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Livro foca vida de mulheres vítimas do regime militar
Governo publica histórias de 27 sobreviventes e de 45 mortas ou desaparecidas
Publicação será lançada hoje, seis dias antes de o golpe completar 46 anos, e é a terceira da série "Direito à Memória e à Verdade"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Em meio à tensão gerada
dentro do próprio governo com
a criação da comissão da verdade para investigar torturas,
mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar (1964-1985), as secretarias de Direitos
Humanos e de Políticas para as
Mulheres lançam hoje o terceiro livro da série "Direito à Memória e à Verdade", desta vez
focado nas mulheres vítimas do
regime.
Sob o título "Luta, Substantivo Feminino", a publicação intercala as histórias de 45 mulheres mortas ou desaparecidas
e os relatos de 27 sobreviventes
de diferentes organizações de
resistência à ditadura, armadas
ou não. Algumas estavam grávidas, outras amamentavam, todas foram torturadas e, não raro, estupradas.
O primeiro livro da série era
sobre as vítimas em geral e foi
lançado pelo presidente Lula
no Planalto, em agosto de 2007,
gerando reações nas Forças Armadas. O atual será divulgado
na PUC-SP, seis dias antes de o
golpe de 31 de março de 1964
completar 46 anos.
Entre os depoimentos, não
consta o da ministra da Casa
Civil, Dilma Rousseff, que também foi militante da esquerda
armada, presa e torturada e hoje é candidata à Presidência pelo PT. A explicação é que os autores quiseram dar um caráter
suprapartidário ao trabalho,
sobretudo em ano eleitoral.
Na apresentação, o ministro
Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), que é o principal responsável pelo 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, faz
um apelo velado às Forças Armadas, ao dizer que a publicação "pode mudar opiniões de
quem ainda resiste à elucidação
profunda de todos esses episódios como passo necessário a
uma reconciliação nacional".
Em seguida, a ministra Nilcéa Freire (Mulheres) defende
ampla apuração da verdade: "A
superação dos fantasmas que
ainda assombram nossa história recente exige confrontá-los.
Para exorcizá-los, será preciso
retirá-los dos lugares onde estão escondidos, nomeá-los,
olhá-los nos olhos e compreender os mecanismos que os permitem surgir".
As mortas e desaparecidas
são divididas em três grupos: de
1964 a 1974, incluindo o período agudo da repressão; de 1974
a 1985, já no processo classificado de "distensão"; e a Guerrilha do Araguaia, no final da década de 1960 e início da de 1970,
na região do rio Araguaia.
Todas são acompanhadas de
fotos mostrando rostos jovens,
alguns quase infantis, como o
de Aurora Maria Nascimento
Furtado (1946-1972), que estudava Psicologia na USP e militava na UNE (União Nacional
dos Estudantes) e na ALN
(Ação Libertadora Nacional).
Conforme o livro, "Aurora foi
submetida a pau de arara, choques elétricos, espancamentos,
afogamentos e queimaduras,
além da "coroa de Cristo", fita de
aço que vai sendo apertada aos
poucos e esmaga o crânio. Morreu no dia seguinte". Seu corpo,
porém, foi encontrado no subúrbio do Rio crivado de balas.
Entre os depoimentos de sobreviventes, há o de Damaris
Lucena, que hoje vive em São
Paulo. Era feirante e militante
da VPR (Vanguarda Popular
Revolucionária). Foi presa
quando seu marido foi morto a
tiros à queima-roupa, em 1970.
"Minha boca ficou toda inchada, cheia de dentes quebrados (...). Minha vagina ficou toda arrebentada por causa dos
choques. Meu útero e minha
bexiga ficaram para fora. Eu tive de fazer operação em Cuba,
levei 90 pontos e estou viva por
milagre", relata.
O livro é mais um esforço para apuração e divulgação da
verdadeira história da repressão política na ditadura, enquanto o governo expande a
procura de restos mortais de
desaparecidos para além da região do Araguaia.
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