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OPINIÃO
A Justiça na UTI
JANICE ASCARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
APÓS SUCESSIVAS intervenções jurídicas incomuns encontra-se agonizando, em estado grave, um
dos mais escabrosos casos de
corrupção e crimes de colarinho
branco de que se teve notícia no
Brasil.
A Operação Satiagraha surpreendeu o país. Nem tanto pelos crimes (corrupção, lavagem
de dinheiro e outros), velhos conhecidos de todos, mas sim pelas manifestações de autoridades e de instituições públicas e
privadas em defesa dos investigados.
Nunca se viu tamanho massacre contra os responsáveis pela
investigação e julgamento do caso. Em vez do apoio à rigorosa
apuração e punição, buscou-se
desacreditar e desqualificar a investigação criminal colocando
em xeque, com ataques vis e informações orquestradas e falaciosas, o sério trabalho conjunto
do Ministério Público Federal e
da Polícia Federal, bem como a
atuação da Justiça Federal.
O poder tornou vilões os que
sempre se pautaram por critérios puramente jurídicos e recolocaram a questão no campo
técnico, no cumprimento do dever funcional.
Pouco se fala dos crimes e dos
verdadeiros réus.
Em julho de 2008, decretou-se a prisão dos investigados pela
possibilidade real de orquestração e destruição de provas.
A prisão preventiva do cabeça
da organização foi criteriosamente determinada em sólida
decisão, embasada em documentos e em fatos confirmados
nos autos, como a grande soma
de dinheiro apreendida com os
investigados, provando ser hábito do grupo o pagamento de
propinas a autoridades.
Apesar
de tantas evidências, o presidente do STF revogou a prisão
por duas vezes em menos de 48
horas.
Os fatos criminosos, gravíssimos, foram ignorados. Pateticamente, o plenário do STF referendou o "HC canguru" (aquele
habeas corpus que pula instâncias) e voltou-se contra o juiz,
mas sem a anuência dos ministros Joaquim Barbosa e Marco
Aurélio -este, aliás, o único que
leu e analisou minuciosamente
as decisões de primeiro grau.
Iniciou-se um discurso lendário, inconsequente e retórico para incutir, por repetição, a ideia
da existência de um terrível "Estado policialesco" e da "grampolândia" brasileira, uma falação
histriônica a partir de um
"grampo" que jamais existiu.
Alcançou-se o objetivo de
afastar policiais experientes, de
trabalho nacionalmente reconhecido e consagrado: o então
diretor da Abin foi convidado a
deixar o cargo; o delegado de Polícia Federal que presidiu o inquérito foi afastado das funções
e corre risco de exoneração.
Outra vertente é aniquilar a
atuação da Justiça de 1º grau,
afastando o juiz. Cada decisão
técnica, porque contrária aos
réus, passou a ser tachada de arbitrária e parcial. Muitas foram
as armadilhas postas para atacar pessoalmente o juiz e asfixiar a atividade da primeira instância, por meio de centenas de
petições, habeas corpus, mandados de segurança e procedimentos disciplinares.
No apagar de 2009, duas decisões captaram a atenção da comunidade jurídica. A primeira,
pelo ineditismo: na Reclamação
9324, ajuizada diretamente no
STF, alegou-se dificuldade de
acesso aos autos. O juiz informou ter deferido todos os pedidos de vista. Sobreveio a inusitada liminar: o ministro Eros
Grau determinou que todas as
provas originais fossem desentranhadas do processo (!) e encaminhadas ao seu gabinete.
Doze caixas de provas viajaram
de caminhão por horas a fio e
agora repousam no STF.
A segunda foi a liminar dada
pelo ministro Arnaldo Esteves
Lima (STJ, HC 146796), na véspera do recesso. Por meio de
uma decisão pouco clara e de
apenas 30 linhas, apesar da robusta manifestação contrária da
Procuradoria-Geral da República, todas as ações e investigações
da Satiagraha foram suspensas e
poderão ser anuladas, incluindo
o processo no qual já houve condenação por corrupção.
A alegação foi de suspeição do
juiz, rechaçada há mais de um
ano pelo TRF-3ª Região. Curiosamente, o réu não recorreu naquela ocasião. Preferiu esperar
dez meses para impetrar HC no
STJ, repetindo a mesma tese.
As duas decisões são secretas.
Não foram publicadas e não
constam dos sites do STF e do
STJ. Juntas, fulminam uma megaoperação que envolveu anos
de trabalho sério. Reforçam a
sensação de impunidade para os
poderosos, que jamais prestam
contas à sociedade pelos crimes
cometidos.
Espera-se que os colegiados
de ambas as cortes revoguem as
decisões e permitam o prosseguimento dos processos. A sociedade precisa de segurança e
de voltar a ter confiança na Justiça imparcial, aquela que deve
aplicar a lei a todos, indistintamente.
JANICE AGOSTINHO BARRETO ASCARI é procuradora regional da República e ex-conselheira
do Conselho Nacional do Ministério Público.
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