São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Os atravessadores atrapalham Lula e Obama

Os dois presidentes têm tudo para se entender, mas a feira de vaidades pode estragar a cena


LULA E BARACK Obama têm tudo para se entender, desde que decidam cuidar das prioridades das relações entre os seus governos. Se deixarem a agenda cair nas mãos de atravessadores, pequenas vaidades criarão grandes problemas e questões secundárias serão transformadas em atritos.
O primeiro sintoma dessa anomalia surgiu há poucas semanas, quando Roberto Mangabeira, ministro do-sei-lá-o-quê desceu em Washington para discutir Cuba, defesa e etanol com assessores de Obama. Sua credencial estaria no fato de ter sido professor do atual presidente quando ele estudava em Harvard. Tudo bem, mas quando o ex-aluno não tem tempo para receber o ex-professor, a etiqueta recomenda que o mestre tome o caminho de casa.
Mangabeira não foi a única vaidade da feira. Em dezembro, o chanceler Celso Amorim acusou o presidente eleito de "se esconder atrás de formalidades", permitindo o funeral da Rodada Doha. Está certo que o doutor jogou sua sorte nessa negociação comercial. Caso ela chegasse a bom termo, quem sabe, estaria credenciado para suceder o atual diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. Deu errado, paciência. O chanceler brasileiro não deve dar aulas ao presidente eleito dos Estados Unidos. Primeiro, porque não adianta. Segundo, porque é ridículo.
Do outro lado do balcão, dona Hillary Clinton mostrou que poderá detonar o programa de cooperação do Brasil e dos Estados Unidos em torno da produção de etanol. Pela primeira vez em mais de 50 anos um projeto desenvolvimentista brasileiro teve o apoio de Washington. Ficou no palavrório de Nosso Guia e de George Bush, mas já foi alguma coisa.
Em cima de um programa de estímulo à produção de etanol pode-se construir uma nova fase das relações entre os dois países. Na busca do envenenamento, é só continuar na trilha seguida pela senhora Clinton. Ela defende os subsídios ao etanol americano (de milho) e associa o brasileiro (de cana) a dificuldades ambientais. Esse tipo de prepotência é a semente do antiamericanismo na América Latina.
Lula e Obama têm muito em comum, até mesmo em alguns sofrimentos que a vida lhes impôs. Ambos foram abandonados pelo pai (no caso do presidente americano, o avô de sua mulher também largou a família por 14 anos). Por caminhos diferentes, chegaram ao topo da montanha contrariando a história e o jogo do andar de cima. Podiam combinar uma coisa: não fazer nada enquanto não conversarem.

PRESEPADA
Se o governo italiano continuar fazendo presepadas para forçar o Supremo Tribunal Federal a extraditar o terrorista Cesare Battisti, vários ministros da corte tenderão a decidir que ele ficará no Brasil.
A conduta dos italianos leva água para a teoria do comissário Tarso Genro de que há uma gana política em cima de Battisti e suas malfeitorias no PAC (Proletários Armados para o Comunismo).

BARACK LÁ, BUSH CÁ
Tem muita gente boa aplaudindo Barack Obama porque ele proibiu a prática de torturas contra presos. O suplício mais conhecido era a simulação de afogamento.
Um pedaço dessa mesma plateia emocionou-se com a valentia do Capitão Nascimento no filme "Tropa de Elite" e com o poder de persuasão de seus sacos de plástico.
É um novo tipo de esquizofrenia política. O sujeito é Obama nos Estados Unidos e George Bush no Brasil.

FREGUÊS PERDIDO
Não foi só restaurante do Country Club do Rio que sofreu o estouro de US$ 50 bilhões do fundo de Bernard Madoff.
O restaurante Bravo Gianni, de Nova York, perdeu um freguês, pois o doutor vive agora em prisão domiciliar.

OS OTIMISTAS
De um sábio:
"Depois que Paul Volcker disse que estamos vivendo "a mãe de todas as crises" o mundo pode ser dividido entre otimistas e malucos. Os malucos são os sujeitos que estavam naquele navio do filme do Leonardo Di Caprio e diziam que nada afundaria aquele barco. Os otimistas achavam que conseguiriam um barco salva-vidas".

AÉCIO É CANDIDATO OU APENAS ESTORVO?

O governador Aécio Neves precisa decidir se é candidato a presidente da República ou a estorvo para atrapalhar a vida de José Serra. Ele se apresentou defendendo a realização de prévias dentro do PSDB. Está farto de saber que a caciquia tucana não quer ouvir falar nisso, mas até hoje não transformou a consulta às bases num cavalo de batalha.
Contrariando a prudência mineira, no ano passado o governador meteu-se numa aposta perdida quando apoiou Geraldo Alckmin na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Perdeu, mas pode-se dizer que a vida é assim mesmo. Aposta-se, ganha-se ou perde-se. É verdade que jamais um governador de Minas se envolveu com uma eleição municipal de São Paulo, mas Aécio quis arriscar. O problema é que com a ida de Alckmin para o secretariado de Serra ele ficou na posição do apostador que perdeu e acabou sem o dinheiro para o táxi. No desfecho de seu Projeto Alckmin, Aécio deverá voltar a pé para o hotel.
Se Aécio é candidato a presidente, uma disputa com Serra nas prévias poderá dar uma alma ao PSDB e aos seus candidatos. Se ele não está disposto a brigar, nem mesmo pelas prévias que tanto defendia, candidato a presidente não é.

CELEBRAÇÃO
Uma conta reveladora do tamanho do sentimento histórico que levou mais de 1 milhão de pessoas a Washington na semana passada: pode-se estimar que na segunda-feira, durante o feriado de Martin Luther King, mais de 5.000 pessoas tenham passado pelo Museu de História Americana.
Lá estavam expostas, entre outras peças, a máscara mortuária de Abraham Lincoln e um aparelho desenhado por Thomas Jefferson, capaz de copiar a sua caligrafia enquanto escrevia.
O museu da História estava engarrafado, mas, a pouco mais de um quilometro, a National Gallery ficou praticamente às moscas. Numa sala onde estão expostas três Madonnas de Rafael, havia apenas dois visitantes.

SEEGER & GUTHRIE
Os cenógrafos da posse do companheiro Obama aqueceram a galera que ficou na esplanada de Washington com trechos do show de celebridades ocorrido dois dias antes na escadaria do memorial de Lincoln. Por coincidência, o último artista a entrar em cena foi Pete Seeger (89 anos), campeão de sucessos nos anos 60 com canções de protesto. Seeger cantou "Esta Terra é Tua", de Woody Guthrie (1912-1967).
Os dois foram militantes do Partido Comunista Americano. Guthrie terminou seus dias num hospício, dizendo que estava no lugar mais livre dos Estados Unidos, pois só ali podia dizer que era comunista sem ser importunado.
Foi apenas uma coincidência. Hoje o mundo se divide entre pessoas que não lembram da militância política de Seeger e Guthrie ou, quando lembram, não dão a isso a menor importância.


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