São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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DEFESA
Após vencer disputa com a Aeronáutica, Marinha adquire caças para reforçar sua nova concepção de ação
Compra de aviões encerra novela de 40 anos

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

A compra pela Marinha de caças-bombardeiros A-4 Skyhawk para o porta-aviões "Minas Gerais" encerra uma novela política de mais de 40 anos -a questão do uso pela aviação naval não apenas de helicópteros, mas também de aviões chamados "de asa fixa".
A novela era política, e não técnica, porque desde a Segunda Guerra Mundial as principais Marinhas do mundo não têm mais dúvidas sobre a necessidade de controlar aviões diretamente.
A Marinha do Brasil era forçada a conviver com o caso único de ter os aviões embarcados controlados pela FAB (Força Aérea Brasileira).
A revitalização da aviação naval é um sonho antigo, mas se encaixa dentro de uma concepção de poder naval que a Marinha tem seguido com mais determinação nos últimos anos.
Cada vez mais a Marinha procura se afirmar como uma força oceânica, dotada de uma esquadra "de águas azuis" (como diz o jargão militar), em contraposição a uma força costeira, limitada à patrulha próxima do litoral.
Uma Marinha de águas azuis não significa uma força agressiva. Quer dizer apenas que os navios, ao operar mais longe da costa, podem interceptar uma ameaça inimiga antes que ela chegue perto do país.
Além disso, a eficiência de uma Marinha está diretamente ligada a um fato óbvio: seus navios precisam navegar, para dar a necessária experiência a suas tripulações. E isso só se consegue indo para alto-mar.
Uma esquadra que opera em alto-mar precisa ter uma proteção antiaérea própria. Das Marinhas de porte médio do mundo, a brasileira hoje é uma das mais deficientes em termos de proteção antiaérea de seus navios -seja porque não possui aviões de caça para proteger a esquadra, seja porque seus mísseis antiaéreos têm alcance limitado (são de "defesa de ponto" em vez de "defesa de área", na terminologia naval).
Uma indicação dessa maior capacidade operacional da Marinha é o aumento do número de viagens de navios brasileiros ao exterior (veja quadro ao lado).
As visitas não servem só para adestramento. Também tem papel diplomático, "de realizar ação de presença", no linguajar da Marinha. E ao realizar operações com outras Marinhas, o treinamento ganha ar mais realista.
Foi o caso do exercício Linked Seas 97, o primeiro no qual uma Marinha de fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) realizou com os navios da aliança militar ocidental.
Uma fragata, uma corveta e um submarino foram a Portugal para esse exercício, que simulava uma operação multinacional de manutenção da paz entre dois países em conflito, conjuntamente com operações terrestres e aéreas. Participaram cerca de 1.500 militares da componente terrestre, 81 navios e 75 aviões de 12 países da Otan mais o Brasil.
A Marinha brasileira teve bom desempenho. O submarino "Tamoio", por exemplo, "afundou" o porta-aviões espanhol em dado momento do exercício.
O estreitamento das relações entre os países do Mercosul fez com que Argentina, Paraguai e Uruguai estivessem entre os países mais visitados por navios da Marinha.
No caso da Argentina, um aspecto central das operações conjuntas é justamente o treinamento aeronaval. Ironicamente, os brasileiros têm um porta-aviões sem aviões, e os argentinos têm aviões mas não têm mais onde embarcá-los, com a desativação do "25 de Mayo", da mesma classe que o "Minas Gerais". O navio argentino também operava o A-4 Skyhawk, por isso seu uso no porta-aviões brasileiro sempre foi visto como uma opção natural -e mais barata do que, por exemplo, o britânico Sea Harrier.
Navios como esses não podem ser comparados diretamente com os porta-aviões norte americanos de mais de 80 mil toneladas de deslocamento, cada um com um grupo de cerca de 80 aeronaves.
Porta-aviões de 20 mil toneladas, ou menores, são chamados hoje de "navios de controle de área marítima". Diferentemente dos gigantes americanos, cuja função é projetar poder em terra, esses navios menores são usados para proteger uma área do oceano contra incursões de navios, aviões e submarinos inimigos.
As Marinhas de Espanha, Itália, Japão, China, Tailândia, Reino Unido, tem porta-aviões como esses ou projetos de construi-los em breve. São geralmente equipados com caças de pouso curto e decolagem vertical, como o Sea Harrier.



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