São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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OPERAÇÃO ANACONDA

Integrante do Ministério Público Federal seria braço da organização criminosa nos tribunais superiores

Subprocurador aconselhou a forjar provas

FREDERICO VASCONCELOS
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O subprocurador-geral da República Antônio Augusto Cesar, 54, orientou o agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez, 41, um dos réus presos da Operação Anaconda, a forjar provas para reduzir a responsabilidade desse policial num episódio de agressão e lesão corporal.
Em telefonema grampeado pela Polícia Federal na noite de 9 de setembro de 2002, Rodriguez contou a Antônio Augusto que havia quebrado o maxilar de "Duda", ex-companheira do policial.
O subprocurador recomendou, então, que Rodriguez pedisse à secretária do policial, Lisandra Chagas, que lhe desse umas unhadas ou o mordesse. Sugeriu que, logo em seguida, Rodriguez tirasse fotos dos machucados e fizesse um exame de corpo de delito, para simular legítima defesa.
"Vamos ser pragmáticos", diz o procurador, em um dos diálogos. "É o único jeito aí de você sair dessa. Qualquer coisa, você revidou porque estava sendo agredido."
A gravação está no relatório final da Operação Anaconda e confirma o grau de intimidade entre o policial e o procurador. Essa fita e a apreensão de armas levaram o Ministério Público Federal a pedir a prisão preventiva do policial.
Ao ser interrogado pela desembargadora Therezinha Cazerta, Rodriguez disse que aquele episódio não havia gerado inquérito. Procurado pela Folha, Antônio Augusto confirmou o telefonema. Ele diz que não agiu como procurador, mas "como amigo de alguém que estava em desespero" e que cometera "um ato bárbaro".
Segundo Antônio Augusto, ele já estava dormindo quando recebeu o telefonema de Rodriguez.
A transcrição da conversa entre Rodriguez e Antônio Augusto também sugere que havia um relacionamento estreito entre o agente policial e juízes federais.
Rodriguez diz ao subprocurador que sua ex-companheira ligava várias vezes por dia para importuná-lo. Antônio Augusto sugeriu que o policial trocasse seus telefones. "Eu não posso fazer isso. Todos os juízes lá têm meu telefone hoje", disse Rodriguez.
A Folha não localizou "Duda", a ex-companheira de Rodriguez. O relatório da PF não cita seu nome completo. Por telefone, uma amiga informou que ela está viajando.
A Folha apurou que há uma minuta de denúncia contra Antônio Augusto Cesar na Procuradoria Geral da República, em Brasília.

Processos monitorados
Outra conversa grampeada indica que o subprocurador orientava processos de interesse do advogado Affonso Passarelli Filho e de Rodriguez, que atuava, na ocasião, como advogado, pois havia sido afastado da Polícia Federal.
Os diálogos tratam, de forma cifrada, de uma ação movida contra o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos pela sua ex-mulher, Norma Regina Emílio Cunha.
O grampo sugere que o subprocurador acertava com Rodriguez formas de interferir no andamento do processo e de manter o juiz federal informado da tramitação.
O subprocurador dá orientações sobre processo de reconhecimento de sociedade conjugal que Norma moveu contra Rocha Mattos. Em linguagem cifrada, eles se referem a personagens (o "papa", o "gato do telhado") que supostamente poderiam influir na tramitação daquela ação de família.
Eis um dos trechos enigmáticos na voz de Rodriguez: "Porque daí ele me fala todos os "versículos" que ele quer saber, a redação dos "versículos" todos, e deixo tudo em "stand by" com o "papa'".
O escritório de Passarelli, onde o procurador tem salas e secretárias, é tido pela PF como uma das "bases de atuação da organização criminosa" que negociaria sentenças na Justiça Federal.
Como subprocurador-geral da República, Antônio Augusto está no topo da carreira no Ministério Público Federal em Brasília. No relatório final da Operação Anaconda, ele seria o "braço da organização criminosa com atuação junto aos tribunais superiores".
A PF cruzou informações do banco de dados do escritório de Passarelli com processos nos quais Antônio Augusto atuou, como subprocurador, no Superior Tribunal de Justiça. É o caso de uma ação cujo réu, Soliman Taman, era representado por Rodriguez.
Pela lei, Antônio Augusto pode exercer a advocacia privada, porque entrou na carreira antes da Constituição de 1988. Ele é procurador da República desde 1982. A Anaconda identificou processos em que ele, "ostensiva ou dissimuladamente, atuou contra os interesses da União ou da Fazenda Nacional", o que é vedado.
Mesmo residindo em Brasília, Antônio Augusto advoga em São Paulo. Documentos e outras gravações da polícia revelam que ele é sócio do escritório de Passarelli, onde ocupa três das oito salas, o que foi confirmado, em interrogatório na Justiça Federal, pelo próprio Rodriguez.
Ainda segundo a PF, Antônio Augusto "é integrante da citada "banca de advogados", participando dos lucros do escritório".
O relatório da PF cita que ele está "cadastrado no banco de dados do escritório como um dos advogados contratados" e que era "advogado nas horas vagas ou subprocurador-geral da República quando os interesses da organização criminosa recomendavam".
A Operação Anaconda registra que Rodriguez teria vendido uma Mercedes ML blindada, ano 98, a Antônio Augusto, por R$ 150 mil. O veículo estaria em nome de Lisandra, a secretária do policial.
Em minuta de um instrumento particular de confissão de dívida, achada pela PF no escritório de advocacia, documento não assinado, o subprocurador reconhece dever US$ 66,5 mil ao policial. Antônio Augusto disse anteriormente que tinha dívida com Rodriguez por compra de veículos.



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