São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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JANIO DE FREITAS

A diferença de tentar


O que importa é não haver fuga, não ludibriar expectativas; o que importa é a lealdade de tentar


ENTRE OS primeiros comentários de cobrança a Barack Obama, mesmo que apenas implícita, estão os de um autor para o qual "Obama precisa agir rápido", e "Obama tem que enfrentar logo o sistema financeiro", expectativas, entre outras, justificadoras de ceticismo porque "vai ser difícil Obama fazer o que prometeu". São opiniões, no entanto, cujo possível fundamento não as impede de serem tão úteis ao próprio autor quanto eventualmente aplicáveis a Obama.
O cético Lula e os lulistas têm agora, graças às esperanças provocadas por Barack Obama, um meio de percepção clara do que foi a conduta que adotaram e, com tantos malabarismos e não rara agressividade, tentaram justificar nos quatro anos perdidos do primeiro mandato.
É simples. Não precisam de mais do que se fazer uma perguntinha assim: "Caso Obama, chegado ao poder, adotasse o exato oposto do que disse em toda a sua vida política e nos seus compromissos de campanha, como se qualificaria a sua conduta, o caráter do seu do governo e do seu partido, incluídos os travestidos todos?".
Alguma semelhança com o passado recente, ou é só uma fantasia exótica para não faltar com a Obamania? Sim, sim, estou ouvindo, a "herança maldita", aliás nunca descrita por Lula ou outro do governo. Seria melhor não fazer tal invocação, mesmo lembrar "as bravatas" seria menos grotesco. Porque, nos dois quesitos de "herança maldita", Obama disputa o recorde olímpico. Por falar em herança, nunca se diz, e seria verdadeiro, que muito mais maldita do que a herança legada a Lula foi a recebida por Sarney.
Também a nós outros, vítimas insolúveis das "heranças malditas", a prazerosa encrenca de Barack Obama oferece uma sugestão. Quando as promessas e as expectativas não encontram caminhos de realização, reprovar governantes por não as terem realizado plenamente é, no mínimo, injusto. O que importa é não haver fuga, não ludibriar compromissos e expectativas. O que importa é a lealdade de tentar. É claro que "vai ser difícil Obama fazer o que prometeu", mas, se tentar, já será difícil outro Bush: foi de tentativas incompletadas que se abriu o longo caminho do negro Obama até a Casa Branca.
Lula optou pela não-tentativa, pelos remendos que contornam. Em vez do crescimento, do emprego, o assistencialismo para remediar. Em vez da distribuição de renda como sistema, paliativos que se desfazem logo adiante. Em vez da busca de formas de equilíbrio entre o novo e a inflação tolerável, a medíocre obviedade dos juros em privilégio da especulação, do sistema financeiro e da concentração de riqueza multiplicada pela dívida governamental. A coragem e a decência de tentar, eis o admirável.

Socorro
Explicação dos militares israelenses para romperem a trégua declarada por Israel, bombardearem Gaza a partir do mar e fazerem mais um lote de feridos não-combatentes: "Foi em resposta à ultrapassagem do limite fixado por um barco de pesca palestino".
Em vez de incontáveis intermediários, diplomatas e até governantes, o que se precisa mandar ao Oriente Médio é um exército de psicoterapeutas. E muitos milhares de camisas-de-força.


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