" se confunde.
Texto Anterior: Artigo: Entre a cruz e a espada Índice
|